Tarde-manhã
Tenho sempre que escrever
coisas. Não sei bem o porquê disso. Das coisas e da escrita. Só sei mesmo é que
são coisas e são palavras. Talvez seja mais uma tolice pensar no que são ou poderiam ser palavras e coisas. Se
se identificam, aparece outro mistério que não hei de descobrir nessa minha
existência entre as letras e as coisas. Ah, e eu só não escrevi entre as
palavras e as coisas para que as pessoas não pesassem que eu estava de alguma
forma a querer me referir ao Michel Foucault. Não, definitivamente não seria
correto pensarem isso de mim. Esse é outro enigma que se me aparece nessa
tarde-manhã de outono. Que coisa mais bela são essas tardes que não se
desgrudam das manhãs. Quiséramos nós que sempre fosse tarde-manhã e sempre
também fosse esse outono que não sai de mim. Quando falo não sai de mim também
não quero fazer alusão indireta à musica que fala de saudade.
Bom, sei bem que escrevo coisas
em formas de palavras. Que é uma tarde-manhã da estação que mais gosto e que
ficar sozinho é muito mais fácil que acompanhado, ao menos não precisamos dar
palavras a ninguém e podemos escrever palavras sobre coisas. Mesmo sem saber o
que são e o que hão de ser. Quanta coisa boa deixamos de aprender quando
aprendemos. Essa coisa de saber o que são as coisas é coisa muito chata e que
os adultos nunca deveriam fazer com as crianças. Quando elas não sabem,
inventam, e os inúteis dos homens adultos ficam buscando palavras para dizer
das coisas, e quando encontram as palavras ficam querendo saber o que seriam as
coisas senão sinônimas das palavras que criaram para elas. Realmente é mais
chato que eu poderia pensar essa coisa de entender.
Parece que quando queremos
encontrar uma realidade que se torne passiva às nossas compreensões fica tudo
mais difícil e também menos interessante. Se acaso as pessoas tentassem
entender por que essas palavras e por que essas coisas, duvido muito que
entenderiam qual o real motivo pelo qual escrevo. Inventariam uma teoria
maravilhosa que conseguiria encontrar abstrações tamanhas que os faria a eles, ingenuamente,
entender o que estava a figurar por trás da tal escrita, das palavras e das
coisas. Advirto, não me estou a referir ao Foucault - e não que ele não seja
uma pessoa a quem fosse interessante referir. Mas quero somente me referir a
palavras e a coisas. Sem que o entendimento delas seja buscado e muito menos
que essa possibilidade seja almejada. Quero só o infinito dos meus olhos que
nem se atrevem a abrir as cortinas. Se abrisse a cortina todo esse mistério
poderia se acabar e aí seria eu mais um adulto que sabe que não existe
tarde-manhã e que se habitua ao relógio. Isso estaria diretamente ligado à
minha impossibilidade de amar. Porque amar sem mistério é como irrigar jardins
de pedras.
Daí que é esplêndido escrever
sem estar comprometido com essas pessoas que sabem de tudo e cobram referências
para o que escrevemos. Inclusive, as referências deveriam ser abolidas da
escrita. E olha que me referi ao Michel Foucault. Mas o fiz para dizer que não
estava me referindo. Como são bons os paradoxos. Aliás, esse é outro problema
que enfrentamos. Não podemos ser paradoxais, sob pena de um diagnóstico bem
referenciado de bipolaridade. Que coisa boa seria se as pessoas fossem menos
unipolares como os pesquisadores que destrincham as ideias de um autor e
sentem-se bem por isso. Sinceramente, dever-se-ia chamar a atenção dessas
pessoas: Olhem! Respeitem os mortos! Criem! Mas talvez isso seja explicado para
dizer que a história daqueles que se foram e pensaram deve alimentar nosso
pensamento. Então, mais uma vez eu insistiria na subversão do furto.
Furtaríamos a história deles e faríamos a nossa própria. Sem citações e sem
referências. Talvez o mundo se tornasse mais novo se não houvesse tantas
referências, sempre tão precisas, tão contextualizadas e tão bem colocadas.
Essa bem colocância poderia ser
trocada por uma inventância. O
sentimento de saudade poderia passar a significar outra coisa se nos
permitíssemos a isso. Desculpem, não quero usar meu texto para dar conselhos e
inventar outra forma de falar das coisas. Se eu fizesse isso estaria me
portando como os que citam, os que referenciam e se esquecem de esquecer e de
inventar.
Sei que não abrirei a cortina.
Não estou a me preocupar de nenhuma maneira com o entendimento do lance das palavras
e das coisas. Menos ainda se é tolice ou não escrever apenas para dizer que não
me importo. Importa a mim esquivar os olhos da luz e não procurar. Pois quem
procura acha. E, eu, eu não estou a fim de encontrar. Que me saiba bem os
desencontros e também os encontros. Com choros e sem eles também. Com todos os ingredientes
que não fui eu que coloquei. Que sejamos achados e menos encontrados. Que em um
dia em que não abrires a cortina, não fiques com receio por não teres sabido o
que aconteceu. Isso por um motivo simples. Na verdade, não acontece nada. Só
acontece se o seu coração for um cérebro e não um coração, porque quando o
coração é coração, não acontece, não existe verdade e menos ainda mentira. A
coisa que sai do coração não tem palavra não. E ela não se dá a isso também
não. Por isso senhor adulto, gentileza não querer me explicar, eu não estou a
fim de você e de seus saberes. Deixe-me aqui com meus sonhos e todas as minhas
mentiras. Com todas as palavras que não sei o que são, com todas as coisas que
não sei o que serão nesse dia que é tarde-manhã e no qual resolvi escrever para
mim e não para o seu entendimento. Resolvi escrever porque dentro de mim tem um
monte de mundos sem explicação, porque dentro de mim tem um coração. Mesmo que
não exista o outro lado da cortina, o outro lado da retina ou uma tarde-manhã.
Bernardo G.B. Nogueira
Outono – tarde-manhã
Você é ótimo em crônicas, ou textos, ou escritas, ou sei lá como se chama...
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