Pra
nascer tem que chorar
Inicio
essa prosa com um pedido de desculpas, pois mais uma vez a questão da violência
e sua legitimização me obrigam a tornar à pergunta: o que difere a violência
institucional, da violência não institucional? A mim me parece evidente a
resposta, portanto, tentarei dar os motivos nas linhas que seguem.
O
pretérito-imperfeito é uma forma verbal que indica uma ação amparada por uma
condicionante, exemplo: “nós não queríamos”, mas, contudo, no entanto...E esse
tempo verbal é um dos mais utilizados nestes dias de revolução que escrevem um
capítulo autêntico na história do país.
Existem
vários problemas além desse do tempo verbal anuciado, mas por ora, ficaremos
nele. Assim, quando percebemos a repórter do telejornal a dizer que havia um
número “x” de manifestantes, enquanto, em verdade, havia o dobro de pessoas. E
também quando assistimos às “nomeações” criadas, as imagens selecionadas e os
repórteres e apresentadores a se posicionarem a favor da manipulação e seleção
de imagens exibidas, parece-me que começamos a desvendar por que esse é o tempo
verbal mais conjugado nesse momento. Ora, é um tempo que sempre está amparado
em uma condicionante, uma justificativa, e para ser mais explícito, uma “desculpa”.
Essa ação, no caso, eximiria (?) o autor das atitudes amparadas por esse tempo
verbal. Portanto, observemos que o repórter precisa dizer a notícia que o chefe
de redação configurou, sob pena de ser despedido. Então, diz-se “eu menti, mas
não queria.” Participei da montagem das imagens que não mostravam a situação
real e sim aquela que desfavorece quem luta a favor de direitos constitucionais
violados pelo estado a serviço de um organismo internacional, “mas, não queria”.
Do
mesmo jeito, escutamos aqueles que repreendem os manifestantes a dizer que
estão a cumprir ordens. Apenas estão a defender o patrimônio público. Apenas
querem manter a ordem. Contudo, o tempo verbal é o mesmo: “Não gostaríamos, mas
fomos obrigados”. “Não queríamos, mas recebemos ordens”. “Não queria, mas estamos a defender os interesses
do estado”. Assim, em uma breve análise, percebemos que os atos que impedem a
construção de um novo paradigma se fundam em argumentos “imperfeitos”,
justificativas vazias. Ora, se somos livres, podemos não querer fechar os olhos
para os abusos cometidos e deixarmos as condicionantes pra trás e tomarmos uma
posição realmente justa. Pois parece cômico, se acaso não fosse trágico, o
estado declarar-se a favor das
reivindicações, mas, no entanto, determinar como, quando e onde elas se
realizarão. É uma contradictio in
terminus dizer que há uma revolução, que haverá mudanças, se as amarras
estão ainda tão bem estabelecidas. A fluidez dos reclames e a liberdade de
realizá-los não podem ser determinadas.
Uma
revolução inicia-se como o amor, sem saber quando, e vai dar, também como o
amor, em locais que ainda estão por inventar. Por isso, insistimos, a repressão
do estado e a delimitação em face do modus
de fazê-la, seria, desde já, entregar uma cartilha de como manifestar.
Assim, tudo restaria dentro do mesmo discurso. Prisão na linguagem, na ocupação
do espaço e da face simbólica que fica evidente quando o estado mantém em suas
mãos o controle daquilo que nasceu para não ser controlado. Nesse sentido, é
evidente que quando as passeatas são proibidas violentamente de avançar, com o
discurso, no mesmo pretérito-perfeito: “não gostaríamos de fazer isso, mas há
ordens a serem seguidas...”, está-se a impedir que ela se concretize, que
alcance seu sim. E os limites continuam estabelecidos. Nesse caso em específico,
parece-nos que a justificativa mais uma vez é paradoxal: pois temos um aparato
policial que diz defender os interesses do estado, da polis. Mas a polis é o
povo que quer passar, assim, pergunta-se: o interesse ali defendido é mesmo o
da polis? Se sim, não vivemos uma
democracia, pois a maioria esta na rua, talvez uma oligarquia. Se não, como
resta evidente, precisamos redobrar a atenção, pois o povo tem direitos
constitucionais sendo esquecidos, e quando isso ocorre, necessariamente estamos
em vias de um golpe. Ou, na melhor sic das
hipóteses, estamos vivendo uma democracia falaciosa.
Não
posso dizer sobre as individualidades envolvidas, sabemos apenas que há a
criação das “nomeações”, artifício ardiloso que cria um problema enorme em
relação aos que nele são envolvidos. Vejamos: quando um lado nomeia o outro de “vândalo”
e se arroga no cargo de protetor do estado, a singularidade da pessoa se perde,
e então, todos os atos são justificados e justificáveis- pelo fundamento místico
da lei, a autoridade. Assim, a violência exercida contra quem é posto nesse
coletivo resta sempre, a priori, justificada:
nós, defensores da ordem, eles, “vândalos” e “baderneiros”.
