O som da poesia
“De nuestros miedos
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse.”
nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas
viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian
otra realidad posible
y los delirios otra razón.
En los extravios
nos esperan hallazgos,
porque es preciso perderse
para volver a encontrarse.”
Há
um belíssimo livro intitulado, “O dia em que a poesia derrotou um ditador”, no original, “Los días del arco-íris”. Livro de Antonio Skármeta que retrata o
momento em que Pinochet convoca um plebiscito no Chile. No enredo do livro há a
narrativa da construção da campanha contrária ao ditador. A leveza e a poesia
que irradiam as letras do romance trazem um ar que simboliza o momento que o
continente sul-americano passa e que parece, acabou por tocar nossos vizinhos
norte-americanos.
A
reflexão aqui varia entre a ideia de multiculturalismo, poesia, ruptura e, conseqüentemente,
arte. Na verdade, é sabido que a
filosofia não alcança exatamente o momento de acontecimento das coisas. Já foi
dito que “a ave de minerva levanta vôo ao entardecer”. Então, na vã busca de
captar esse momento, lançarei minha lente ocular ao que acredito ser um indício
de que as regras do jogo estão a se alterar, e parece que a formação de uma
imposição vertical, altera-se agora para uma horizontalidade que assim é mais
real, mais conhecimento e menos imposição.
O
estado plurinacional que está a se consolidar no continente latino-americano
desde as últimas revoluções na Bolívia e no Equador, é modelo de uma nova forma
de existência. Novas possibilidades que pensadores como Boaventura de Sousa
Santos na Europa, Enrique Dussel em língua espanhola e José Luiz Quadros de
Magalhães no Brasil, vêm insistindo na percepção. Essa questão anuncia uma nova
forma de concepção da existência mesma. Mostra a formação de uma nova
subjetividade que rompe com as bases modernoeuronorteamericas
que não apresentam, se é que apresentaram algum dia, alternativas plausíveis
para povos tão distintos.
No
entanto, dentro desta prosa, não poderia aprofundar nesse tema que muito me
encanta e existencialmente realiza aquilo que Heidegger chama de autenticidade.
Serviram-me, tanto o texto de Skármeta, quanto o ideário acerca da
plurinacionalidade, para introduzir uma reflexão acerca da posse do presidente
dos Estados Unidos, Barack Obama. Na verdade, não me irei deter sobre as
questões que possivelmente poderiam entreter-nos nesse tema. O que me interessa
é dizer da escolha do poeta de origem cubana Richard Blanco, para fazer a leitura
de um poema no dia de sua posse.
É
notável que os presidentes eleitos, representantes do partido democrata, são os
únicos a trazer poesias para o dia da posse. Isso de alguma maneira mostra uma
face mais lúcida na postura de condução daquela nação. Obama não fugiu a este
histórico, contudo, supera esse detalhe quando coloca Blanco na condição do
poeta escolhido para o dia da posse. Obama é negro, foi eleito por 70% da
comunidade de origem hispânica e goza de um carisma quase latino, incomum
dentre os representantes daquela nação, salvo talvez Clinton e Kennedy.
Então,
para dizer desse momento, foi necessário ir até Pinochet, quando a poesia de
uma campanha plural derrubou seu governo cinza, e também passar pelo novo
momento filosófico e político que enreda nosso continente. Pois não seria
possível Obama sem que o contexto estivesse pronto para recebê-lo. O “mundo
munda”, também nos ensinaria Martin Heidegger, no entanto, as bases através das
quais esse “mundo munda” estão a se alterar, e se um dia os pensadores de uma
Europa antiga, e de alguma forma decandente, foram os únicos standarts a nos orientar, na
contemporaneidade, percebe-se que a construção de um paradigma mais condizente
passa por um nascimento que esteja aliado à uma identidade que não pode
meramente ser imposta como a real, por vezes mais real que o próprio real.
Assim,
o nascimento dessa nova matriz de conhecimento proposta na América Latina,
passa também por aquilo que se quis chamar pluralismo epistemológico. Teoria
que nos evidencia um necessário reconhecimento do outro. Reconhecimento de que
existem várias maneiras de composição do conhecimento. Maneiras plurais de
existir. E longe do que autores como um Arnaldo Jabor, que falta apenas
fantasiar-se de norte-americano, mostra que a história não é linear, ou seja,
que não estamos querendo envelhecer para nos tornarmos civilizados como os
europeus. Em verdade, esses argumentos falhos vêm sendo utilizados desde a
colonização do solo ameríndeo e passa por intervenções, as mais obtusas, sob
argumentos democráticos e de direitos humanos (sic). Esse pluralismo ajuda a corrigir incompreensões e
intolerâncias, sejam religiosas, sociais, étnicas ou científicas. Assim, o
outro não é o melhor, ele atua de maneira a compartir o mundo comigo, com suas
distintas percepções, nem melhor, tampouco pior, distinta e contributiva, mesmo
que não aceitemos. Essa mudança de paradigma rompe com um sistema mundo europeu,
o qual Immanuel Wallerstein chamou de “universalismo europeu”, que concebia uma
única e correta forma de saber em detrimento das demais. Perceber que isso fora
uma falácia, é importante para uma existência menos infantilizada.
