terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ah, uma poesia em espanhol!

Ah, uma poesia em espanhol!

Queria muito ter escrito um poema na língua espanhola. É um jeito mais afetivo de encontrar-se com o outro, esse jeito apressado e carinhoso de dizer. Não estava em suas intenções escrevê-lo, mas uma mirada de olhos em meio à efusão de pessoas com sotaques variados acabou por criar uma vontade que não cabia em seu verbo maldito. Em sua boca fechada. Em seus olhos de procura.

Bastaria um dicionário e as coisas estariam resolvidas. O poeta estava agora entregue a um mar de leitores que se estendia para além da língua portuguesa que Camões cantou e Fernando Pessoa eternizou em suas criações. Contudo, ela não havia sido compartida em tantas bocas como o lastro do pensamento em língua dita por Garcia Marquez e poetada intensamente por Lope de Vega.

Por suposto, não há como medrar em intensidade se tal ou qual expressão alcança mais ou menos o coração. É certo apenas que a inquietude da língua espanhola, adocicada com um sem fim de afagos de timbres, acabara por despertar um sentimento ainda antes não presenciado. Como seria amar em língua espanhola? O poema que se queria escrito variava por entre a dúvida que empalidecera seu português bem escrito. Talvez a ideia da novidade, e, por conseguinte, da fugacidade do momento, pudessem explicar essa querência insistente. Mas, depois de averiguar o porão de seu espírito, acabara por encontrar um coração que pulsava agora em outra margem, outra língua.

Foi em dúvidas a bailar por entre sua tentativa que parecia corroer internamente como uma doença que mata sem avisar. Daí que outro sentimento aparecera, medo. Será que medo é sentido assim também em outra língua? Foram tantos os goles de uma bebida não portuguesa que as perguntas lhe apareciam como os raios do sol em um dia de verão, não no Rio de Janeiro, mas em solo de língua espanhola. Quantas questões, e o par de olhos já se havia ido embora. Sem um dizer, sem um querer. Apenas um afago sem sentido que tomou o leme de toda a sentimentalidade.

E se as rimas não conversarem? E se rimar em português for mais fácil porque a língua é mais presa? Mas seria Drummond um cara simples? Se fosse assim, como Florbela saira de Matozinhos para ganhar o mundo? Será que é por isso que não temos muitos filósofos em língua portuguesa? O alemão também é preso, aliás, ele não se solta em nenhuma ocasião! É, os amantes não são bons alemães, ou melhor, era para dizer o contrário, mas parece que está claro.

Clareza, essa palavra tão bendita em detrimento daquilo que é oculto. Como um irmão mais bem sucedido em face do outro intelectual e pobre. No entanto, com que autoridade essa clareza do português, que me explica tão claramente as coisas pode-se sobrepor à minha ignorância em face do espanhol? Já é outra questão que o próximo gole não me irá explicar, penso.

Daí que a vontade de escrever o poema em língua espanhola se via esvaindo à medida que me encontro com minhas tão queridas palavras em língua portuguesa. Saudade. Tomara que não seja aquele respeito que nossa história nos impõe normalmente o que está por trás desta trama que me deixa à vontade com a língua materna. Espero que não seja por lembrar dos nacionalistas enfadonhos que querem nos roubar a possibilidade de repensá-los e criar algo que os supere, mesmo que em língua portuguesa. E o português, não é belo? Sim, é belíssimo, sobretudo quando se dispõe dos mecanismos que des-aprendemos na escola. Como é bom se comunicar com um silêncio em português!

Acho que minha escrita em português está fincando longa. Depois dizem que as pessoas que escrevem nesta língua são prolixas. Aliás, que palavras feia essa tal de prolixa. A intenção era escrever um poema em língua espanhola, para armar – amar - com toda a pureza o sentimento que aquele par de olhos tornou. Mas de que serve a língua espanhola ou portuguesa? - se o amor não compor sem rimas a incerteza que o faz um deus?

O poema em espanhol não haverá! Não há conhecimento para tanto. Contudo, mesmo “depois que a festa acabou”, e que a língua espanhola não foi alcançada, farei fogueira do dicionário para cantar sob a luz de suas labaredas todos os amores que senti, sejam eles em língua portuguesa, sejam eles em silêncio de ignorância espanhola.

Bernardo G.B. Nogueira
Buenos Aires

Um comentário:

  1. "(...)farei fogueira do dicionário para cantar sob a luz de suas labaredas todos os amores que senti, sejam eles em língua portuguesa, sejam eles em silêncio de ignorância espanhola".

    Então, apenas sinta, depois cante!!!

    ResponderExcluir