terça-feira, 29 de novembro de 2011

Estrada...

Estrada

Agora deve ser a hora de chorar,
há uma imensidão de mim que já se foi,
na estrada com poeira baixa em que desdemos as mãos,
nem havia um pingo de chuva para amainar o sol que tornava o horizonte cego.

Soslaios de olhar,
restos de pegadas,
sussurros de vozes,
o som era o vento.

Quanto tempo coube dentro daquele caminho,
há um nascimento a cada desencontro,
os olhares se tocam como o pincel na tela que cria,
as cores são tintas a esculpir o entardecer, daqui a pouco já é noite.

Folhas amassadas,
frio e madrugada,
abraço forte,
almas irmãs.

Todo aquele distanciar agora possuía uma direção.
O deserto que tinha minha casa foi devastado,
recebi aquele infinito como a visita de um anjo.
Mas fui de leve, passos se tornaram asas.

Voei como uma boca que nunca foi beijada,
tanto amor que nem poderia escrever,
desejo de encontro e medo da chegada,
chorar com o coração é sempre prova de amor.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

domingo, 27 de novembro de 2011

Nada é simples

Nada é simples

Por entre chuvas e miradas de sol,
passagens por mares e campos de flor,
solidão e amor silente por entre frestas de lábios,
tristezas constantes e admiração sob meus olhos em dor.

Cenas distantes de um balé etéreo.
Um vacilo de pernas e um novo céu se abre,
desatam-se os nós e a calmaria se deixa ver através da pele inerte,
nenhum suspiro mais se ouve e todo o sentimento resplandece cálido.

Desenganos que nascem com o diálogo,
feitos memoráveis e desditas que se desenrolam.
Acenares de mãos em silêncio às vidas que se recompõem,
momentos vãos e uma alegria juvenil.

Depois da morte consumada.
Sons novos, ações belas e uma toada.
Depois da morte e não mais resta nada,
esculpir a vida, chuva leve e alma lavada.

Nada é simples, nem o balé,
nem a morte, nem a vida, o amor...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ora...

Ora..

ora melodia, ora entonação,
ora milagre, ora perdão,
ora carícia, ora desvio,
ora caminho, ora bravio,

ora poema, ora o chão,
ora sublime, ora canção,
ora outono, ora secura,
ora primavera, ora brandura,

ora agressão, ora perdido,
ora um grito, ora ouvido,
ora paisagem, ora desilusão,
ora gozo, ora prostração,

ora luar, ora escuridão,
ora cantiga, ora turbilhão,
ora beijo, ora adeus,
ora olhar, ora os seus,

ora aqui, ora conformação,
ora de longe, ora negação,
ora desejo, ora sensação,
ora latitude, ora regressão,

ora palavras, ora silêncio,
ora terra, ora mar imenso,
ora calmaria, ora pensamento,
ora fantasia, ora acalento,

ora lembrança, ora esquecimento,
ora o ar, ora o mar,
ora saudade, ora saudade,
ora amar, ora amar...

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito - sol, chuva e arco-íris no céu.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Uma vida, entonação

Uma vida, entonação!
(a Dali e García Lorca)

Sob aquelas plantas de algodão adormeci,
meu espírito, de tanto lutar, arrefeceu de ódio e amor,
deitado com olhos abertos e riso sem cor,
um suspiro afogado em mares de inspiração.

A morte do poeta é sua própria criação,
depois, são alguns versos entoados por uma boca sem feição,
dores imensas entretidas em braços soltos,
balé em águas e cheiros um do outro.

Revoluções, partidas, esconderijos e entornos,
encontros sorrateiros e peitos alucinados,
um sol de primavera, um vinho demorado,
sentinelas de estrelas, uma vigília eterna.

Naquela pintura, uma mistura, seu gosto.
Silêncio, lágrimas, desespero sem retorno.
Uma porta se fecha e uma visada sem amor,
despedida, paz do poeta. Amor, desdita e solidão.

Vida!

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – boa madrugada.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Quando saí pela cidade de mim...

Quando saí pela cidade de mim...

Precisei ir um pouco ali fora,
ali adiante, decerto trocar apenas alguns passos não distantes,
ouvir um marulho de pingos, e vozes, e risos,
colher alguns olhares por detrás de silhuetas malvestidas, invertidas.

Tem um sentido todo diferente por ali afora,
ali aonde colho algumas rosas, duas ou três, mais não.
As mãos não sustentam muito tempo mais do que podem,
fingir não dá mais, ali fora as cores das rosas não são frígidas, nítidas.

