quarta-feira, 13 de março de 2013

Quem inventou a hora certa?




Quem inventou a hora certa?

103957_000_m 

Qual seria a ligação de Julian Assange do WikiLeaks, a blogueira cubana Yoani Sanchéz e o filme “A hora mais escura” (Zero Dark Thirty) da diretora de “Guerra contra o terror”, Kathryn Bigelow? Bom, além de dizer algo sobre esta película, tentaremos com essa prosa deslindar algumas das relações, por vezes paradoxais, que encontramos entre estas personagens da contemporaneidade.

Em “A hora mais escura” encontramos um enredo que narra a “caçada” empreendida pelos norte-americanos para destruir o “terrorista” Bin Laden. A atriz Jessica Chastain, interpreta Maya, a agente que chefia a “caçada”. Com ela podemos iniciar as possíveis relações com as demais personagens que acima anunciamos. Sua participação, em um primeiro momento, mostra certo mal-estar em face das “táticas” utilizadas pelos norte-americanos para encontrar indícios de Bin Laden. No entanto, no decorrer do filme, aparentando afirmar a tese da “banalidade do mal” de Hannah Arendt, a personagem deixa de lado qualquer escrúpulo e torna-se a chefe das operações que levam à morte do líder da Al-Qaeda.

O filme mostra um pouco das torturas e ofensas a toda ordem de direitos humanos que os norte-americanos propugnam mundo afora, mas que sempre restaram justificadas pelo que chamaram “guerra ao terror”, preconizada por Bush. Assim, desde a invasão de territórios soberanos, até espionagens de toda ordem, o filme é mais uma produção ideológica que quer afirmar uma pseudo-hegemonia daquele país. A palavra ideologia é que alinhava Assange, Sanchéz e o filme em questão. Ideologia entendida em seu sentido negativo, de encobrimento, de construção de um imaginário fictício que obnubila, que esconde.

Assange, editor chefe do WikiLeaks, que há um tempo vem denunciando por meio da publicação de arquivos “sigilosos”, ações que vão desde torturas até investigações fraudulentas e jogos ilícitos de poder protagonizados por potências como os EUA, hoje vive como asilado político na embaixada do Equador na Inglaterra. Sob denúncias, as mais variadas, foi nomeado pelo governo norte-americano como “terrorista high- tech”, e  contra sua empresa são realizados inúmeros boicotes de toda ordem.

De outro lado, vemos a blogueira cubana Yoani Sanchéz, que se dedica no blog: http://www.desdecuba.com/generaciony/, a denunciar a ditadura cubana. Denúncias que querem mostrar um país em que há total ausência de direitos humanos, e que a pluralidade do pensamento é controlada rigidamente pelo governo autoritário que comanda a ilha desde a revolução.

Os quadros estão postos à mesa. E minha reflexão recai sobre algumas questões que restam sem resposta. No filme vimos claramente o artifício ideológico “nós versus eles” em sua plenitude, pois, uma vez que os norte-americanos criam quem são os “terroristas”, contra eles tudo, inclusive, não percebê-los com seres humanos. Esse ideário, antigo móbil de apropriação cultural, fica claro no filme, e quando voltamos os olhares para Assange e Sánchez a questão resta controversa:

A blogueira vive em uma ditadura que proíbe e “caça” aqueles que se levantam contra o regime. Uma rápida passada de olhos por seu blog mostra que ele não tem outra função senão ir contra o regime em Cuba. De outro lado, os norte-americanos, sob a justificativa de levar o sonho da democracia, invadem soberanias e matam pra levar a paz. Assange é oriundo de um país democrático, mas como fora também colocado dentre aqueles que se encaixam no conceito de “terrorista”, esta preso por também usar a liberdade de expressão. Portanto, em que medida a democracia garante os direitos humanos? E quanto de ditadura os reprime? Será que esta tríade: Assange, Sanchéz e “A hora mais escura”, esta a nos mostrar uma crise da democracia? Dos direitos humanos? Ou Sheakspeare serviria a este momento: “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”

B.
(Texto originalmente publicado na coluna "Cinema com Filosofia" do Caderno de Cultura da edição 1153/2013 do Jornal Correio da Cidade.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário