segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Deixa

Deixa

Fazer escolhas é como pisar em flores,
daí que me deixe o sonho,
sem que haja dor e choro.
Pelo vento de partida e olhar em cores.

Deixe fotos e fatos para outro,
que flameje em meu seio intuições,
sem lágrimas de despedida, só canções,
sem histórias de ontem, só brilho e ouro.

A morte da poesia ao fim do dia,
os calafrios e a sobra da realidade,
saia antes do fim da melodia!

De um traço de loucura há minha doce fantasia,
você em meus olhos e a voz em surdina.
Deixa, deixa pois só vou ali fora, no mundo, minha estadia.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – manhã e estrada.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sem Herois

Sem Heróis

Scarcéus

Algo aconteceu foi de repente, forte, um soco, bruscamente
iminente consciência.
Algo se rompeu incontinente, o lacre, um elo da corrente
expulsando a inocência.

Como um sonho brutalmente interrompido.
Como se o corpo fosse feio e proibido.

E se abriu confuso e frio um mundo sem heróis
fez do ser humano um animal vil e feroz.
Sem saber pra onde ir não há nenhum lugar seguro agora.

Algo enfureceu o universo, a boca e o verso se fartaram
de tolices e injúrias.
Algo perturbou o ambiente, fez as coisas diferentes
e ninguém se reconhece mais.

Como se tudo não fizesse mais sentido.
Como se nada se mostrasse claro e definido.

Quem são os herois?

Advirto, de pronto, que não estou aqui para explicar a história da canção e muito menos tentar restaurar dos escombros o momento da criação e de inspiração de seus autores. Seria, desde já, tarefa inglória e impossível. A criação, parece-nos, é um momento em que confluem variegados sentidos, histórias, algo de razão e um turbilhão de sentimentos que uma sua identificação é tão possível quanto fotografar um pássaro em pleno voo. No sentido de que uma canção é também o desenvolvimento que ela possui quando se coloca em encontro com o ouvinte é que gostaríamos de partir.

Há um niilismo intrínseco nos dizeres da canção que já prenuncia um momento de ruptura em seus primeiros versos, “algo aconteceu foi de repente, forte, um soco, bruscamente (...) algo se rompeu incontinente, o lacre, um elo da corrente”, e por aqui é interessante perceber que há uma interlocução entre o momento histórico vivenciado pelos homens na contemporaneidade, ora, depois que Nietzsche matou deus e após as incessantes tentativas do homem de alcançar o tempo com suas mãos, nem sempre as mais singelas, nada restaria mais a crer, e a entrega do homem à sua sorte parece-nos algo inevitável.

A ruptura é tarefa comum à história do humano desde sempre. Assim, enquanto com os gregos antigos, as tragédias foram utilizadas para evidenciar uma ruptura com as preocupações cosmológicas para uma nova ocupação com uma polis nascente, o cristianismo vem dizer a boa nova e romper com o politeísmo reinante e, dessa forma, colocar o homem à mercê de um mundo bom em um além vida – paraíso – a contrario sensu do mundo pagão e maléfico na Terra. Na modernidade, vivenciamos um pensamento entregue à sanha racional que instaura o cogito no modus do homem entender-se a si mesmo. Daí em diante, a racionalidade cartesiana se irá converter em técnica científica dentro do pensamento contemporâneo, e a partir dos fins do século XIX, o pensamento humano ruma para uma descrença nas estruturas paradigmáticas que sempre sustentaram a sua própria existência.

Como a filosofia nietzschiana põe fim às metafísicas que tentavam dar conta da existência humana, e, “como um sonho brutalmente interrompido”, o homem toma as rédeas do novo mundo em que a técnica torna-se a própria metafísica e a relação entre estes mesmo homens se dá a partir dela, o que vem anular qualquer sentido, ora, é evidente que o pensamento capitalista, que hoje se transveste de um consumismo quase alucinógeno, acaba por anestesiar a sensibilidade humana e precisamos recorrer a mais técnica para que mantenhamos o sonho de que ainda somos humanos.

Não é difícil entender que “algo enfureceu o universo, a boca e o verso se fartaram de tolices e injúrias, que algo perturbou o ambiente, fez as coisas diferentes e ninguém se reconhece mais”, uma vez que inseridos em um orbe capital e consumeirista, as relações humanas não mais existem em verdade. Estar diante do outro, não é estar diante do outro – humano – é colocar-se diante daquele que tratado como meio poderá trazer alguma benesse, quase sempre a alimentar a gana consumista: seja do corpo, seja dos bens materiais, seja do espírito, seja da alma. Não vendemos a alma para o diabo como os antigos diriam. Em verdade, transformamo-nos nele mesmo quando furtamos uns dos outros a possibilidade de sermos crianças: “expulsando a inocência”.

O retrato dessa imersão em uma inércia de sua própria vida é facilmente manejado pelo mercado capital – desde as inocentes criações chinesas até as mais letais armas de destruição em massa. O sentido é fabricado a cada dia, a cada hora ou a cada segundo. Estamos sempre à beira da obsolescência, que já lembrada por Gessinger, é sempre programada. Estamos sempre à beira de uma depressão, à beira de mais um carnê de compras, à beira de uma solidão em meio à multidão, à beira de um precipício que na verdade nem existe, mas que as formas líquidas de relacionamento humano acabam por inventar. Estamos à beira de mais uma igreja, que amanhã será um bar, mas que por ora resolve o problema: seja de um vício, o fim de um romance ou mesmo por perder um emprego. Nesse tempo, também não podemos deixar passar o mercado dos remédios psiquiátricos, que também percebeu bem o momento de uma “histeria” generalizada e está pronto a receitar um sono mais tranquilo ou um dia sem melancolia ou tristeza. Não podemos mais ser tristes, ditam os deuses da auto ajuda. Nossa(!), são tantas as possibilidades de sermos herois: podemos também tornarmo-nos eterna e pateticamente jovens, haja vista as pessoas que insistem em lutar contra o tempo e não assumirem uma fase da vida em que deveriam partilhar com os jovens suas histórias e criarem juntos, mas não o fazem, estão preocupados com a próxima toxina botulínica que irão injetar no rosto. Heroi não envelhece, ora!

Que o mundo está “confuso” é algo evidente. Mas como o homem vive sem seus herois? Na verdade, não vive. É de nossa própria característica inata a possibilidade de prometer, de transcender e de criar, precisamos de um esteio, de um terceiro garante. Ele já foi deus, já foi o estado, mas e agora, “e agora José”? Bom, agora que a “festa acabou” e “se abriu um confuso e frio mundo sem herois”, cabe ao homem sua própria capacidade inventiva. Assim, penso em apenas algumas advertências para o cerne desta bela canção: Não é que o mundo de hoje esteja sem a benção de seus herois, parece-me que não. Parece-me que diante de um tempo cada vez mais fugaz, estamos preguiçosos e pouco reflexivos, talvez reflexo do cansaço que nosso status de consumidor causa.

Os herois estão aí, como sempre estiveram. O problema é que ficamos tão “espertos” e tão “competitivos”, que não conseguimos mais acreditar neles. A sensibilidade para aquilo que não é tangível economicamente tornou-se impossível. Não posso investir naquilo que não me trás retorno financeiro, e por aí vai a nossa torpe racionalidade atual. Contudo, assumir esse paradigma, é também aceitar que de alguma forma sua existência, em algum momento, será alvo desse tratamento funcional. Não podemos nos espantar se em alguma esquina estivermos a servir para alguma coisa, assim como podemos amanhã não servir mais. “Sem saber onde ir”.

A ruptura é sempre marca que acompanha a história do ser humano, isso é inevitável dada nossa essência criadora. O vazio parece instaurar-se por vários motivos além de alguns que aqui cuidamos. Mas falemos da grande questão dos heróis: Eles não podem ser criados por imagens, sons ou moldes fabricados pela mídia mentirosa e volátil, é fácil perceber o quanto isso é falacioso, pois a história destas criações se encerra com a criação de outra fantasia e assim por diante. Parece que a encruzilhada nos aponta dois caminhos: o do turista e o do peregrino. Aquele, tem sempre intenções finalistas de chegar mais rápido a um local: sem ser importunado, sem amassar a roupa, sem contratempos, sempre com o máximo de gozo e prazer. Ao peregrino, o local de chegada é apenas uma parte de sua jornada; jornada que é muito mais que um caminho. Trata-se do momento em que constitui sentido à sua existência: as paisagens, os contratempos, os descaminhos, os erros, a roupa suja, os sorrisos e as mágoas, são todos componentes desse peregrino, que não se furta às mazelas da existência humana, pois, elas também são parte daquilo que chamamos humano.

Podemos ilustrar essa ideia com uma lenda dos aborígenes australianos, que, nômades que eram, sempre que chegavam à porta de uma caverna, sentavam-se à espera de sua alma. Da alma de heroi que haviam se tornado a cada jornada vencida. Heroi que o turista não poderia se tornar, pois, ele não carrega bagagens, não sente o sol no rosto, não é tocado pela brisa da manhã e nem sonha com o outro lado da montanha, ele não as enxerga de dentro do avião. Está anestesiado pela hipótese de frear o tempo com mais uma dose de felicidade comprada em um consultório ou em uma boca de fumo.

Os herois de hoje, depois que perdemos a crença nas metafísicas, não precisam ser grandes, inacessíveis ou impiedosos. Não precisamos mais deles. Carecemos de herois com olhares, sentidos e sentimentos bastantes para perceber, que a cada gesto de amor, em verdade, temos um gesto heroico. Este sim, o único heroi do qual nunca nos devemos dispor em nossa jornada de peregrinos, mesmo que difícil, mesmo que distante, mesmo que sozinhos, pois, mirar o horizonte é permitido a todo ser humano, mas, construir esse horizonte e ser construído por ele a partir de uma visada de amor, é, sem dúvida, um ato de heroísmo.

“É só o amor, que conhece o que é verdade...”

Bernardo G.B. Nogueira - Conselheiro Lafaiete

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Dividir a lua

Dividir a lua

Mãos dadas a sorver o amanhecer,
porque sem partilhar não é amor,
porque sem entrega o olhar não há ardor,
pois em cada aurora é preciso alvorecer.

A boca amainada e deixo meu peito entreter,
toque aveludado qual um vinho demorado,
corpo entregue, traço lindo e enamorado,
vento torpe cheiro longe de mata a arder.

Sonhos vívidos com tons cor de lírio,
campos leves voz tocada em mi menor,
almas cadentes pingos de sol em desvario.

D’uma noite despedida ornada e bendita,
miradas intensas doação entrega e chegada,
partilha da lua, vida e madrugada amanhecida.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

sábado, 17 de dezembro de 2011

Poema ao rock'n rool

Poema ao rock'n rool

Acordes infinitos e sons do coração,
olhares perdidos, um sorriso, canção,
vida e morte em atrito, encenação,
do palco, guitarras, letras, pulsação.

Do meu peito sentido, vibração,
mãos se enlaçam em ovação,
amores perfeitos e desilusão,
ode de deuses, revolução.

Nesta noite esguia, uma paixão,
adeus do mundo, transcensão,
d'um beijo eterno, realização,
baixo e bateria, visão de mundo, libertação.

Bernardo G.B. Nogueira
canção...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Chuva infinita

Chuva infinita

Não é simples ouvir o mundo em versos,
em uma hora se cala e em outro, universo.
De um lado o campo, para sempre silvestre,
arroubos de sonhos e rimas agrestes.

Uma rua cheirosa e um olhar inerte,
lugares novos e palavras em cor,
romance em traços e estrofes doces,
um beijo lançado, ar, cheiro, agridoce.

Torpor entre os passos, visadas sem traços,
caminhada perene, gole, vinho, embaraço.
De tanto poema, barulho e cansaço,
descanso na chuva, imensa, meu infinito regaço.

Bernardo G.B. Nogueira

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Por entre, sentir...

Por entre, sentir...

Nascia um sentimento por entre as frestas da neblina,
a montanha recebeu a escuridão com a leveza de uma mãe,
tomou nos braços seus sentimentos e se embeveceu sem visão,
esguios destinos deambularam sob um céu não visto.

Uma montanha sem som que distanciava os sentidos,
fugiam do peito, ferozes feito lava.
Rufos de tambor e uma queda alucinada,
descompasso de sons se esbatiam ante uma rocha invisível.

Soprava um vento de assobios indistintos,
respingos de uma chuva que foi canção,
rajadas de olhares e uma visão míope,
ao longe sentiu-se o cheiro das palavras repetidas.

