terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Depois

Depois

depois podemos pisar no mato,
depois podemos deitar no ar,
depois podemos voar no deserto,
depois podemos olhar a chuva,
depois podemos tocar na noite,
depois podemos soltar as mãos,
depois podemos fechar os olhos,
depois podemos acariciar o traço,
depois podemos beijar as gotas,
depois podemos cantar aos deuses,
depois podemos derramar o vinho,
depois podemos despertar o dia,
depois podemos derramar a tinta,
depois podemos esquecer os sonhos,
...
mas só depois, porque agora só podemos amar.

Bernardo G.B. Nogueira

Do amor

Do amor

Amor quando amor é sem perceber,
sem história de eterno amanhecer,

tem lá uma face sublime, e outra que arrebata,
e as duas juntas é que fazem feliz tanta ternura,

depois do olhar,
um par, de ases com asas juntas pelo amor,

Mas, amor só com vontade,
nada de coisas sem lealdade,

é que também não tem verdade,
nessas coisas de amor,
que é um tanto de coisas na verdade,
tudo cabe quando os olhos estão cheios de bondade,

não dá p’ra contar quando está amando,
ama-se também o conto que é ele mesmo o próprio amor.

quanto problema tem nesse tal de amor,
pois até quando aparece um novo,
amor,
a gente finge que não é só para querer de novo.

então parece que é assim mesmo,
de dia te quero em olhar,
de noite, te quero em lua plena,

da vida eu quero sempre procurar me distrair,
vai que eu não percebo e fico apaixonado.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete
23/01/2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

Trem...

Trem

Esperei,
até o último silvo do trem,
passaredos e pessoas e ninguém.

Pessoas,
passaram pelo meus olhos em desdem,
acenos felizes ao encontro de alguém.

Olhares sinceros e mentirosos também.
Sol que não aquecia meu porém.

Lágrimas,
até o último abraço esperei,
fui tragédia de um trilho, de trem.

As borboletas continuaram em silêncio,
e de novo ia embora, o trem.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Vinhos em taça de deuses

Vinhos em taça de deuses

Beber vinho em forma de oração,
sorver o gozo como diz uma canção,
deitar o verbo em cantiga de ninar,
pousar a mão como quem brinca n’um tear.

Soprar o beijo em métrica de paixão,
unir o corpo para depois ser entonação,
desditar do tempo e esquecer o silêncio,
suspiros imensos em tom de incêndio.

Quisera a lua cantar esse bailar,
de uma noite sem fim para o mundo encenar,
palavras de um verso que não se quis esquecer.

Em um tanto de distância uma busca ditosa,
prazer em carne viva e uma vida que aflora,
deuses divinos que cantam entorpecidos enquanto namoram.

Bernardo G.B. Nogueira

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre o mar

Sobre o mar

Sobre o mar entoei um canto que jamais será ouvido,
espraiou-se em partículas que impossibilitam ouvir,
é tão distante o mar que uma mirada por ele me impede de partir,
há entre nós dois, tamanha distância, que nem ousaria dar um grito.

Oh!, mas quão desafortunado é meu coração,
em um estampido silencioso quis ser canção,
largou de dentro dos meus olhos e nem sequer olhou p'ra trás,
levitou intenso sobre o mar, como se em pele alva acarinhasse o amor.

Senti-me tão abandonado neste momento, o tempo tornou-se companheiro,
tomou minhas mãos e entre ontem, amanhã e hoje, sorriu p'ro meu rosto teso,
fez troça de minha tristeza e tornou maior ainda a solidão.

Sobre o mar, descobri mil encantos,
o de um tempo que não existe e o de um coração que baila entre o fado,
o de um mar, que de tão profundo, é porto seguro para chorar meu pranto.

Bernardo G.B. Nogueira
Montevideo

domingo, 15 de janeiro de 2012

Paradoxo sou

Paradoxo sou

Sou tão paradoxo que sinto o frio no sol,
sou tão paradoxo que a lua me trás calor,
sou tão paradoxo que vinho me torna lúcido,
sou tão paradoxo que a lucidez me faz esquecido.

Sou tão paradoxo que estar sozinho é qual um diálogo,
sou tão paradoxo que a comunhão me retira a alma,
sou tão paradoxo que o chão me causa incerteza,
sou tão paradoxo que o céu me parece canção.

Sou tão paradoxo que os pingos da chuva esquentam minh’alma,
sou tão paradoxo que a falta deles me trás lágrimas molhadas,
sou tão paradoxo que a secura dos dias me transborda o olhar.

Sou tão paradoxo que de dia sou amante seu e a noite me dá o mundo,
sou tão paradoxo que declamo meus sentimentos, p’ra depois sofrer o arrependimento,
sou tão paradoxo que escrevo para dizer, quando o silêncio é o dito de maior prazer.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Não...

Não

Não se demore demais,
o sol pode não dormir,
a lua pode não parir,
o amanhecer pode ser no cais.

Não se demore demais,
a vida pode estar cantada,
o amanhã pode ser nada,
e o passado pode ser demais.

Não se demore muito,
o grito pode não ser ouvido,
a canção pode ser calada.

Não se demore demais,
a alma até pode morrer em paz,
mas o coração, em sua estrada, suspira e jaz.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

estados

estados

Estar livre como selvagem cavalo,
em pastos sem cercas cavalares,
estar entretido em sentimento infinito,
em alma imensa embebedar.

P’ra um vinho antigo se entregar,
tragos doces com som universal,
em mares distantes velejar,
e a frios cortantes, pleno se deitar.

Sob lua inflamada contemplar,
em uivo à matilha se juntar,
feito corredeiras que descem sem cessar.

Em peito quente acalentar,
um lábio dormente, eternamente a amar,
isto é o viver, quem morreu, saberá.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tango

Tango

Além do tanto, de amor,
além do pranto, nasceste flor,
além do dia, noite sem dor,
além do frio, cadente astro em calor.

Além do sonho, vida e torpor,
além das cifras, improviso que passou,
além de mim, me passaste como que sonhou,
além das sombras, me levaste a escuridão.

Além do palco, foste poesia e canção,
além de toda magia, fizeste em mim, criação,
além de todas as notas, cantaste em mim, coração.

Além de todo o bailar, encantaste meus olhos em aparição,
além de toda a vida, fizeste de mim encenação,
além de todo o tango, bailaste em meu espírito, agora sou só paixão.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires – tango e amor.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

En Tortoni

En Tortoni

Ah, belo Tortoni,
canto a ti, os melhores sabores,
canto a ti, seus fantasmas e dores,
canto a ti, fantasias, olhos encantadores.

Sinto aqui os mais antigos sentimentos,
encrostados no ar que emoldura movimentos,
sinto aqui toda a desfaçatez dos tempos,
em passado e presente, em futuro nos veremos.

Ah, velho Tortoni,
senhor das artes errantes,
maior que Buenos Aires, gigante.

Declaro aqui, entre vida pulsante,
poesia nascida, versos,
que fazem de mim seu amante.

Bernardo G.B. Nogueira
Café Tortoni - Buenos Aires
(poema a ser publicado na revista Buenos Aires Cultural - editada pelo Café)

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Sei...

Sei

Sei que é distante demais o que me aproxima,
sei que é perto demais o que me apaixona,
sei que é poesia demais o que me encanta,
sei que é um mar demais o que me leva.

Sei que é perene demais o que me entristece,
sei que é infinito demais o que me apetece,
sei que é brilho demais o que me esquiva,
sei que é líquido demais o que me embriaga.

Sei que é canção demais o que me embala,
sei que é rima sem dor que me exala,
sei que é um sol demais que me trabalha.

Sei que é uma lua serena que me levanta,
sei que é uma arte demais que me suplanta,
sei que são seus olhos demais que me criam como criança.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

Ah, uma poesia em espanhol!

Ah, uma poesia em espanhol!

Queria muito ter escrito um poema na língua espanhola. É um jeito mais afetivo de encontrar-se com o outro, esse jeito apressado e carinhoso de dizer. Não estava em suas intenções escrevê-lo, mas uma mirada de olhos em meio à efusão de pessoas com sotaques variados acabou por criar uma vontade que não cabia em seu verbo maldito. Em sua boca fechada. Em seus olhos de procura.

Bastaria um dicionário e as coisas estariam resolvidas. O poeta estava agora entregue a um mar de leitores que se estendia para além da língua portuguesa que Camões cantou e Fernando Pessoa eternizou em suas criações. Contudo, ela não havia sido compartida em tantas bocas como o lastro do pensamento em língua dita por Garcia Marquez e poetada intensamente por Lope de Vega.

Por suposto, não há como medrar em intensidade se tal ou qual expressão alcança mais ou menos o coração. É certo apenas que a inquietude da língua espanhola, adocicada com um sem fim de afagos de timbres, acabara por despertar um sentimento ainda antes não presenciado. Como seria amar em língua espanhola? O poema que se queria escrito variava por entre a dúvida que empalidecera seu português bem escrito. Talvez a ideia da novidade, e, por conseguinte, da fugacidade do momento, pudessem explicar essa querência insistente. Mas, depois de averiguar o porão de seu espírito, acabara por encontrar um coração que pulsava agora em outra margem, outra língua.

Foi em dúvidas a bailar por entre sua tentativa que parecia corroer internamente como uma doença que mata sem avisar. Daí que outro sentimento aparecera, medo. Será que medo é sentido assim também em outra língua? Foram tantos os goles de uma bebida não portuguesa que as perguntas lhe apareciam como os raios do sol em um dia de verão, não no Rio de Janeiro, mas em solo de língua espanhola. Quantas questões, e o par de olhos já se havia ido embora. Sem um dizer, sem um querer. Apenas um afago sem sentido que tomou o leme de toda a sentimentalidade.

E se as rimas não conversarem? E se rimar em português for mais fácil porque a língua é mais presa? Mas seria Drummond um cara simples? Se fosse assim, como Florbela saira de Matozinhos para ganhar o mundo? Será que é por isso que não temos muitos filósofos em língua portuguesa? O alemão também é preso, aliás, ele não se solta em nenhuma ocasião! É, os amantes não são bons alemães, ou melhor, era para dizer o contrário, mas parece que está claro.

Clareza, essa palavra tão bendita em detrimento daquilo que é oculto. Como um irmão mais bem sucedido em face do outro intelectual e pobre. No entanto, com que autoridade essa clareza do português, que me explica tão claramente as coisas pode-se sobrepor à minha ignorância em face do espanhol? Já é outra questão que o próximo gole não me irá explicar, penso.

Daí que a vontade de escrever o poema em língua espanhola se via esvaindo à medida que me encontro com minhas tão queridas palavras em língua portuguesa. Saudade. Tomara que não seja aquele respeito que nossa história nos impõe normalmente o que está por trás desta trama que me deixa à vontade com a língua materna. Espero que não seja por lembrar dos nacionalistas enfadonhos que querem nos roubar a possibilidade de repensá-los e criar algo que os supere, mesmo que em língua portuguesa. E o português, não é belo? Sim, é belíssimo, sobretudo quando se dispõe dos mecanismos que des-aprendemos na escola. Como é bom se comunicar com um silêncio em português!

Acho que minha escrita em português está fincando longa. Depois dizem que as pessoas que escrevem nesta língua são prolixas. Aliás, que palavras feia essa tal de prolixa. A intenção era escrever um poema em língua espanhola, para armar – amar - com toda a pureza o sentimento que aquele par de olhos tornou. Mas de que serve a língua espanhola ou portuguesa? - se o amor não compor sem rimas a incerteza que o faz um deus?

O poema em espanhol não haverá! Não há conhecimento para tanto. Contudo, mesmo “depois que a festa acabou”, e que a língua espanhola não foi alcançada, farei fogueira do dicionário para cantar sob a luz de suas labaredas todos os amores que senti, sejam eles em língua portuguesa, sejam eles em silêncio de ignorância espanhola.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

Em cada esquina...

Em cada esquina

É uma aventura cada corpo silencioso,
esgueira por entre seus olhos,
a brincar com sua imaginação e poros,
daí já não é mais um só, um par, ditoso.

Murmuram dentro de ti as vozes do outro,
como amantes que se juntam,
cegos, em forma d'alma acariciam seu dorso,
fantasiam o tempo, como se juntos fossem todos.

Desse espanto floresce o novo,
não aquele, o esperado,
mas um outro, encenado, feito peça de teatro.

É um palco cada esquina,
em que jazem maravilhas e incertezas,
em seu olhar que um dia foi cantiga, p'ro meu amor, inacabado.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Para longe daqui...

Para longe daqui

Meu lápis está apontado direto ao coração,
frases longas e formosas espreitam,
há dentre nuvens olhares sem direção,
partícipes de uma dança sob pares que encantam.

As mãos sempre esvoaçam dentro da noite,
feito pouso sem embaraço pela praça,
imenso é o céu por entre o açoite,
em candura de pele perdida e sem graça.

Há sulcos do vento por entre cinzas e fumaça,
e é pleno e taciturno o rio em minha face,
mas também é velha e sombria a outra margem.

Não me escuta a escrita e se disfarça,
em notas frágeis se vai embora,
teatro vivo que o meu corpo escorraça.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Entrega

Entrega

Tenho agora os pés descalços,
de fora brota um mar de intenções,
minh’alma vestida com cheiros de poções,
mágicas à procura de trovas entre laços.

Feito cores em manhã outonal,
sem distância imensa entre bem e mal,
de sabor escrito em local sem face,
oculta de traços, grande, um disfarce.

Palavras desordenadas em sombras,
claras tal qual o frio da solidão,
latente de um canto lançado em ondas.

De um oceano intenso e sem direção,
porto vazio feito um par sem dar a mão,
de que vale o sonho sem o coração?

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Tormenta

Tormenta

Aqui já chove em quantia enorme,
meus pés estão molhados, sem sentimentos,
minhas mãos frias em prantos e tormentos,
os sentidos a darem sinais de sucumbência e fome.

Afagos de ventos gélidos a tomar minha visão,
claro e escuro de mim mesmo em batalha,
sai de meu peito um ar quente e de fora me vem uma navalha,
defende-se o espírito com cifras de versos e uma canção.

Gotas perdidas em rios solitários, rios cálidos,
andares distraídos por entre vozes correntes,
solidão pungente em calafrios ardentes.

Gritos desmedidos e ruído interno que não se acalma,
rimas afogadas pelo precipício de um adeus,
mas por enquanto, ainda chove forte em minha alma.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete