sábado, 3 de março de 2012

Paisagens


Paisagens

Quando encontrei aquele velho pela primeira vez, nem mesmo percebi a cor de suas rugas. A estrada que escorria por entre nossos olhares retirou uma provável aproximação. Foi apenas um momento como todos esses que corriqueiramente nos envolvemos sem querer. Sem intenção. O velho olhou e eu também. A direção dos nossos olhares é que fez com que encontrássemos. Mas o calor que derretia a estrada não permitiu que dialogássemos.

A próxima esquina. Aquela mesma esquina que já era minha velha conhecida tornara-se mais distante e desconhecida. Quanto paradoxo significa dizer que uma esquina velha conhecida se torna desconhecida. Até cumprimentei o senhor que tocava flauta sempre naquela mesma esquina. Mas me parece que ele mudou o tom. Por um momento penso que esse problema que acomete as pessoas distraídas havia tomado conta de mim. Será que aquela esquina conhecida também havia sido transformada pelo calor que derretia a estrada que não permitiu o diálogo com o velho de olhar enrugado e sem cor?

Procurei não olhar para trás. Mas por mais que não mirasse o horizonte que restava, por dentro havia um cheiro do que vivi. Esse odor me transportava para a esquina conhecida e todos os maus e bons agouros que nela já vivi. Os meus passos se confundiam com o excesso de rimas dentro das minhas lembranças. Talvez devesse pausar para um café e tentar escrevinhar alguma coisa. Essa forma de terapia não cobra um aperto de mãos e um pagamento ao fim da sessão. Simplesmente posso jogar o papel no lixo. Simples como esquecer uma canção sem sentimento. Insignificante como dormir em noite sem sonho e luar.

Hesitei como um palhaço sem graça. O palco se transformou em um turbilhão de palavras imediatas e o velho sumiu de minha vista. É claro que não olhei para trás. Apenas imaginei o velho e suas rugas a se distanciarem do meu olhar interrogador e perdido entre uma esquina velha conhecida e os antigos sentimentos e cheiros desconhecidos. Todos guardados em uma caixa de coisas inéditas. Essa caixa é difícil de compreender. Assim como o olhar derretido do velho. Assim como a rua enrugada que atravesso todos os dias, mas que hoje em dia não reconheço.

Entre a fumaça do cigarro e nada, a nostalgia da esquina. Não interrompi a caminhada e quanto mais ao longe me perdia entre as pessoas, mais perto do velho eu me tornava. Despedi-me do porteiro do hotel que sempre acendia meu cigarro. Ele sempre dizia que era uma honra poder servir. Nunca entendi essa frase. Eu só queria fumar. Ele só queria acender o cigarro. Mas os olhos dele nunca acompanhavam o lume do isqueiro. Pareciam mais preocupados com a direção da fumaça. Logo que ele acendia meu cigarro, acendia também o seu. Nossas fumaças se encontravam. Eu me despedia dele.

Quando dobrei a esquina derretida pelo calor, o velho estava deitado sobre a calçada que ainda não se havia derretido. Havia um toldo a lhe cobrir do sol. Penso que ele estava à minha espera. Minha e do sol. Por certo não queria se derreter. A paisagem se transmutara e o velho já se havia incorporado à estrada disforme e à esquina conhecida.
Olhei meus olhos pelo espelho do café que já também era parte da paisagem. Nada de mais. Eram apenas meus olhos. Sem rugas. O velho, contudo, mantinha-se enrugado e sereno a me observar. A rua continuava a se derreter por causa do calor. Daqui a pouco o velho poderia descer como lava pela estrada, eu também. Caminhei apressadamente para não me confundir com aquela paisagem estranha. O velho me chamou pelo nome. Não olhei pra trás. Não queria olhar para nenhum espelho.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – 26/02/2012

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