Um rasgo no coração deixou espiar a noite,
fugidio, o sentimento esgueirou-se por entre meus eus.
Calafrios diziam d’uma batalha: frio e fogo.
Senti minh’alma se ir, depois de vivo, não há mais fuga, nem morte.

Sentimentos...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – noite e chuva.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Pode até não ser, mas...

Pode até não ser, mas...

talvez seja bom não estar aqui,
um infortúnio de sonhos sem fim,
cadências distintas sob um céu cada minuto mais vistoso,
dentro de uma cidade, num olhar, outra distinta...

realidade.
O tempo entremeia ideias reais,
saudade da noite durante o dia,
amor pelo dia quando se ia a noite.

Uma badalada dos sinos e as ruas pareciam sem fim,
caminhadas por entre meu amor,
cada esquina uma antiga paixão que nascia de novo,
encontros eternos com diálogos suspirantes.

Os beijos foram transporte para uma sinfonia radiante,
insatisfeitos, sempre buscavam lábios mais profundos,
enlouquecida, a saudade de novo clamava
pela fresta daquelas vidas, encontro e romance.

Descobrir, caminhar e criar.
Não haveria mesmo nada de passado,
o vinho do dia acariciava meu presente,
em cada página já escrita, um novo rabisco.

Nem sempre com as palavras temos o tempo,
suas fugas revelam o oculto da madrugada,
cada olhar é uma criação,
é assim também com o amor, novo e velho em um instante.

As chuvas são ótimas para tudo isso,
têm pingos que são férteis,
pingos para almas quentes que enfrentam os leões,
de dentro do peito saem as mais lindas ideias.

A pintura e a arte de outro dia são sempre o suficiente,
o cheiro das vidas que não vivenciamos de perto,
tomam o olfato das almas sensíveis que levitam pelo presente,
o passado é o amor que não podemos mais viver

...a menos que todo dia seja uma meia noite.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – 03:32...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Com amor e simplicidade

Com amor e simplicidade

Por entre um beijo cheiroso no início do dia,
uma fresta de luz nos olhos ternos,
perdidas, as peles entrechocam-se,
um vento harmonioso toma os sentidos e parece que já é manhã.

Do proveito deste encontro ressoam vozes dentro do coração,
por entre distâncias imaginárias os sons dialogam.
As fontes de onde saem os cheiros são as mesmas,
também iguais são os destinos que se criam nessa incerteza.

Barulhos de passos ressoam entre partida e chegada,
formas de sorrisos povoam os lábios enamorados,
em um momento a face, de outro, escarlate,
quando pensei estares distante, escrevi cartas para viajantes.

Desdisse o refrão e a rima foi esquecida,
p’ra um mar ainda não descoberto deixei minhas lágrimas,
descobri entre elas uma nova sinfonia,
silenciei, para, devagar, me embalar em sua harmonia.

De um amanhecer sem pretensão,
um mar imenso e cheio de emoções,
das ondas novas de meus rabiscos:
Escrevo-te um poema, um poema, uma declaração.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Estrada...

Estrada

Agora deve ser a hora de chorar,
há uma imensidão de mim que já se foi,
na estrada com poeira baixa em que desdemos as mãos,
nem havia um pingo de chuva para amainar o sol que tornava o horizonte cego.

Soslaios de olhar,
restos de pegadas,
sussurros de vozes,
o som era o vento.

Quanto tempo coube dentro daquele caminho,
há um nascimento a cada desencontro,
os olhares se tocam como o pincel na tela que cria,
as cores são tintas a esculpir o entardecer, daqui a pouco já é noite.

Folhas amassadas,
frio e madrugada,
abraço forte,
almas irmãs.

Todo aquele distanciar agora possuía uma direção.
O deserto que tinha minha casa foi devastado,
recebi aquele infinito como a visita de um anjo.
Mas fui de leve, passos se tornaram asas.

Voei como uma boca que nunca foi beijada,
tanto amor que nem poderia escrever,
desejo de encontro e medo da chegada,
chorar com o coração é sempre prova de amor.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

domingo, 27 de novembro de 2011

Nada é simples

Nada é simples

Por entre chuvas e miradas de sol,
passagens por mares e campos de flor,
solidão e amor silente por entre frestas de lábios,
tristezas constantes e admiração sob meus olhos em dor.

