Talvez seja o
amor
Nesses
dias, em que máscaras e rostos se confundem, e as personas cada vez mais estão perdidas entre identidades criadas e
esquecidas, Eli chega da Europa, vindo para descobrir porquê os países latinos
estão cada vez mais presentes e os países de onde vem cada vez mais
transparentes. Isso talvez estivesse ligado apenas a uma questão de idade.
Certo é que o professor de língua portuguesa estava a pouco no Brasil e
resolvera deixar o hotel no qual estava a viver e mudar-se para uma casa. Era
comum um entrave diário com as arrumadeiras super matutinas e o professor
extremamente noturno.
-Fessor, vem ver a praia de manhã! O senhor nem
sabe o que é o sol nascendo! Parece morcego, “cruiz em credo”!
Credo
certamente era o que ele rezava toda noite para que a arrumadeira perdesse o
horário.
Na
segunda-feira sai para procurar um lugar pra morar. Tem apenas que ser um
sobrado. É bom ter dois locais distintos em uma mesma casa. Se for longe da universidade
nem tem problema. Os estudos das gentes ficam mais interessantes em contato com
elas. Dentro de um metrô aqui no Brasil sentimos mais diversidade que se
colocássemos o ocidente misturado com o oriente.
Havia
uma solidão que caminhava junto do professor. Ele procurava a casa e a sombra
da solidão, sempre ali, de mãos dadas. Avistou uma placa. Bateu, ninguém
atendeu. Ao lado o vizinho dissera que o vendedor casa também vendia coco
gelado na praia e que se chamava Leão, que não era bravo e que até escrevia
alguns versos.
–Vá
lá senhor, o Leão há tempos foi abandonado e vive sozinho aí nesse sobrado. Vai
entregar a “preço de banana”.
O
português, recém chegado, não poderia entender o que seria “a preço de banana”,
seus antepassados não pagaram nada por elas, e ele pagava caro nos dias atuais.
Ao
chegar na praia encontra um homem de barba e cabelos grisalhos, maltratados
pelo sol e pelo sal.
_Leão?
_Sim.
_Coco
ou poesia?
_Não,
casa.
_Quer
comprar meu sobrado então?
_É
isso.
Conversaram
algum tempo. No mesmo dia Leão apresenta seu amigo, o Dr. Zé, advogado que
seguira a carreira que Leão abandonou por acreditar em sonhos. Como o preço em
reais era incompatível com o preço em euros, logo o professor português
transferiu suas economias e efetuou o pagamento. Os honorários que o amigo, Dr.
Zé, arrancara de Leão, ficaram por conta
dos longos anos de amizade na Faculdade de Direito.
_Mudarei
na próxima segunda.
_Certo,
leve uma cópia das chaves, para ir ajeitando o que quiser.
Aperto
de mãos, Leão entrega um coco ao professor. Pede ao Dr. Zé que deposite seu
dinheiro na conta de sempre. Adeus.
Enfim,
nenhum peso em suas costas, fatigadas, por certo, mas livres. Não se sentia
mais como um jumento que carrega bens por onde anda. O vendedor de coco e poeta
sorri, o advogado esfrega as mãos, honorários. O professor só pensa na
escrivaninha cheia dos livros que já mandou vir de Portugal, e na ideia de
poder dormir sem nenhuma arrumadeira a mandar-lhe abrir os olhos.
Passada
uma semana o professor se muda pro sobrado. Ao chegar, um molho de chaves, um
poema rabiscado em uma folha velha e suja e o aviso de que há coco gelado na
geladeira que ficara como cortesia brasileira. Qualquer problema, procure o Dr. Zé, pois o vendedor não sabe
onde estará. Estranho, mas também, não ruim.
Arrumou suas coisas. Livros, nada mais. Comprar coisas essenciais e a vida
está feita. Só viver as horas agora.
Passada
outra semana. Uma mulher bate à porta, e pelo visto, parece que havia muito tempo
que estava ali.
–
Olá, boa tarde. Qual o quarto está pra alugar?
_Nenhum.
_Ora,
mas já paguei metade do preço pra um tal Dr. Zé, que tem um site apresentando
esse sobrado para alugar.
_Rapariga,
parece que enganaram a ti. Espere vou descer.
Ao
abrir a porta o professor de língua portuguesa pede a moça para entrar, lhe
ajuda com as malas, serve água de coco gelada e põe-se a ouvi-la.
Conta
ela que vem de outra cidade do Brasil, precisa encerrar a composição de uma
obra de arte e que na cidade em que vive era impossível.
_Sabe
bem, não é? Poluição de todo gênero, telefones, convites, convites e nada, e
tudo ao mesmo tempo. Precisava perder a concentração e me concentrar na
criação.
_Pintas
o quê?
_Olhe,
vou responder de uma forma direta, pois não me sinto à vontade para devaneios em
uma primeira conversa. Então, pinto o amor e suas variações, seu acaso, sua
mentira, sua verdade, suas faces, seus tormentos, sua falta, sua presença, sua
nudez, sua fala e seu silencia, seu limite, a falta dele, sua existência e sua
morte. Por aí...
O
professor de língua portuguesa apanhou o bilhete rabiscado que o poeta e
vendedor de coco havia deixado em cima da mesa. Ainda não havia lido o que
estava escrito. A indiscrição da artista ao falar que pintava o amor deixara o
professor sem as palavras que ele tanto ama.
“de
tanto esperar, morreu,
de
excessivo pensar, esfacela o evento,
de
uma quantidade de conceitos, fecha a janela,
da
causa buscada, não vê a vida,
pela
janela aberta pode nascer a brisa,
ao
recebê-la em ti,
encanto,
sem
avisar,
feito
morte,
feito
arte,
qual
pintura de amor.”
Das
duas uma: ou o português se acostumava ao clima brasileiro, ou regressava a
Portugal sem concluir a pesquisa. Reclinou-se pela terceira vez na poltrona
empoeirada e ficou calado. A artista logo reclamou sua ausência.
_Olá
senhor, vai alugar o quarto ou não?
_Pode
ficar minha senhora. Só não se esqueça de me devolver a mim depois que acabares
sua exposição.
Bernardo
G.B. Nogueira
Conselheiro
Lafaiete- primavera – 2012.
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