Não
estava ali
Sempre eram tardes de luz povoadas de raios e sol. Um fel escorria do peito
do homem que não queria morrer. Apenas uma vontade de estar ali e não perder
nem um dos traços da mulher que acenava com a mão e que tinha sempre os cabelos
presos em jeito de menina. O dom de olhar p’ra trás assolava seus olhares
futuros. Tal qual som de harpas antigas, eram os flertes com que conseguia
respirar, nem ousava falar alto. Isso para não acordar as ninfas que escreviam
a história com acordes alucinantes.
Do outro lado da rua também havia uma outra espécie de vida. Até parecia
que os raios daquele sol eram os mesmo para todos, assim como as gotas da chuva
e o mato que esvoaça com o vento. Mas na outra margem, a mulher tinha os
cabelos soltos e havia até um sorriso, sem nenhum vestígio de melancolia ou
vontade de passado. Quanta vida há escondida por trás daqueles que não sorriem.
O marido da mulher que tem os cabelos soltos sempre acaba de chegar. É prudente
não observar seus cabelos quando ele chega. O homem sequer olha para os cabelos
dela, tampouco meus olhos de cor desbotada.
As crianças que assoviam canções mentirosas eram a realidade mais bonita
deste regaço. Seus pinotes em direção a qualquer coisa não podiam ser
entendidos nem pelo homem que chega afoito do trabalho, nem pela mulher que só
olha para o futuro e mantém sempre o cabelos soltos. Ficam sempre presos pelo
sol que não chega a dormir. Enquanto ele está alto no céu a vida nem corre. O
vizinho joga o lixo fora e com ele todas as coisas que não ousou criar. A vida
dele devia ser bem organizada.
Há também um homem que tem sempre as janelas abertas e olha para o
presente. Parece que suas mãos não se cansam de agradecer seu dom de trabalhar
incessantemente - com ou sem sol. Parece que ele não vê nenhum estranhamento
entre as mulheres da rua. Uma com os cabelos soltos, a outra com os cabelos
sempre presos. Ele não as observa por detrás das máquinas com as quais dialoga
todos os dias. Dia e noite. Desce as escadas olhando com um sorriso cor de certeza.
Quase mentiroso. Ele não escuta os pinotes das crianças. Ele vive no presente.
Em um momento o casal de idosos parece entrever todos os acontecimentos da
rua. Eles nunca se surpreendem e sempre têm frases do tipo – “A vida é assim
mesmo. – Quando crescerem, em outro tempo, irão mudar de atitude.” E isso lhes
confere um grande crédito em relação aos olhares – tanto da mulher sempre com os
cabelos soltos, como daquela que tem os cabelos sempre presos. O marido da
mulher com o cabelo solto não sabe da existência dos velhos. As crianças fazem
troça da calmaria deles. Mas eles olham para um direção que ainda não consegui
descobrir. Os olhos deles pareciam não ter fim.
Depois de sentir todos esses olhos, fiquei preso no muro que divisa minha
casa e a rua. Meu olhar saia de dentro de minha imaginação. Olhar para trás era
uma forma de buscar inspiração para a próxima paisagem que eu criaria dentro de
minhas fantasias. Todas aquelas ações eu precisei inventar, pois nunca morei
naquela rua e nunca conheci aquelas pessoas. Só precisava ver algo, do passado,
do futuro e do presente, talvez. Mas minha casa nem sequer tem muro.
Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – 18/02/2012
Ameei...muito bom! Adoro contos,devia escrevê-los com mais frequência!
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