Cenas distantes de um balé etéreo.
Um vacilo de pernas e um novo céu se abre,
desatam-se os nós e a calmaria se deixa ver através da pele inerte,
nenhum suspiro mais se ouve e todo o sentimento resplandece cálido.

Desenganos que nascem com o diálogo,
feitos memoráveis e desditas que se desenrolam.
Acenares de mãos em silêncio às vidas que se recompõem,
momentos vãos e uma alegria juvenil.

Depois da morte consumada.
Sons novos, ações belas e uma toada.
Depois da morte e não mais resta nada,
esculpir a vida, chuva leve e alma lavada.

Nada é simples, nem o balé,
nem a morte, nem a vida, o amor...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ora...

Ora..

ora melodia, ora entonação,
ora milagre, ora perdão,
ora carícia, ora desvio,
ora caminho, ora bravio,

ora poema, ora o chão,
ora sublime, ora canção,
ora outono, ora secura,
ora primavera, ora brandura,

ora agressão, ora perdido,
ora um grito, ora ouvido,
ora paisagem, ora desilusão,
ora gozo, ora prostração,

ora luar, ora escuridão,
ora cantiga, ora turbilhão,
ora beijo, ora adeus,
ora olhar, ora os seus,

ora aqui, ora conformação,
ora de longe, ora negação,
ora desejo, ora sensação,
ora latitude, ora regressão,

ora palavras, ora silêncio,
ora terra, ora mar imenso,
ora calmaria, ora pensamento,
ora fantasia, ora acalento,

ora lembrança, ora esquecimento,
ora o ar, ora o mar,
ora saudade, ora saudade,
ora amar, ora amar...

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito - sol, chuva e arco-íris no céu.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Uma vida, entonação

Uma vida, entonação!
(a Dali e García Lorca)

Sob aquelas plantas de algodão adormeci,
meu espírito, de tanto lutar, arrefeceu de ódio e amor,
deitado com olhos abertos e riso sem cor,
um suspiro afogado em mares de inspiração.

A morte do poeta é sua própria criação,
depois, são alguns versos entoados por uma boca sem feição,
dores imensas entretidas em braços soltos,
balé em águas e cheiros um do outro.

Revoluções, partidas, esconderijos e entornos,
encontros sorrateiros e peitos alucinados,
um sol de primavera, um vinho demorado,
sentinelas de estrelas, uma vigília eterna.

Naquela pintura, uma mistura, seu gosto.
Silêncio, lágrimas, desespero sem retorno.
Uma porta se fecha e uma visada sem amor,
despedida, paz do poeta. Amor, desdita e solidão.

Vida!

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – boa madrugada.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Quando saí pela cidade de mim...

Quando saí pela cidade de mim...

Precisei ir um pouco ali fora,
ali adiante, decerto trocar apenas alguns passos não distantes,
ouvir um marulho de pingos, e vozes, e risos,
colher alguns olhares por detrás de silhuetas malvestidas, invertidas.

Tem um sentido todo diferente por ali afora,
ali aonde colho algumas rosas, duas ou três, mais não.
As mãos não sustentam muito tempo mais do que podem,
fingir não dá mais, ali fora as cores das rosas não são frígidas, nítidas.

Os passos são jogados contra o vento que diz coisas estranhas,
um passo mais e outro, e tantos outros, diferentes e imprecisos,
cambaleantes, sucedem uma digestão de pensamentos,
trocadilhos mal feitos de uma avenida sem limite, ouvinte.

Afora minha pretensiosa distinção das noites,
há um desenho complexo por entre estas vidas entrelaçadas e embaçadas.
Sentimentos, luzes, fumaças, uivos de ventos e algumas vozes, até placas.
Formas distintas, variações de uma mesma percepção, emoção.

Truques desvairados ostentam essa visão,
dão-se ao corpo, e sem direção, se entregam,
as flores que tiveram um cheiro agora são tapetes,
almas de poetas, embriaguez pela cidade, amores, vida e sensação, desrazão.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – chuva.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

É melhor ficar aqui...

É melhor ficar aqui...

Durante um dia inteiro eu fiquei por aqui mesmo,
me deixei a escutar uma canção e colher um raio ou outro de sol,
sentado à beira de mim mesmo sem companhia,
recostado na pedra do tempo que não é imóvel.

Cheiros insistentes e palavras de pessoas, ruídos.
Como tem barulhos durante os dias!
Senti inveja da noite silenciosa, por que não passei uma noite aqui?
Era dia e não poderia evitar os esguios olhares das pessoas sem sinceridade.

Como são bonitas as folhas quando caem da árvore,
se vão despedindo dos galhos enquanto rolam sob o sopro do vento sul.
As folhas deixam nus os galhos parados das árvores que nos contam o tempo,
delas queremos os frutos e as flores, não as marcas da história.

Quando os sentidos se deixam tocar pelo espírito é assim mesmo que acontece,
o diálogo fica amainado e as coisas ditas grandes ficam chatas.
Importa ver o passarinho a cantar para sua pretendida,
o melhor acorde é aquele tocado pela brisa, a melhor pedida, a rosa que desabrocha.

Não tem um jeito e também não tem uma medida,
a cor não é dita e tampouco a temperatura revelada,
pode até ser uma cabana solitária em meio da mata,
mas pode ser só uma pele, um beijo, um amor ou uma serenata.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – de tarde.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Palhaço...




Palhaço


Nossa! Isso aqui a esta hora sempre está vazio!

A exclamação daquela mulher, em uma manhã acinzentada que contrastava com o espírito de Gaia, a trouxera de volta para sentidos reais envoltos a um cheiro de fumaça de carro misturada com um ar parado da mesma manhã que não tinha cara de primavera - Gaia foi um apelido dado por um tio que sabia-se metido a filósofo e que gostava de alcunhar as pessoas com os elementos do globo.

Essa mesma exclamação criaria espaço para que um sem fim de lugares se apresentassem aos olhos dessa mulher que tinha pela frente apenas uma manhã, as próximas horas não estavam sob as suas previsões. O clima e os cheiros da manhã seriam os únicos guias para Gaia.

Seguiu um caminho não traçado. Seus passos foram se desenhando e a ela caberia apenas ir, não havia como alterar a rota de uma traçado desconhecido. A manhã ainda permitia os óculos escuros. Quase um escudo. Antes de sair do carro, ainda havia olhado pelo vidro a tentar desafortunadamente alcançar o tom da mulher dona da exclamação avivadora. No entanto, a moça nem sequer titubeou, altiva, entrou no carro e se perdeu por entre os vidros negros. Restou a Gaia, apenas o timbre dos olhos cor de amêndoa e vivos como os de um recém-nascido.

Mais um passo, e agora já estava dentro do shopping. O cenário deste local é menos aterrorizante nos dias "de semana" pela manhã.

Lembrou-se de tirar os óculos alguns minutos depois das indagações que recebia entre os olhares dos demais transeuntes. Riu de si mesma. Lembrou do tio que sabia-se filósofo e riu das pessoas ao seu redor.

Como não havia programado sua ida, fez coisas que habitualmente faria. Comeu um sanduíche que nas propagandas se apresentava um tanto mais apetitoso. Tomou também um copo inteiro de Coca-Cola. Levantou-se da sempre tumultuada praça de alimentação e lançou-se ao encontro das pessoas. Tinha lá uma tese de que dentro dos shoppings e dentro da alienação capitalista as pessoas viviam como sonâmbulos, não sabiam que estavam ali, e entorpecidas precisavam de um espetáculo qualquer para retomarem a "consciência". Precisavam comprar.

Percebeu que ainda estava absorta pela exclamação da enigmática mulher de olhos amendoados que encontrou na entrada do shopping. Não era o sanduíche que estava sem gosto. A realidade em que se havia dado é que não permitia sentir seu gosto. Talvez um filme soubesse bem àquele momento. Sim, seria.

Caminhou lentamente até a bilheteria, sacou o cartão, pagou e se entregou. O momento em que a atendente falava sobre as opções de filmes foi saltado por Gaia, apenas disse que seria o filme da próxima sessão. Só depois percebeu qual seria o filme a ser exibido: "Palhaço". O nome com toda carga mágica que carrega consigo trouxe em Gaia uma explosão de sentimentos nostálgicos de sua infância. A canção que apresentava o filme fez com que seus olhos fechassem e sua alma levitasse até uma infância que não viveu. De soslaio conseguiu perceber que o diretor já era conhecido por ela, daí, inocente se deu ao filme.

