Eu não vou me adaptar!
“Quem inventou o amor?
Me explica por favor”
Renato Russo
“Matamos quem amamos”, diria-nos Oscar Wilde. Mas qual a
dimensão desta fala? Seria na mesma direção de Sartre, que entende o amor ser
uma tentativa de aprisionamento do outro?
Seria então o amor esse sentimento que de maneira tirana nos toma e leva
consigo, sem dizer se traz de volta? Estamos a falar de um tema em crise na
contemporaneidade?
Algumas destas resposta poderíamos talvez encontrar no
filme “Amor”(Amour) de Michael
Haneke. Na película, dois idosos, Georges
(Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), vivem envoltos à uma aura
musical e cultural dentro de seu apartamento. O afeto mútuo resta evidente nas
notas musicais trocadas pelos dois. A harmonia da idade avançada, no entanto, é
balançada por um derrame sofrido por Anne. Esse episódio empresta um verniz de
realidade ao filme. Isso é diretamente partilhado com o expectador, que é conduzido
pra dentro do apartamento dos idosos em Paris. A partir daí, partilham suas
mazelas e belezas, tudo rodeado de um cheiro, que diríamos amor. Amor, em toda
sua tragidicidade, inevitabilidade e candura, mas também, em toda sua rudez,
nudez e sofrimento, quase negação.
Esse
paradoxo seria o que gostaríamos de refletir aqui. Em uma leitura primeira
podemos dizer que Georges, ao se abster de si e dedicar-se a Anne, estava a
realizar uma face bela do amor, que é a resignação de si pelo outro. Esta
seria, sem dúvida, uma face do amor. No entanto, algumas questões surgem com
essa percepção. Talvez essa seja a problemática que assola de realidade o
filme. Na contemporaneidade “líquida” que vivemos, as relações amorosas estão
afetadas pela questão do tempo, que de há muito não nos dá mais sinais de sua
existência. O espaço e o tempo foram acometidos por uma parafernália técnica a
nos guiar para um horizonte determinado ideologicamente. Isso, obviamente,
afetaria o que chamamos amor.
Assim,
viver um relacionamento em que há uma disposição para o outro. Disposição para
amar, é tarefa complicadíssima nestes tristes tempos. Pois quando perdemos a
dimensão do tempo, e quando a duração (no sentido dado pela psicanálise) é
palavra que não cabe mais no vocabulário, restamos como dito por Zygmunt Bauman, em relações líquidas.
A solidez de um sentimento se perde no ar, quando o outro não se encaixa na
moldura produzida mercadologicamente e considerada a que melhor se amolda a
nossas querências, de fato, carências. Como diria Cazuza em seu “Blues da piedade”: “pra quem não sabe
amar, fica esperando alguém que caiba nos seus sonhos”.
Parece
que o reclame do filme nos dá a dimensão do autismo que estamos a viver em
relação ao amor. Ao invés de um amor que liberta, que acresce, que degenera,
que faz sofrer, que aprisiona, que é paradoxo e que também faz gozar - queremos
encontrar na prateleira da vida, uma peça que não nos incomode na busca por
nossos próprios planos, também inventados por terceiros. Georges, em verdade,
não apenas mostra essa face outra do amor. A face da doação, que é bela e que
também é trágica, por isso humana. Quando se recusa a internar a esposa e cuida
dela até o fim, de alguma forma cumpre sua história, faz história e não se vale
daquelas prontas que as prateleiras vendem: amores perfeitos, par ideal, pessoa
certa, relacionamento sem brigas, ausência de vida.
Aquele
casal de idosos traz em sua face os rasgos da vida. Suas felicidades e
decepções. O amor não poderia também querer ser mais que isso. É um sentimento
que inventamos pra sonhar, igual à arte, que nos salva da realidade. O amor,
portanto, não cabe nos moldes do apolíneo, carece do inevitável. Carece de
vida. Carece de morrer pra viver de novo. Talvez por isso matamos quem amamos.
B.
Conselheiro
Lafaiete – verão – 2013.
Ah o amor... fazemos dele assim somente pelas expectativas que depositamos ao ser amado.
ResponderExcluirPorém como não sentir assim? O ser humano em busca de um "complemento" para si procura no outro a sua realização então matamos e morremos por amor. Foi assim desde os primórdios e quem conseguir SER em sua totalidade independente desse amor atire a primeira pedra.