Obama
ao convidar um poeta de origem cubana e declaradamente homossexual, dá
prenúncios de que percebe o contexto existencial e filosófico contemporâneo. Em
primeiro assume que a poesia, além de toda sua faceta estética, realiza o
humano em sua maior condição e é imprescindível na construção da realidade. Ainda
sobre isso, a origem do poeta, arredia aos olhos de conservadores do
pensamento, burocratas intelectuais, diria, talvez tenha uma conotação de que o
inevitável se mostra sem que possamos encobri-lo. A poesia é inevitável, e fica
simbolizado nisso que a pluralidade já chega à Casa Branca, não sei com que
intensidade, posso estar sendo deveras otimista, mas foi o que vi. De outro
lado, a figura de Blanco, homossexual assumido, também mostra que o presidente
de um país com histórico tão turbulento em face de pluralidades, evidencia mais
uma vez que a poesia da existência deste poeta mostrou-se inevitável, não só ao
presidente eleito, mas também em face do que ocorre na literatura humana
mundial.
As
intolerâncias, ainda presentes em muitas questões ao redor do mundo, podemos
dizer dos extremismos religiosos no Oriente Médio e dos extremismos financeiros
na zona do euro, não possuem cadeira dentro desse novo movimento que estamos a
anunciar. Aqui, a poesia ensina à física, o poeta dialoga com o presidente, a razão
se emociona. Não há distinções entre seres humanos por conta de suas
preferências. A pluralidade acolhe o outro, e não apenas o outro na medida como
queremos que ele venha. Os filósofos Jacques Derrida e Emmanuel Lévinas
contribuíram imenso para justificar essa nova construção de subjetividades.
Assim,
ludicamente, ao ouvir Blanco recitar seu poema para o povo norte-americano, relembrei
a campanha contra Pinochet. Da mesma forma como me fez lembrar de um tempo que
ainda não veio. Tempo em que a racionalidade moderna ficou pra trás. Tempo em
que o poeta diz das regras. Momento em que na nação que um dia dizia-se a maior
do mundo, precisou silenciar e ouvir versos com herança espanhola. Tempos em
que Obama trazia em sua face um clamor pela diferença. Lembrei-me do tempo em
que a poesia cantou pra razão, e como as sereis de Ulisses, entorpeceu seu
pensamento, e daí em diante, não sabemos em que mares navegar. Sabemos apenas
que a canção não será mais imposta, necessariamente virá misturada de cores,
cheiros e sons, compondo assim um poema mundial. Aquele no qual o humano figura
sem rosto, sem etnia, em silêncio, sem gênero, nu. Humano demasiadamente
humano...
Bernardo
G.B. Nogueira
Conselheiro
Lafaiete – verão – 2013.
-
Boaventura de Sousa Santos: sociólogo português, um dos maiores pensadores do
mundo em face do tema multiculturalismo.
-
Henrique Dussel, filósofo argentino, radicado no México, precursor do
pensamento nominado filosofia da libertação. Filósofo engajado em temas afeitos
à latinoamérica.
-
José Luiz Quadros de Magalhães: Professor da UFMG, atua na área de Direitos
Humanos e acaba de lançar uma obra intitulada: “Estado Plurinacional e Direito
Internacional”;
-
Martin Heidegger: pensador e filósofo alemão, que junto de Friederich
Nietzsche, prestou enorme contribuição para o pensamento ocidental aos fins do
século XX.
-
Emmanuel Lévinas: filósofo de origem judaica, conhecido como o filósofo da
alteridade. Escreveu sobre a ética como filosofia primeira, e é um dos maiores
filósofos contemporâneos, o outro é o lócus
privilegiado do ideário deste autor;
-
Jacques Derrida: herdeiro do pensamento de Lévinas, é conhecido pelo método da
desconstrução, sua filosofia tem a marca da superação do pensamento moderno.
Texto originalmente publicado na edição nº144, 02/2013, Ano 11 - Literatura -Filosofia - Música e Cultura do Jornal Cultural "Conhece-te a ti mesmo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário