Variações de amor
Sentir será o verbo a nos guiar enquanto
mirarmos o musical “Os Miseráveis”, que a partir do clássico homônimo de Vitor
Hugo, conta-nos uma história sobre o amor. O diretor Tom Hooper, auxiliado por
um elenco que traduz bem a sentimentalidade das questões que enredam a trama,
acaba por brindar o expectador com doses colossais de poesia, revolução e amor.
Nada mais e nada menos louvável para compor no cinema a obra ilustre de Vitor
Hugo.
Os ingredientes da narrativa seriam já o
bastante para uma reflexão profunda acerca do momento histórico francês.
Contudo, o que nos lança pra dentro da trama supera as questões ideológicas,
históricas e até mesmo filosóficas. “Os Miseráveis”, para além de evidenciar a
necessidade da resistência, do ideal e dos sonhos, faz reluzir na face das
personagens uma luta ainda mais humana – a luta pelo amor.
O gesto seminal deste embate é o
momento em que o bandido Jean Valjean (Hugh Jackman) recebe a graça/amor do
representante do clero. Essa cena é crucial para toda a história. Assim, o
padre, ao libertar o bandido das amarras do crime que cometera ao furtar a
igreja, acaba por revolucionar internamente o suposto ladrão. Assim, a liberdade,
bastião da Revolução Francesa, é catapulteada de dentro do bandido, que deixa
pra trás uma veste de ódio, e agora, livre de sua mácula, percorre as veredas
do amor.
O início da saga do bandido inicia-se
quando encontra uma mãe que tem sua filha em perigo. O socorro à criança é o
gesto que faz brotar uma relação paterna com a mesma e que é o fio condutor da
trama. Assim, quando Jean Valjean resolve viver pela criança, realiza os
dizeres de Lévinas, “enxergar-se no rosto do outro”. Nada mais adequado ao
filme que retrata a condição “miserável” do povo francês. O amor que vem
simbolizado neste gesto é o que sustenta a existência do bandido que luta
contra sua identidade passada, tendo na sua filha, a razão sentimental para
livrar-se de um passado indigno.
A perseguição que Jean Valjean recebe
do inspetor Javert (Russell Crowel), contrasta a dicotomia
justiça x amor. No entanto, quando Jean Valjean tem a chance de acabar com a
vida de Javert, aquele não atua fundado em uma possível justiça ou revide por
conta da perseguição, ao contrário, dá a outra face, perdoa, ama! Neste
sentido, quando o bandido não mata o inspetor e o liberta, faz com que a mesma
catapulta que o salvou no início do filme, também liberte o inspetor. No
entanto, a liberdade de Javert vem de maneira existencial e, diríamos,
inspirada em Albert Camus, ou seja, ele se mata. A identidade justiceira cede
ao calor do amor que ressoava dentro daquele coração de pedra.
A saga do bandido que ama simboliza bem
o momento vivido pelo povo francês que vivia pelo sonho da liberdade. O
inspetor morre pela liberdade a que o bandido lhe impusera. A mãe de Amanda
Seyfried (Cossete), Anne Hathaway (Fantine), morre por amor
à filha e faz nascer uma existência real de Jean Valjean que se torna seu pai e
tem na filha o sentido de sua vida. Os revolucionários morrem por acreditarem
no sonho de liberdade, impelidos pelo amor.
Nesta estória, o amor concebe o novo: a
revolução! Um inspetor que morre por um bandido. Um bandido que morre pela
vida. A revolução derramou sangue, vinho, poesia e sonhos, mas fez nascer,
também revolucionariamente, aquilo que deixa-nos cegos de tanta lucidez, de tanta
luz, pois, “amar outra pessoa é ver a face de deus”, pois, “é só o amor que
conhece o que é verdade...”
Texto publicado originalmente publicado na coluna "Cinema com Filosofia", na edição 1152/2013, 02/03/2013, do Jornal Correio da Cidade
Texto publicado originalmente publicado na coluna "Cinema com Filosofia", na edição 1152/2013, 02/03/2013, do Jornal Correio da Cidade
Bernardo G.B. Nogueira
BH – verão – 2013.
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