Andança
Cheiro de mato. De todo aquele
dia que foi quase noite restou o cheiro do mato. Havia uma figueira centenária,
uma estrada com buracos e poeira. Pedaços da história do que virá. Como havia
também pedaços da madeira que um dia já foi árvore, foi casa e é nada agora. A
poeira encobria o caminho que era construído, a paisagem se confundia comigo.
Meus olhos eram a natureza e a natureza era eu mesmo. Todos os pássaros que
voavam sorriam para mim e informavam o rumo a ser encontrado.
Por cada vez que toquei aquele
chão senti que uma nova vida brotava. Assim como em todas as partes daquele
local a vida sussurrava aos nossos olhos. Dizia de uma canção que guiava nossos
corpos para cima daquelas montanhas recheadas de sonhos. Recheio bom igual ao
cheiro que partia do fogão movido a lenha. Fogão que também tinha uma história
que se escrevia a cada estampido das lenhas queimadas. A lenha movia o fogo que
esquentava a prosa e que trazia o café pronto.
Um menino cruzou nosso caminho
com olhar que também tinha cor de mato. Ele riu, atravessou a estrada e se
perdeu no mato que tinha a cor dos seus olhos. Acompanhava ele uma serenata de
cigarras e sons de uma água que escorria pelo caminho que não sei se começava
ou se acabava ali. Cruzamos o rio e deixamos o menino. Levamos seu riso e seu
olhar. O mato ficou pra trás.
Ao subir a serra ficamos mais
perto do sol e o quentume dele era igualzinho ao quentume que sentimos quando a
avó abraça a gente. Abraço que também íamos dando na montanha ao subi-la. É uma
maneira interessante de pensar os caminhos em volta das montanhas sentindo que a
estamos abraçando. A relação fica mais gostosa, a viagem resta esquecida e
depois é só amor com a montanha. Engraçado, por certo, ficar apaixonado por uma
montanha, mas pior deve ser não amar nada nem ninguém. Fiquei apaixonado com
aquela serra mesmo. Confesso.
Falando em amor, há também outra
implicação nisso tudo. Eu não amei só a serra. Confesso. Assim que topei com o
menino, eu acabei por me distrair e um regato que corria do outro lado da cerca
me deixou apaixonado. Alimentava tudo ao seu redor e levava em seu corpo um
pedaço novo de si mesmo. Não há como não se apaixonar por aquilo que cria em
nosso coração um sentimento de leveza. Interrompi a caminhada e me entreguei
àquele espelho d’água. Ficamos ali durante alguns minutos. O rio lindamente
indiferente. Eu perdidamente apaixonado. Voltar ao caminho depois daquela
relação de amor ficou mais real. Não trai a serra com o rio. Mesmo porque não
me entendia cindido dele, nem dela.
Depois que a serra ficou pra trás
o cheiro do café ficou mais intenso, e a chaminé que levava a fumaça branca
embora, dizia que era hora de chegar. Chegar porque aqui ninguém avisa a hora.
Porque não tem telefone. Menos ainda smartphone.
Apeamos ao fim da tarde. O café estava à mesa. Tinham umas rosquinhas que o
leite da vaca que estava ao meio da estrada havia fornecido. O riso do menino
estava agora explicado. Ele sempre se servia ali naquela mesa. O rio ainda
brandia lá fora dando continuidade ao seu curso infinito. Meus olhos se
perderam adentro das palavras baixas que ebuliam de dentro da história da
serra, do rio e da janela por onde todos os sonhos entravam em meus olhos.
Janela que recebeu os raios do sol, as gotas do orvalho, a fumaça do fogão, e
que recebia agora todo o cheiro que me criou, cheiro de vida, cheiro de mato.
Bernardo G.B. Nogueira
Inverno – Conselheiro Pena
Canção para ler o texto:
http://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg
Canção para ler o texto:
http://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg
Muito lindo...MENINO!
ResponderExcluirEntendo-te em cada letra...
Simples e tocante...
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