segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Daqui e de lá


Daqui e de lá

Sob o olhar atento de um peito aventureiro. Restou caído um dizer de solidão. Somadas todas as presenças ausentes de que não se conseguiu desvencilhar. Estaria ali uma pintura que fora soma de todos os passados, ou seria, na verdade, um mero rabisco de uma memória impossível, mas mesmo que sabidamente impossível, insistente em se apresentar? Eram indagações, que se de um lado cheiravam filosofia, de outro, assombravam o estreito presente que se estava a construir. Paisagens de uma imagem construída. Imaginação.
Tocar no solo talvez ajudasse a entender a medida do etéreo e do real. Solo envolvido por outras imaginações - de outras pessoas. Outros tempos e outras canções. Não haveria enfim um acorde puro. A pura imaginação é devaneio. Espírito sem carne não deixa andar. Flutuar é uma tarefa que requer apuro. Puro ar e pura intuição. A este tempo já não caberia mais reflexão. Se de alguma forma se quis ver, só a vista posta não garantiria a precisão. O corpo que reclama não deixa livre o coração. Se a vista o mar alcança, é porque longe se vai o desejo.

O invento não se faz com certeza conseguida. Da mistura que é a verdade. Porque entre viandantes é que se permitiu a criação. De dentro do um, que encontra o olhar do outro, brota o novo que é dos dois, mas que não é de ninguém não. É só marca de história. Memórias que se juntam pra coser outra canção. Ver isso é entender que o entendimento só se dá “entre’’. E agora vou escrever um parágrafo inteiro sobre as coisas que penso fazer entender.
Entre o tempo que vive e o tempo que se conta. Entre a valsa que dançamos e aquela que sentimos. Entre os olhos que miramos e aqueles que mentimos. Entre a farsa que se vive e a verdade que se fala. Entre a menina que existe e o rapaz que se sonha. Entre a avó que é sublime e a jovem impostora. Entre a mulher que se exibe e aquela que é magia. Entre a letra que se grafa e aqueloutra que apenas sonha. Entre um passado que se mede e um presente que poesia. Entre a certeza que é verdade e a criação que é vida. Entre a carta que é escrita e o choro que sente saudade. Entre lá fora que faz frio e aqui dentro que tudo queima. Entre o infinito da planície e a incerteza da montanha. Entre a consciência da tragédia e a fraude da razão. Entre a métrica do poema e a insensatez da realidade.

E por serem tantos os caminhos e de tantas cores é que a ventura da estrada faz-se plena. Oscilar como átomos. A incerteza da física nos indica quão fértil é este passeio. É só ver como passeia a bailarina. Sempre indo e vindo. Entre saltos que parecem plumas a pairar. Corpo em movimento. Movimento de todas as partículas quando baila. Desde um oriente inventado até um ocidente cansado. A bailarina é um bom arquétipo de que a imaginação que se tem é a verdade que se pode ter. Nada mais e nada menos. Só invenção. Aparição inaudita. Só a bailarina que tem. Estrela e atriz. Bailarina.

Da imaginação e da realidade o que se tem é a réstia entre o dito e o vem a ser. É sempre nesta tensão que podemos estar. Salvo se de alguma forma nos assemelhemos à bailarina. Pois ela pode tudo. Até não ser bailarina. Restariam choros a solicitar que retorne. Que dance. Que voe. Que flutue e faça flutuar. Que destrua a gravidade e também a falsidade. Que borre a maquiagem de quem assiste. A dela não. Porque nela não há tensão. Isso só pra dizer que pra saber do peito aventureiro, do presente, do passado, da filosofia ou da invenção, talvez se deva esquecer de todo conceito, da coisas certas, da rima pronta e da exatidão, da história que se conta e do relógio que mata. Errar feito a bailarina que faz da vida arte. Que encerra em um passo e um flerte toda a ode de amor, de ódio e de humano.

Todos passaram, ‘o passarinho’ não. Isso só porque ele avoa como a bailarina, porque enquanto quedamos aqui cheios de explicação, com dois mundos, um de verdade e outro que é invenção. Nada de atrito para a bailarina que em seu voo é sublime, esquece que é palco e se apresenta na vida, esquece que é vida e inventa no palco. E quedamos lançados nesta dúvida que parece rio turvo depois da inundação. Menos a bailarina, que passa sem ao menos ver ‘seu vigia catando a poesia que entorna no chão’.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – verão e bailarina.

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