Os passos são jogados contra o vento que diz coisas estranhas,
um passo mais e outro, e tantos outros, diferentes e imprecisos,
cambaleantes, sucedem uma digestão de pensamentos,
trocadilhos mal feitos de uma avenida sem limite, ouvinte.

Afora minha pretensiosa distinção das noites,
há um desenho complexo por entre estas vidas entrelaçadas e embaçadas.
Sentimentos, luzes, fumaças, uivos de ventos e algumas vozes, até placas.
Formas distintas, variações de uma mesma percepção, emoção.

Truques desvairados ostentam essa visão,
dão-se ao corpo, e sem direção, se entregam,
as flores que tiveram um cheiro agora são tapetes,
almas de poetas, embriaguez pela cidade, amores, vida e sensação, desrazão.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – chuva.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

É melhor ficar aqui...

É melhor ficar aqui...

Durante um dia inteiro eu fiquei por aqui mesmo,
me deixei a escutar uma canção e colher um raio ou outro de sol,
sentado à beira de mim mesmo sem companhia,
recostado na pedra do tempo que não é imóvel.

Cheiros insistentes e palavras de pessoas, ruídos.
Como tem barulhos durante os dias!
Senti inveja da noite silenciosa, por que não passei uma noite aqui?
Era dia e não poderia evitar os esguios olhares das pessoas sem sinceridade.

Como são bonitas as folhas quando caem da árvore,
se vão despedindo dos galhos enquanto rolam sob o sopro do vento sul.
As folhas deixam nus os galhos parados das árvores que nos contam o tempo,
delas queremos os frutos e as flores, não as marcas da história.

Quando os sentidos se deixam tocar pelo espírito é assim mesmo que acontece,
o diálogo fica amainado e as coisas ditas grandes ficam chatas.
Importa ver o passarinho a cantar para sua pretendida,
o melhor acorde é aquele tocado pela brisa, a melhor pedida, a rosa que desabrocha.

Não tem um jeito e também não tem uma medida,
a cor não é dita e tampouco a temperatura revelada,
pode até ser uma cabana solitária em meio da mata,
mas pode ser só uma pele, um beijo, um amor ou uma serenata.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – de tarde.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Palhaço...




Palhaço


Nossa! Isso aqui a esta hora sempre está vazio!

A exclamação daquela mulher, em uma manhã acinzentada que contrastava com o espírito de Gaia, a trouxera de volta para sentidos reais envoltos a um cheiro de fumaça de carro misturada com um ar parado da mesma manhã que não tinha cara de primavera - Gaia foi um apelido dado por um tio que sabia-se metido a filósofo e que gostava de alcunhar as pessoas com os elementos do globo.

Essa mesma exclamação criaria espaço para que um sem fim de lugares se apresentassem aos olhos dessa mulher que tinha pela frente apenas uma manhã, as próximas horas não estavam sob as suas previsões. O clima e os cheiros da manhã seriam os únicos guias para Gaia.

Seguiu um caminho não traçado. Seus passos foram se desenhando e a ela caberia apenas ir, não havia como alterar a rota de uma traçado desconhecido. A manhã ainda permitia os óculos escuros. Quase um escudo. Antes de sair do carro, ainda havia olhado pelo vidro a tentar desafortunadamente alcançar o tom da mulher dona da exclamação avivadora. No entanto, a moça nem sequer titubeou, altiva, entrou no carro e se perdeu por entre os vidros negros. Restou a Gaia, apenas o timbre dos olhos cor de amêndoa e vivos como os de um recém-nascido.

Mais um passo, e agora já estava dentro do shopping. O cenário deste local é menos aterrorizante nos dias "de semana" pela manhã.

Lembrou-se de tirar os óculos alguns minutos depois das indagações que recebia entre os olhares dos demais transeuntes. Riu de si mesma. Lembrou do tio que sabia-se filósofo e riu das pessoas ao seu redor.

Como não havia programado sua ida, fez coisas que habitualmente faria. Comeu um sanduíche que nas propagandas se apresentava um tanto mais apetitoso. Tomou também um copo inteiro de Coca-Cola. Levantou-se da sempre tumultuada praça de alimentação e lançou-se ao encontro das pessoas. Tinha lá uma tese de que dentro dos shoppings e dentro da alienação capitalista as pessoas viviam como sonâmbulos, não sabiam que estavam ali, e entorpecidas precisavam de um espetáculo qualquer para retomarem a "consciência". Precisavam comprar.

Percebeu que ainda estava absorta pela exclamação da enigmática mulher de olhos amendoados que encontrou na entrada do shopping. Não era o sanduíche que estava sem gosto. A realidade em que se havia dado é que não permitia sentir seu gosto. Talvez um filme soubesse bem àquele momento. Sim, seria.

Caminhou lentamente até a bilheteria, sacou o cartão, pagou e se entregou. O momento em que a atendente falava sobre as opções de filmes foi saltado por Gaia, apenas disse que seria o filme da próxima sessão. Só depois percebeu qual seria o filme a ser exibido: "Palhaço". O nome com toda carga mágica que carrega consigo trouxe em Gaia uma explosão de sentimentos nostálgicos de sua infância. A canção que apresentava o filme fez com que seus olhos fechassem e sua alma levitasse até uma infância que não viveu. De soslaio conseguiu perceber que o diretor já era conhecido por ela, daí, inocente se deu ao filme.

De dentro da sala de cinema não havia tanto o que dizer, uma arte sendo encenada dentro de outra arte foi uma sensação que Gaia apenas havia experimentado enquanto ouvia as teorias de seu tio metido a filósofo e artista. Sensações daquelas em que o espírito parece querer pular para fora do corpo em pura magia. Palavras não seriam o bastante para essa expressão.

Assim, como acontecera num romance de Garcia Marquéz, em que, o local, de tão inóspito, não trazia ainda conceitos para explicar as coisas, carecia, portanto, que as pessoas apontassem o dedo para indicar as coisas - ações típicas de criança. Foram assim os momentos dentro da sala de cinema que há muito já se havia transformado em uma imensa lona de circo.

A criança que saltitava dentro do coração de Gaia tinha sonhos tão distantes que por vezes seus olhos marejavam - ora de cansaço pela viagem que nunca chegava, ora de saudade de uma infância distante que ela não havia presenciado, pura emoção. Mais uma vez uma sensação infantil. Toda esta sentimentalidade foi para Gaia também uma surpresa, como aquelas que temos quando ganhamos uma bicicleta no Natal.

Resolveu, lá pelas tantas, também "ser de circo". Mas não foi um gesto de escolha tão somente. Havia um amor e uma incerteza a flamejar em seus olhos de mulher que agora era criança. Essa incerteza tinha o gosto salgado das lágrimas que tomavam seu rosto diante do circo.

Quando foi "de circo", riu do palhaço e sonhou ao ver o malabarista. Amou o poeta e se entristeceu a cada baixar de lonas. Cerrou os olhos e depois já era outra paragem, outra cidade, risos outros, olhares e lágrimas também. Viu o palhaço triste a se perguntar quem o faria sorrir. Viu amores nascendo sob a lona criadora de sonhos. O circo era pura magia.

Ao sair da sala de circo, resolveu perguntar à mulher de olhos de amêndoa qual o sentido e o problema de estar ali sempre vazio em manhãs escuras de um dia de semana. Gaia, por certo, não iria encontrar mais essa moça. Ela já estaria entretida no espetáculo do mundo.

Da porta do shopping, agora via pingos de chuva, não poderia mais colocar os óculos escuros. Mas, não havia mais essa preocupação, nem com os óculos e nem com a mulher do carro com vidros negros. O circo tinha que continuar. Agora, Gaia tinha uma amiga, Aurora. Tinha esse nome, pois foi ela quem trouxe o novo, a que foi criança todos os dias, a que permitiu Gaia preencher a manhã, vazia. Aquela que iniciou seu dia. Aquela inocente que acredita em palhaço!

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito - de manhã.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A escrita e o limite

A escrita e o limite

Não escrevo para aqueles sem voz,
para os que se dispuseram de todo grito.
Não escrevo para os que silenciam,
não escrevo para os que temem seu algoz.

Não escrevo para quem se distrai,
para os que se esquivam da onda.
Não escrevo para os que baixam os olhos,
não escrevo para aquele que não vai.

Não escrevo para os que vão só ao meio,
para os que não se perdem noutro enleio.
Não escrevo para os que não se afogam,
não escrevo para a superfície que não é inteiro.

Não escrevo para os que creem,
para os que insistem na verdade.
Não escrevo para os que não se embriagam,
não escrevo para o alcance e a vaidade.

Não escrevo para quem promete, se compromete,
para os que vivem e não esquecem.
Não escrevo para os que se eximem,
não escrevo para os que reprimem.

Não escrevo para aqueles que não têm sangue,
para os que não miram o horizonte.
Não escrevo para o que é constante,
não escrevo para quem diz ser distante.

Não escrevo apenas para dizer palavras,
para contar e maldizer vontades.
Não escrevo para frear sentidos,
não escrevo para criar desígnios.

Não escrevo, porque não tem princípios,
para contar estórias, que têm meio e início.
Não escrevo com domínio,
não escrevo, ao invés das palavras, o acaso, amor e destino.

Conselheiro Lafaiete – frio e noite
Bernardo G.B. Nogueira