segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Palavras



Palavras


“Eu só vou falar, na hora de falar, então eu escuto”
Secos e Molhados

Por ora meu coração se reduz a um grão de um pequeno fruto que dá em um momento do ano em que as pessoas ainda não conseguiram desvendar. É um tempo entre a primavera florida e as folhas secas que caem na avenida longa e escura que me leva ao bosque onde nascem esses frutos. Lá tem um monte de plantas que conversam apenas entre si e que não se importam com os humanos que transitam entre elas. Por serem plantas que os humanos consideram milenares, eles dizem ter respeito por elas. Mas as árvores cochicham, aquando das madrugadas, que a qualquer momento podem cair em cima deles, umas por prepotência de seu tamanho, outras por já estarem cansadas.

É certo que nesse intervalo, em que os conceitos de estações do ano não alcança, fica mesmo difícil compreender. Aliás, é uma boa reflexão essa sobre coisas que não conseguimos criar conceitos. Certa vez, uma criança ao observar um homem fumando aquilo que ficou acordado chamar cachimbo, voltou-se ao adulto que a acompanhava e exclamou: “- Veja! Um homem com aquilo que o Saci-Pererê usa na boca!” Esse dizer é apenas para ilustrar como é excepcional a existência em que o conceito ainda não tomou conta. É um pouco isso que parece atender à criança nietzschiana, a surpresa, o evento, a novidade, tomam conta da existência que é pura criação, a cada instante, sem cessar. Ai as amarras conceituais nem existem, talvez essa ingenuidade, em sentido positivo, puro diria, seja um caminho para a criação artística. A confusão entre a existência humana e a arte que se faz ou não dela, parece-nos estar colocada à medida desse tipo de relação. De alguma maneira, poderia dizer que o acúmulo de informações entulha a relação com o mundo, tornando-o sem mistérios e ao mesmo tempo, cinza e cabendo nos prazos e nos ponteiros dos relógios. Talvez essa ideia de conhecimento devesse ser medida na proporção da abertura que os poros da pele têm para ele. Não seria então, como por vezes pensamos, um puro conhecer, mas sim, deixar-se, estar no conhecimento, nada havendo entre o que é conhecido e o que somos. Conhecer seria estar sensível ao conhecimento, uma coisa só, portanto.

De certa forma, quando as árvores milenares falam entre si, pois não havia dito, mas elas apenas podem conversar nessa época em que o homem ainda não criou conceito. Então, elas aproveitam para traçar todos os planos até a próxima prosa. Assim, ingenuamente achamos que podemos olhar para elas e dizer: “- Agora estamos em tal ou qual estação.” Puro engano, foram elas próprias que determinaram. E se de alguma maneira as estações se confundem. Também não seria apenas pela ação funesta do homem em relação às plantas, ali elas também namoram. Portanto, se em um belo dia de outono aparecer uma chuva torrencial, é causa de um desamor entre elas. É importante dizer que elas se relacionam em silêncio. Essa coisa de palavras é muito difícil de decifração, e como entre estas plantas milenares não há mentira, elas não precisam ficar falando muito. A comunicação se dá pelas relações que elas travam entre os olhares que trocam e pelos encontros subterrâneos que têm suas raízes. Também é um dado necessário saber que os romanos diziam que Ceres seria a deusa das plantas. No entanto, estas plantas milenares existiam antes mesmo de haver uma deusa para elas. Essa estória confirma a questão de que não há no tempo delas a possibilidade de conceitos. Pois se aceitassem Ceres como sua deusa, estariam fadadas a ela, e ai seria o fim de suas relações por vezes incestuosas por debaixo do solo.

Assim, dessa devassidão toda, ou seja, da ausência de conceitos que as predigam. Da inexistência de condições estruturais para sua existência é que nascem as artes e nascem também os frutos destas árvores milenares. Chamo de furto por fraqueza adulta de imaginação. Aliás, é sempre uma redução e mostração de rudeza imensa um diálogo por conceitos. Imaginem se a criança já houvesse sido colonizada, ela diria cachimbo. Não iria fabular dentro de sua cabecinha um sem fim de possibilidades para aquilo que o Saci-Pererê carrega na sua boca. Como são inférteis os conceitos. E estas plantas milenares que carregam essa impossibilidade conceitual são o oposto da infertilidade. Delas brotam aquilo que entre nós, convencionou chamar de sentimentos. Foi por isso que quando comecei a escrever eu disse que meu coração estava do tamanho de um grão, de um pequeno fruto, que dá em um momento do ano em que as pessoas ainda não conseguiram desvendar.

Na verdade, esse sentimento não é mesmo da ordem do conceito. De alguma forma as crianças poderiam desvendar essas coisas e o fazem de maneira espetacular quando dizem, por exemplo, que aquilo que chamamos de lágrima, em verdade, são “aguinhas” de tristeza. Mesmo que elas não saibam o que é a tristeza, ou melhor, não possam explicá-la de maneira racional e conceitual e, portanto, distante do real. Na verdade, nem esse tal de real existe, a escrita de Slavoj Zizek nos ajuda a compreender isso. Mas esse tema não caberia aqui. Senão estaria a negar aquilo que aqui eu quis contar, a história de um dia em que meu coração esteve pequeno como um grão, e como eu não sabia desvendar o que era aquele sentimento, eu quis pensar que ele era uma coisa nova que aparece de vez em quando, em um momento que nossas marcações temporais perdem todo o sentido e que também estas coisas de estar alegre e estar triste também não poderiam explicar.

Dessa forma, esse sentimento restou para mim, como o filho primogênito de duas árvores, que durante uma relação misteriosa, em um tempo que não tem estação definida, mas que se compreende entre a primavera e o outono - porque são estações lindas e porque o que eu sentia tinha o cheiro da flor e o infinito do outono. Por isso, se um dia eu descobrir o que é isso, eu vou chamar: sentimento de coração do tamanho de um grão de um pequeno fruto, filho de árvores milenares, que cochicham na madrugada, em um tempo em que as pessoas ainda não conseguiram desvendar. Quando eu souber, não vou falar.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – verão - 2013

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