Quem
inventou a hora certa?
Qual
seria a ligação de Julian Assange do WikiLeaks, a blogueira cubana Yoani
Sanchéz e o filme “A hora mais escura”
(Zero Dark Thirty) da diretora de “Guerra contra o terror”, Kathryn Bigelow? Bom, além de dizer algo
sobre esta película, tentaremos com essa prosa deslindar algumas das relações,
por vezes paradoxais, que encontramos entre estas personagens da
contemporaneidade.
Em
“A hora mais escura” encontramos um
enredo que narra a “caçada” empreendida pelos norte-americanos para destruir o
“terrorista” Bin Laden. A atriz Jessica Chastain, interpreta Maya, a agente que chefia a
“caçada”. Com ela podemos iniciar as possíveis relações com as demais personagens
que acima anunciamos. Sua participação, em um primeiro momento, mostra certo
mal-estar em face das “táticas” utilizadas pelos norte-americanos para
encontrar indícios de Bin Laden. No entanto, no decorrer do filme, aparentando
afirmar a tese da “banalidade do mal” de Hannah Arendt, a personagem deixa de
lado qualquer escrúpulo e torna-se a chefe das operações que levam à morte do
líder da Al-Qaeda.
O
filme mostra um pouco das torturas e ofensas a toda ordem de direitos humanos
que os norte-americanos propugnam mundo afora, mas que sempre restaram
justificadas pelo que chamaram “guerra ao terror”, preconizada por Bush. Assim,
desde a invasão de territórios soberanos, até espionagens de toda ordem, o
filme é mais uma produção ideológica que quer afirmar uma pseudo-hegemonia
daquele país. A palavra ideologia é que alinhava Assange, Sanchéz e o filme em
questão. Ideologia entendida em seu sentido negativo, de encobrimento, de
construção de um imaginário fictício que obnubila, que esconde.
Assange,
editor chefe do WikiLeaks, que há um tempo vem denunciando por meio da
publicação de arquivos “sigilosos”, ações que vão desde torturas até
investigações fraudulentas e jogos ilícitos de poder protagonizados por
potências como os EUA, hoje vive como asilado político na embaixada do Equador
na Inglaterra. Sob denúncias, as mais variadas, foi nomeado pelo governo
norte-americano como “terrorista high-
tech”, e contra sua empresa são
realizados inúmeros boicotes de toda ordem.
De
outro lado, vemos a blogueira cubana Yoani Sanchéz, que se dedica no blog: http://www.desdecuba.com/generaciony/,
a denunciar a ditadura cubana. Denúncias que querem mostrar um país em que há
total ausência de direitos humanos, e que a pluralidade do pensamento é controlada
rigidamente pelo governo autoritário que comanda a ilha desde a revolução.
Os
quadros estão postos à mesa. E minha reflexão recai sobre algumas questões que restam
sem resposta. No filme vimos claramente o artifício ideológico “nós versus eles” em sua plenitude, pois, uma
vez que os norte-americanos criam quem são os “terroristas”, contra eles tudo,
inclusive, não percebê-los com seres humanos. Esse ideário, antigo móbil de
apropriação cultural, fica claro no filme, e quando voltamos os olhares para
Assange e Sánchez a questão resta controversa:
A
blogueira vive em uma ditadura que proíbe e “caça” aqueles que se levantam
contra o regime. Uma rápida passada de olhos por seu blog mostra que ele não
tem outra função senão ir contra o regime em Cuba. De outro lado, os
norte-americanos, sob a justificativa de levar o sonho da democracia, invadem
soberanias e matam pra levar a paz. Assange é oriundo de um país democrático,
mas como fora também colocado dentre aqueles que se encaixam no conceito de “terrorista”,
esta preso por também usar a liberdade de expressão. Portanto, em que medida a
democracia garante os direitos humanos? E quanto de ditadura os reprime? Será
que esta tríade: Assange, Sanchéz e “A
hora mais escura”, esta a nos mostrar uma crise da democracia? Dos direitos
humanos? Ou Sheakspeare serviria a este momento: “Existem mais coisas entre o
céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”
B.
(Texto originalmente publicado na coluna "Cinema com Filosofia" do Caderno de Cultura da edição 1153/2013 do Jornal Correio da Cidade.)
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