Paisagens
Quando encontrei aquele velho
pela primeira vez, nem mesmo percebi a cor de suas rugas. A estrada que
escorria por entre nossos olhares retirou uma provável aproximação. Foi apenas
um momento como todos esses que corriqueiramente nos envolvemos sem querer. Sem
intenção. O velho olhou e eu também. A direção dos nossos olhares é que fez com
que encontrássemos. Mas o calor que derretia a estrada não permitiu que
dialogássemos.
A próxima esquina. Aquela mesma
esquina que já era minha velha conhecida tornara-se mais distante e
desconhecida. Quanto paradoxo significa dizer que uma esquina velha conhecida
se torna desconhecida. Até cumprimentei o senhor que tocava flauta sempre
naquela mesma esquina. Mas me parece que ele mudou o tom. Por um momento penso
que esse problema que acomete as pessoas distraídas havia tomado conta de mim.
Será que aquela esquina conhecida também havia sido transformada pelo calor que
derretia a estrada que não permitiu o diálogo com o velho de olhar enrugado e
sem cor?
Procurei não olhar para trás. Mas
por mais que não mirasse o horizonte que restava, por dentro havia um cheiro do
que vivi. Esse odor me transportava para a esquina conhecida e todos os maus e
bons agouros que nela já vivi. Os meus passos se confundiam com o excesso de
rimas dentro das minhas lembranças. Talvez devesse pausar para um café e tentar
escrevinhar alguma coisa. Essa forma de terapia não cobra um aperto de mãos e
um pagamento ao fim da sessão. Simplesmente posso jogar o papel no lixo.
Simples como esquecer uma canção sem sentimento. Insignificante como dormir em
noite sem sonho e luar.
Hesitei como um palhaço sem
graça. O palco se transformou em um turbilhão de palavras imediatas e o velho
sumiu de minha vista. É claro que não olhei para trás. Apenas imaginei o velho
e suas rugas a se distanciarem do meu olhar interrogador e perdido entre uma
esquina velha conhecida e os antigos sentimentos e cheiros desconhecidos. Todos
guardados em uma caixa de coisas inéditas. Essa caixa é difícil de compreender.
Assim como o olhar derretido do velho. Assim como a rua enrugada que atravesso
todos os dias, mas que hoje em dia não reconheço.
Entre a fumaça do cigarro e nada,
a nostalgia da esquina. Não interrompi a caminhada e quanto mais ao longe me
perdia entre as pessoas, mais perto do velho eu me tornava. Despedi-me do
porteiro do hotel que sempre acendia meu cigarro. Ele sempre dizia que era uma
honra poder servir. Nunca entendi essa frase. Eu só queria fumar. Ele só queria
acender o cigarro. Mas os olhos dele nunca acompanhavam o lume do isqueiro.
Pareciam mais preocupados com a direção da fumaça. Logo que ele acendia meu
cigarro, acendia também o seu. Nossas fumaças se encontravam. Eu me despedia
dele.
Quando dobrei a esquina derretida
pelo calor, o velho estava deitado sobre a calçada que ainda não se havia
derretido. Havia um toldo a lhe cobrir do sol. Penso que ele estava à minha
espera. Minha e do sol. Por certo não queria se derreter. A paisagem se
transmutara e o velho já se havia incorporado à estrada disforme e à esquina
conhecida.
Olhei meus olhos pelo espelho do
café que já também era parte da paisagem. Nada de mais. Eram apenas meus olhos.
Sem rugas. O velho, contudo, mantinha-se enrugado e sereno a me observar. A rua
continuava a se derreter por causa do calor. Daqui a pouco o velho poderia descer
como lava pela estrada, eu também. Caminhei apressadamente para não me
confundir com aquela paisagem estranha. O velho me chamou pelo nome. Não olhei
pra trás. Não queria olhar para nenhum espelho.
Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – 26/02/2012
B, MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!
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