Contudo, além da advertência do uso desses ardis lingüísticos e ideológicos,
quando a nomeação aparece, os direitos também são esquecidos, dai é como dissemos, cria-se um verdadeiro estado
de exceção em face deles, os nomeados.
Como
falamos de linguagem, queria convidar a pensar sobre a palavra liberdade. Por certo
que aqui a idéia é um conceito alargado do termo, que compõe, desde uma simples
liberdade de locomoção – que esta restrita em determinados locais e em
determinados momentos – até o exercício da liberdade de expressão - não tão em
voga, apesar de insistentemente algumas emissoras de televisão e os organismos
do governo afirmar que respeitam essa liberdade. Sim, respeita-se, desde que
não saia “da linha”. Portanto, efiro-me à liberdade de uma prisão ideológica em
que o humano desde sempre habita. Nesse caso, ser-nos-á impossível uma
liberdade total, uma vez que sempre estamos habitando o mundo pela linguagem e
ela nos condiciona, contudo, podemos ser criativos e ousarmos inventar. Dai que
imagino nascer uma possibilidade. Nesse caso, nossa idéia, é superar esse
limite moral que é imposto pelo uso do pretérito-perfeito que esconde o
fascismo por trás de algumas ações e fazer com que o tempo verbal seja outro: o
tempo verbal da revolução, do novo tempo que vem. Nesse momento, não haverá
ordens que justifiquem uma ação contraditória, vil, injusta, opressora e
covarde. Não haverá mais que fingir ser possível os conceitos de estado e
democracia serem mencionados separados do povo, da vontade do povo. O poder,
aliás, como dito na constituição, “emana do povo”.
Esse
povo não pode ser repreendido sob as argumentações falaciosas que dissemos
acima, pois defender o estado é defender o povoe e não querer determinar suas
ações como se não tivessem autonomia para tanto. As pessoas sabem muito bem o
que querem. Em especial agora, não querem ser repreendidas em suas casas - que
são as ruas - por força de interesses escusos aos deles mesmos enquanto povo.
Referimos aos ditos “perímetros fifa” sic,
sic, sic. Respeitar esse perímetro é desrespeitar nossa constituição, nossa
soberania.
Para
encerrar essa prosa, pedi desculpas por mais uma vez perguntar sobre a
violência institucionalizada e a não institucionalizada. Quero esclarecer que a
violência que referimos como institucionalizada não é apenas aquela que os
manifestantes sofrem no front, dizemos
também da violência “simbólica” exercida pelo mercado que tudo corrompe. Da
violência das políticas públicas não realizadas. Violência dos representantes
do povo que dão ordens contra o povo, que desviam verbas e que não têm nenhum
compromisso com a polis. Violência de
um monopólio midiático que de maneira vergonhosa manipula dados e engana – quer
enganar – as pessoas. Violência quando vemos o descaso com os professores.
Quando vemos os parlamentares a viverem apenas para sustentar seus currais
eleitorais sem discutir os problemas da nação. Vandalismo quando se vivencia
uma democracia irreal, surreal, melhor dizendo. Vandalismo quando licitações
são superfaturadas e determinadas antes mesmo de serem criadas. Vandalismo quando superlotam presídios,
quando querem aumentar penas, diminuir maioridade penal. Vandalismo quando nos furtam
a infância e nos relegam a uma vida adulta marginal. Vandalismo quando a
própria cidade nos oprime e nos discrimina. Vandalismo quando trabalhamos meio
ano para pagar impostos e nunca mais vemos esse dinheiro. Vandalismo quando
falamos em coeficiente eleitoral. Vandalismo quando depredam nossa identidade e
nos relegam a uma existência inautêntica. Vandalismo quando investimos em
grandes eventos, que só fazem criar mais exclusão. Vandalismo quando furtam a
educação e assim, matam a possibilidade da criação.
A
educação é mesmo necessária, sobretudo para percebemos que o tempo verbal pode
mudar um país: permitindo uma revolução ou realizando um golpe. Num passado não
muito distante, soldados nazi se
justificavam perante o tribunal de Nuremberg dizendo que estavam a seguir
ordens hierárquicas dentro de sua corporação. “Não gostariamos, mas...porém,
contudo, todavia e entretanto, mataram”. Dai que junto de um novo tempo verbal,
aquele tempo “que vem”, dever-se-ia inserir uma libertação ideológica, para
assim, sairmos de uma existência que não se quer digna do humano. Porque não
inventa, porque não cria, porque não sente. Porque criar, inventar e sentir,
não são da ordem destes tempos que temos à disposição, por isso temos que
experimentar o novo. O novo não esta no que já foi dito ou no que é estipulado,
o novo, ah, o novo é aquilo sobre o
qual não sabemos dizer, aquilo que não pode seguir apenas o determinado. Posto
que cada ato de revolução é um ato de nascimento de novidação. E como os partos, até podemos prever o dia que ocorrerá,
mas as lágrimas que lhes brindam, estas são da ordem do tempo que estou a
dizer, aquele que ainda não existe, e que espera todos os dias dentro do humano
para viver.
B.
direto
do front
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