sábado, 23 de fevereiro de 2013

Mais do mesmo?



Mais do mesmo?
 
 
Lincoln, Aristóteles, Maquiavel, Alexandre VI e a política atual. Esse arsenal histórico, político e religioso é a causa pela qual consideramos interessante a película sobre a vida de Abraham Lincoln, assinada por Spielberg. O filme é uma produção que traz a possibilidade de criação que cada contato com uma obra de arte deve possuir. A atuação de Daniel Day-Lewis é condigna com a importância de Abraham Lincoln na história norte-americana e mundial, ora, os ideais abolicionistas transcritos na história de Lincoln privilegiam seu caráter, e é exatamente sobre este ponto que gostaríamos de refletir um pouco.

A figura de Lincoln foi decisiva para a aprovação da emenda à constituição norte-americana que diz respeito à questão escravocrata. No entanto, algumas figuras políticas, parecem estar entre as influências de Lincoln, que, exatamente pela tenacidade que mostra em seus atos, acaba por encarnar. Assim, o presidente leva de Aristóteles a phronesis, prudência, marca de homens longevos. Essa posição é notória nas relações pessoais de Lincoln, que, como bom aristotélico, tem reiteradamente ações justas e boas, para assim tornar-se um homem justo e bom.

Em relação a Maquiavel, a relação esta exatamente no centro das ações de Lincoln na luta pela aprovação da 13ª emenda. Maquiavel, em seu livro, “O Príncipe”, ensina manobras para que o príncipe mantenha-se no poder. Uma frase célebre: “em política, os fins justificam os meios”, talvez fique bem caracterizada na ação de Lincoln, que se utiliza de um ardil, chamado de “oferecimento de oportunidades”, para convencer membros do partido democrata, partidários do escravagismo. Lincoln monta uma “comissão” que oferece oportunidades aos membros contrários à 13ª emenda.

Quando lembramos o conclave que elevou Rodrigo Bórgia (Alexandre VI) ao pontificado, mais uma vez o enredo inspirado em Maquiavel se repete. O cardeal utiliza-se de um arsenal de “oportunidades” aos demais cardeais para que seja escolhido papa. A narrativa desta história pode ser encontrada na séria intitulada “Os Borgias”, que mostra as manipulações dentro dos muros do Vaticano.

Essa relação do estadista, seja ele profano ou representante da divindade, foi e sempre será a incógnita do poder. Aristóteles ensina uma política em que as ações e formação do homem por trás do governante espelhem suas atitudes públicas. Maquiavel não se importa com os melindres éticos, e o fim de manter-se no poder é o único que deve conduzir o príncipe. Rodrigo Bórgia, um pouco antes de Maquiavel, se utilizava destes conselhos. Lincoln, alguns séculos depois, empregou a fórmula para salvar os escravos e abrandar a guerra civil norte-americana. Dai a questão de sempre: Os fins, de fato, justificam os meios? Ou apenas “alguns” fins e outros não? Mas quem decide quais os fins são justificáveis?

O Brasil enfrentou uma crise política e ética com a denúncia do mensalão e de maneira espetacular e ingênua elegemos ídolos e heróis dentre membros do Poder Judiciário basta lembrarmos algumas pessoas entendendo o ministro Joaquim Barbosa como o novo Cavaleiro das Trevas a salvar Brazil city. No entanto, é evidente que essa apropriação da res publica não pode ser justificada, nem com a história, e nem foi isso que quisemos mostrar aqui. No entanto, a história, mais que contar estórias, serve para aclarar o ambiente que chamamos presente e permitir que a tela do cinema, menos que um local de mera exposição espetacular, sirva como palco privilegiado para a leitura de um real que resta encoberto pela escuridão de um futuro que não vem.

Bernardo G.B. Nogueira
(Texto originalmente publicado no caderno de Cultura, na coluna "Cinema com Filosofia", da edição 1151/2013 do Jornal Correio da Cidade)

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