De dentro da sala de cinema não havia tanto o que dizer, uma arte sendo encenada dentro de outra arte foi uma sensação que Gaia apenas havia experimentado enquanto ouvia as teorias de seu tio metido a filósofo e artista. Sensações daquelas em que o espírito parece querer pular para fora do corpo em pura magia. Palavras não seriam o bastante para essa expressão.

Assim, como acontecera num romance de Garcia Marquéz, em que, o local, de tão inóspito, não trazia ainda conceitos para explicar as coisas, carecia, portanto, que as pessoas apontassem o dedo para indicar as coisas - ações típicas de criança. Foram assim os momentos dentro da sala de cinema que há muito já se havia transformado em uma imensa lona de circo.

A criança que saltitava dentro do coração de Gaia tinha sonhos tão distantes que por vezes seus olhos marejavam - ora de cansaço pela viagem que nunca chegava, ora de saudade de uma infância distante que ela não havia presenciado, pura emoção. Mais uma vez uma sensação infantil. Toda esta sentimentalidade foi para Gaia também uma surpresa, como aquelas que temos quando ganhamos uma bicicleta no Natal.

Resolveu, lá pelas tantas, também "ser de circo". Mas não foi um gesto de escolha tão somente. Havia um amor e uma incerteza a flamejar em seus olhos de mulher que agora era criança. Essa incerteza tinha o gosto salgado das lágrimas que tomavam seu rosto diante do circo.

Quando foi "de circo", riu do palhaço e sonhou ao ver o malabarista. Amou o poeta e se entristeceu a cada baixar de lonas. Cerrou os olhos e depois já era outra paragem, outra cidade, risos outros, olhares e lágrimas também. Viu o palhaço triste a se perguntar quem o faria sorrir. Viu amores nascendo sob a lona criadora de sonhos. O circo era pura magia.

Ao sair da sala de circo, resolveu perguntar à mulher de olhos de amêndoa qual o sentido e o problema de estar ali sempre vazio em manhãs escuras de um dia de semana. Gaia, por certo, não iria encontrar mais essa moça. Ela já estaria entretida no espetáculo do mundo.

Da porta do shopping, agora via pingos de chuva, não poderia mais colocar os óculos escuros. Mas, não havia mais essa preocupação, nem com os óculos e nem com a mulher do carro com vidros negros. O circo tinha que continuar. Agora, Gaia tinha uma amiga, Aurora. Tinha esse nome, pois foi ela quem trouxe o novo, a que foi criança todos os dias, a que permitiu Gaia preencher a manhã, vazia. Aquela que iniciou seu dia. Aquela inocente que acredita em palhaço!

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito - de manhã.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A escrita e o limite

A escrita e o limite

Não escrevo para aqueles sem voz,
para os que se dispuseram de todo grito.
Não escrevo para os que silenciam,
não escrevo para os que temem seu algoz.

Não escrevo para quem se distrai,
para os que se esquivam da onda.
Não escrevo para os que baixam os olhos,
não escrevo para aquele que não vai.

Não escrevo para os que vão só ao meio,
para os que não se perdem noutro enleio.
Não escrevo para os que não se afogam,
não escrevo para a superfície que não é inteiro.

Não escrevo para os que creem,
para os que insistem na verdade.
Não escrevo para os que não se embriagam,
não escrevo para o alcance e a vaidade.

Não escrevo para quem promete, se compromete,
para os que vivem e não esquecem.
Não escrevo para os que se eximem,
não escrevo para os que reprimem.

Não escrevo para aqueles que não têm sangue,
para os que não miram o horizonte.
Não escrevo para o que é constante,
não escrevo para quem diz ser distante.

Não escrevo apenas para dizer palavras,
para contar e maldizer vontades.
Não escrevo para frear sentidos,
não escrevo para criar desígnios.

Não escrevo, porque não tem princípios,
para contar estórias, que têm meio e início.
Não escrevo com domínio,
não escrevo, ao invés das palavras, o acaso, amor e destino.

Conselheiro Lafaiete – frio e noite
Bernardo G.B. Nogueira