domingo, 31 de março de 2013

Agora você saberá de tudo...



Agora você saberá de tudo...


É realmente uma violência a necessidade de escrever um texto coerente quando percebemos a incoerência que estamos envolvidos enquanto humanos. O filme, “Uma canção de amor para Bobby Long”, de Shainee Gabel,  me fez lembrar Belchior quando se declara “muito jovem pra morrer, e velho pro rock'n roll!”. De fato, e inevitavelmente, uma reflexão sobre o tempo, nossa relação com ele e as circunstâncias que porventura envolvem olhar pra trás. Há também em meio a esse filme uma boa cadência para pensarmos sobre o amor, nossa parca condição de senti-lo e pior ainda, a tragédia que é quando percebemos que a única saída teria sido ele, mesmo que não dê mais tempo.

Nessa película há a magia musical de New Orleans, suas fantasias, suas estrelas decadentes e seus sonhos. Há também uma inevitável literatura que é a veia do filme. No entanto, o que mais toma nosso sentimento é a verdade com que a literatura nos revela e a menoridade com que a encaramos. Dizer que há distância entre a realidade e a literatura é viver de olhos bem fechados, alias, é quase não viver. Uma morte que respira talvez.

Assim, a frase que nos\toma é uma só: “Como podemos ver a nossa vida passar por uma tela e ficarmos ao mesmo tempo assistindo?” Nesse instante, é necessário lembrar o que é dito sobre Long e entender a diferença entre existências que são escritas por si e existências que simplesmente se deixam escrever, inertes e mortas. Bobby Long atravessou a vida dentro de um livro imaginário. Livro que ele compunha a cada gole a mais e a cada atitude malfadada. Quase um herói trágico, que sabedor de sua tragédia, se entrega a ela para cumprir sua vida.

O que é instigante é a forma como isso se dá. Ou seja, por mais que de alguma forma o cenário se mostre decadente em relação aos padrões informados nos dias de hoje, que são tempos tristes, tempos em que  as pessoas querem se curar de suas fantasias e não percebem que isto é a única forma de em algum momento elas poderem contar sua história. Tempos em que a entrega é permeada por regras e modelos, e por isso mesmo não existem entregas, não existem histórias. Não existe vida com literatura.

Long escreveu sua poesia. Entre versos viveu sua tragédia. E entre o ocaso da vida e a certeza da morte, restou um pouco de si. Quis mais uma dose e quis citar mais um escritor. Os livros, em alguma medida, guardam a verdade inscrita da face mais humana, mais terrível e a mais poética também. Assim, ao ver-se numa vida que é narrada por escritores, e o pior, crer nela, parece quase uma profissão de fé, ingênua e linda como uma criança. Negar uma sabedoria asséptica é outro mote que nos toma nesse filme. Porque saber por saber, é como disse o poetinha: “é como amar uma mulher só bela, e daí?” De verdade mesmo é viver essa fantasia. Realmente, Long nos dá bastantes lições existenciais. Sobre a finitude, o infinito, e com se portar quando as imposições artificiais perdem para o amor.

As mazelas virão. Mas as estações são assim também. Da mesma forma como um capítulo sucede o outro. E assim é a vida também, mesmo que tenhamos regras a priori a dizer-nos como, quando e por que. Acreditar na fantasia de um livro é sim sair da realidade. Sair de uma realidade imposta e impostora. Pois não há nada mais que nossa imaginação do que ela de fato é. Invenção, como autor de uma literatura, como compositor de uma canção ou como poeta de um verso.

A ciranda da vida quis que Long deixasse esse tempo. Assim como todos os outros pecadores um dia deixarão. No entanto, se “o coração é um caçador solitário”, quiçá nos livros ele encontrará algo, penso que não. Long então estaria equivocado ao utilizar-se de tantas citações. Mas de outro lado, penso que a história não vai bem por aí. As citações incessantes eram apenas um aporte para aquilo que estava a construir a cada passo, a cada deslize, cada pranto e cada decepção. Escrevia com sua errância o livro de sua vida, e como fora uma vida de verdade sem cortes e sem cenas dignas de narrativas espetaculares, precisava citar, pois entendemos o que fazemos só depois que olhamos pra trás, e se acaso nossa fantasia não se realizar, não enxergamos nada. Salvo se alguém cantar “uma canção de amor para Bobby Long”.

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