segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Nascimentos

                                                                 Nascimentos
 

O tema dos duplos já me vem de alguma forma consumindo as palavras, tomando algum tempo e levando algumas ideias ao ar. Propriamente aqui, nesse momento, parece que eles ficaram ainda mais nítidos. Sensação parecida com aquela que temos quando descobrimos um novo acorde e uma determinada canção passa a ser audível aos dantes ouvidos moucos. Assim, dois são os arcos de minha vida. Dois são os países. Dois os sentimentos. Duas as passagens e dois os locais onde vai dar. De cá ou de lá. Dois também são os verbos. Duas gerações. Pai e filho. Abelha e mel. Ontem, hoje.

É estranho como quando não sabemos das histórias, as coisas são maiores e menores ao mesmo tempo. Explico-me: se sei da história dos arcos de Coimbra, penso algo sobre eles a partir desse conhecimento. De outro lado, se nada sei dos arcos da Lapa, perco, na medida de desconhecedor da história, mas ganho na proporção de inventividade que acabo por inserir quando nossos olhares se encontraram.

Ainda nesta coisa de duplos, nascer e morrer. Neste caso, parece que temos mais de um nascimento. De novo preciso me explicar – será que este texto estaria confuso? Bom, é evidente que temos em nossa certidão de nascimento uma data e um horário, e dai um imenso cabedal de formalidades que nos põem formalmente no mundo. No entanto, por alguns momentos imagino que há vários nascimentos durante nossa caminhada em direção ao inevitável da morte. Podemos até jogar com ela, frase posta só para citar Ingmar Bergman e o texto possivelmente confuso ficar erudito. Porém, da vida só se sabe a morte. Essa é nossa tragédia e nossa comédia também. Então, parece que quando em 1972 foi lançado o álbum “Acabou Chorare” dos novíssimos baianos, houve ali um renascimento conjunto. Um transe, diria. Pois, a despeito das informações históricas inerentes a esse acontecimento, as quais me furtarei, para manter aquela capacidade inventiva, a musicalidade que ecoa brasilidade em toda sua potência é tão inicial como os nascimentos, e parecendo adquirir naturalmente uma aura atemporal, chega depois de 40 anos e de novo faz partos.

Do outro lado do Atlântico há uma Universidade, a de Coimbra, onde vamos atrás do tal saber – aliás, saber é um termo interessante, posto que é verbo e é não também. E de tanto buscar esse saber, atravessamos os arcos, pra cá e pra lá. De dia e de noite. Tristes e risonhos. Com frio ou calor, com amor.
Os arcos lá contando sua história própria e fazendo a nossa ficar gravada neles e nós, por debaixo deles, sem nada saber, indo de um lado pro outro. Então, voltar é sempre preciso mesmo. O oceano é atravessado de volta, os arcos ficam na foto da memória simbolizada na palavra saudade. Mas estivemos lá. E agora a história do arco de lá é nossa também. Mas, como o duplo é nossa ideia motriz. Há outro que agora figura nessa história. Na Lapa, houve um arco, uma lua cheia, um tanto de sonhos. O canto novo-velho de Moraes Moreira. Os acordes também novos-velhos de seu filho Davi Moraes, misturados como é o Brasil, inseparáveis como os duplos, confundidos como os arcos da Lapa e os arcos de Coimbra. Tão juntos, como pai e filho.

Uma noite que logo se fez dia anunciou esta mistura que ainda acalenta de brasilidade nossa existência, fatigada talvez. Os arcos deixaram de ser uma paisagem que compõe a arte da cidade para servir de palco para um sentimento velho-novo. Da saudade dos arcos de lá fiz novidade nos arcos de cá. Da história dos olhos de Moraes ressoava os acordes de Davi. Da imensidão da noite, raiava um anuncio. Quiçá de uma revolução para abastecer de sangue latino os corações que andam por ai tão sisudos, tão carentes de “passarinhos”. O choro acaba quando fica tudo lindo. O tempo não é mais o mesmo dentro dos olhos que sentem essas canções. Os arcos agora têm em suas paredes nossa história, e estes acordes também são testemunhas oculares e auditivas de que o Brasil é tanto que pode ser até dois, essa frase foi mesmo para voltar ao tema dos duplos.

Duas então foram as histórias que contei, talvez mais. De Coimbra e da  Lapa. Do fado e do samba. De Moraes e de Davi. Do Brasil antes e depois destas canções.. São quarenta anos de lá até hoje, tanta coisa não mudou. Sei só que uma coisinha restou desse tanto de histórias sob a lua cheia. O nascimento variado é a única maneira de apenas não se ir morrendo. Jogar com a morte é renascer também. Escutar este som é escrever de novo uma data de nascimento. Renascer espiritualmente, só pra ter que voltar nos arcos da Lapa, pois como nasci de novo, acho que nunca fui lá.

Bernardo G.B. Nogueira
Rio de Janeiro – verão – 2012 

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