Flor
Flor, porque você é mesmo uma
flor. Como eu quero ver todo dia essa flor. Chamar flor, e mesmo que não seja
atendido com outra voz, que seja flor em silêncio. Porque até sem falar ainda é
flor, porque flor não precisa falar, só ser flor mesmo já está bom, porque o
cheiro da flor já diz tanta coisa que se ela ainda falasse iria conquistar o
mundo. E essa coisa de conquistar mundo também não passa pela cabeça de uma
flor. O mundo é ela mesma e não teria razão para querer conquistar a si mesma.
E também porque o mundo já está cheio de pessoas que querem conquistá-lo.
Porque flor que se preze não fica com acaso por causa de um mundinho qualquer,
no máximo, deixa um rastro de cheiro e logo volta à sua formosura e desdém em
relação ao mundo. Porque o mundo é que precisa conquistar a flor, não é? Sem o
mundo ela ainda é a mais bela flor, mas sem ela o mundo nem tem mais cor.
Porque ainda que mundo houvesse sem flor, ninguém ousaria pensar que não era um
mundo menor pela falta da flor. Porque também ela simplesmente brota no campo
ou no jardim e depois fica a deixar os outros apaixonados por e através dela.
Porque o amor sai de suas pétalas e toma o nosso olhar, e “ai” de quem não se
curva diante da flor, sai espinhado. Porque ela é brava também, como tem que
ser tudo que é imprescindível. Nem dá para se importar quando a gente erra o
caminho a pensar na flor. Aliás, acabo de descobrir outra face da flor, ela
serve para desviar caminhos. E como seria essa vida sem os caminhos desviados?,
iríamos todos para o mesmo rumo e sem sequer ver uma flor ou mesmo tê-la em
mente. Nosso pensamento além de tudo depende da flor, porque sem ela seria como
não precisar levantar-se da cama ou abrir os olhos. Seria chato abrir os olhos
e não ver a flor, e é impossível viver sem que tenha uma flor. E essa flor, também
é muito misteriosa, porque tem a cada primavera uma pétala que não se viu na
outra, e aí ficamos apaixonados sempre e a cada primavera pelas novas pétalas e
pelo cheiro novo que aparece sempre e mais forte de manhã. Além de tudo, as
manhãs também só têm todo esse charme porque as flores abrem um sorriso para
elas. Porque sem flor também não há manhã que aguente acordar todo dia. E os
dias só tem alguma chance de sobreviver, se porventura tiverem dentro de seus
minutos, longos momentos em dedicação à flor, porque senão ele vai ficar tão
vazio que logo cansará e ficará a implorar para que venha logo a noite. Porque
a noite já se rendeu à flor, ela deixa tudo mais escuro para que o cheiro da
flor possa ser sentido de maneira mais clara. A noite é escura para que os
odores da flor possam passear por entre ela sem serem percebidos. É porque a
flor é também uma forma de existir quase enigmática. Ela não fica por aí se
mostrando para qualquer. Tem que ter olhos e olfato sensível, senão não vê,
senão não flutua e não sente. Daí que para um dia perceber o que uma flor quer
dizer, realmente é preciso mais que um olhar apurado e um ouvido aguçado. Tem
mesmo é que largar de lado a razão. É precisamente por causa disso que a flor
aparece. Porque ela é também irracional e prefere um louco a roubá-la do que um
são que quer comprá-la. Porque ela não se vende. E é por isso que em algumas
vezes ganha-se flor sem ganhar. De vez em quando a ornamentação com flor fica
parecendo uma coisa cheia de nada e sobrando tudo. Isso é também pela face
subversiva da flor. Ela aparece quando o relógio não interessa e quando o
horário já foi perdido. Quando a grade da casa é grande ou quando o muro é
alto. Porque para chegar perto tem que ter insanidade de poeta e toda a falta
de medo e razão que só quem é apaixonado por uma flor poderia ter. E toda essa
aventura da vida só tem sentido se no fim do arco-íris tiver uma flor à sua
espera, porque se você não colorir o caminho, ele não será arco-íris, e muito
menos terá uma flor ao final à sua espera. Porque flor não espera e arco-íris
não existe. Só existe sonho e só existe criação. Quem souber pintar invente e
quem souber plantar que viva. Porque flor...
Bernardo G.B. Nogueira
Outono – Itabirito.
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