sábado, 3 de novembro de 2012

Talvez seja o amor


Talvez seja o amor

Nesses dias, em que máscaras e rostos se confundem, e as personas cada vez mais estão perdidas entre identidades criadas e esquecidas, Eli chega da Europa, vindo para descobrir porquê os países latinos estão cada vez mais presentes e os países de onde vem cada vez mais transparentes. Isso talvez estivesse ligado apenas a uma questão de idade. Certo é que o professor de língua portuguesa estava a pouco no Brasil e resolvera deixar o hotel no qual estava a viver e mudar-se para uma casa. Era comum um entrave diário com as arrumadeiras super matutinas e o professor extremamente noturno.
 -Fessor, vem ver a praia de manhã! O senhor nem sabe o que é o sol nascendo! Parece morcego, “cruiz em credo”!
Credo certamente era o que ele rezava toda noite para que a arrumadeira perdesse o horário.

Na segunda-feira sai para procurar um lugar pra morar. Tem apenas que ser um sobrado. É bom ter dois locais distintos em uma mesma casa. Se for longe da universidade nem tem problema. Os estudos das gentes ficam mais interessantes em contato com elas. Dentro de um metrô aqui no Brasil sentimos mais diversidade que se colocássemos o ocidente misturado com o oriente.

Havia uma solidão que caminhava junto do professor. Ele procurava a casa e a sombra da solidão, sempre ali, de mãos dadas. Avistou uma placa. Bateu, ninguém atendeu. Ao lado o vizinho dissera que o vendedor casa também vendia coco gelado na praia e que se chamava Leão, que não era bravo e que até escrevia alguns versos.
–Vá lá senhor, o Leão há tempos foi abandonado e vive sozinho aí nesse sobrado. Vai entregar a “preço de banana”.
O português, recém chegado, não poderia entender o que seria “a preço de banana”, seus antepassados não pagaram nada por elas, e ele pagava caro nos dias atuais.

Ao chegar na praia encontra um homem de barba e cabelos grisalhos, maltratados pelo sol e pelo sal.
_Leão?
_Sim.
_Coco ou poesia?
­_Não, casa.
­_Quer comprar meu sobrado então?
_É isso.
Conversaram algum tempo. No mesmo dia Leão apresenta seu amigo, o Dr. Zé, advogado que seguira a carreira que Leão abandonou por acreditar em sonhos. Como o preço em reais era incompatível com o preço em euros, logo o professor português transferiu suas economias e efetuou o pagamento. Os honorários que o amigo, Dr. Zé, arrancara de Leão,  ficaram por conta dos longos anos de amizade na Faculdade de Direito.
_Mudarei na próxima segunda.
_Certo, leve uma cópia das chaves, para ir ajeitando o que quiser.
Aperto de mãos, Leão entrega um coco ao professor. Pede ao Dr. Zé que deposite seu dinheiro na conta de sempre. Adeus.

Enfim, nenhum peso em suas costas, fatigadas, por certo, mas livres. Não se sentia mais como um jumento que carrega bens por onde anda. O vendedor de coco e poeta sorri, o advogado esfrega as mãos, honorários. O professor só pensa na escrivaninha cheia dos livros que já mandou vir de Portugal, e na ideia de poder dormir sem nenhuma arrumadeira a mandar-lhe abrir os olhos.

Passada uma semana o professor se muda pro sobrado. Ao chegar, um molho de chaves, um poema rabiscado em uma folha velha e suja e o aviso de que há coco gelado na geladeira que ficara como cortesia brasileira. Qualquer problema,  procure o Dr. Zé, pois o vendedor não sabe onde estará. Estranho, mas também, não ruim.  Arrumou suas coisas. Livros, nada mais. Comprar coisas essenciais e a vida está feita. Só viver as horas agora.

Passada outra semana. Uma mulher bate à porta, e pelo visto, parece que havia muito tempo que estava ali.
– Olá, boa tarde. Qual o quarto está pra alugar?
_Nenhum.
_Ora, mas já paguei metade do preço pra um tal Dr. Zé, que tem um site apresentando esse sobrado para alugar.
_Rapariga, parece que enganaram a ti. Espere vou descer.

Ao abrir a porta o professor de língua portuguesa pede a moça para entrar, lhe ajuda com as malas, serve água de coco gelada e põe-se a ouvi-la.

Conta ela que vem de outra cidade do Brasil, precisa encerrar a composição de uma obra de arte e que na cidade em que vive era impossível.
_Sabe bem, não é? Poluição de todo gênero, telefones, convites, convites e nada, e tudo ao mesmo tempo. Precisava perder a concentração e me concentrar na criação.
_Pintas o quê?
_Olhe, vou responder de uma forma direta, pois não me sinto à vontade para devaneios em uma primeira conversa. Então, pinto o amor e suas variações, seu acaso, sua mentira, sua verdade, suas faces, seus tormentos, sua falta, sua presença, sua nudez, sua fala e seu silencia, seu limite, a falta dele, sua existência e sua morte. Por aí...

O professor de língua portuguesa apanhou o bilhete rabiscado que o poeta e vendedor de coco havia deixado em cima da mesa. Ainda não havia lido o que estava escrito. A indiscrição da artista ao falar que pintava o amor deixara o professor sem as palavras que ele tanto ama.

“de tanto esperar, morreu,
de excessivo pensar, esfacela o evento,
de uma quantidade de conceitos, fecha a janela,
da causa buscada, não vê a vida,
pela janela aberta pode nascer a brisa,
ao recebê-la em ti,
encanto,
sem avisar,
feito morte,
feito arte,
qual pintura de amor.”

Das duas uma: ou o português se acostumava ao clima brasileiro, ou regressava a Portugal sem concluir a pesquisa. Reclinou-se pela terceira vez na poltrona empoeirada e ficou calado. A artista logo reclamou sua ausência.
_Olá senhor, vai alugar o quarto ou não?
_Pode ficar minha senhora. Só não se esqueça de me devolver a mim depois que acabares sua exposição.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete- primavera – 2012.

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