ENTREVISTA COM O AUTOR BERNARDO G. B. NOGUEIRA
“O que me faz continuar é a possibilidade de inventar. Seja
isso o que for.”
Por Rodrigo Perini*
O autor mineiro Bernardo G. B. Nogueira – presente na “Antologia
de Poetas Brasileiros Contemporâneos” – é um ser totalmente admirável e
intrigante que racionaliza sentindo e que sente intensamente. Sua capacidade de
"construir junto" mostra como é intrigante compartilhar de seus
pensamentos e estudos e chega a deixar uma certa ansiedade à espera de suas
respostas feitas nessa entrevista exclusiva.
Rodrigo Perini – No seu
livro, existe “Dois Olhares Sobre Florbela Espanca”, o que mais o atraiu para a
composição dessa obra?
Bernardo G. B. Nogueira – Na verdade esse livro é uma
relação amorosa. Primeiro com a cidade de Coimbra, onde morei enquanto fazia o
mestrado, depois em relação à poesia de Florbela Espanca, e mais tarde quando
retornei ao Brasil, pela musicalidade que meu parceiro no livro, o cantor e
compositor Marcos Assumpção colocou pra cantar os versos de Florbela em seu cd
intitulado “A flor de Florbela”. Então, o livro é uma relação dionisíaca com a
poesia, com o amor, com a música e que teve na minha amizade com o Marcos um
bom local pra ser parido. Além disso, a verdade da poesia de Florbela me chamou
a atenção desde sempre. Quando lia seus poemas pelo pátio da Universidade de
Coimbra ou nas margens do Mondego, ou até mesmo em um café, era transportado
pra um local que só o poético nos leva. Florbela me fazia nascer a cada verso,
e eu vivo pra renascer, pra amar e tragicamente, como é a existência humana,
sofrer e sentir saudade. Apaixonei-me por Florbela e seus versos.
Rodrigo Perini – Quais
foram às descobertas mais interessantes sobre esta poetisa feminista e/ou
feminina?
Bernardo G. B. Nogueira – Florbela marcou muito essa questão
em Portugal. Foi
a primeira mulher a cursar direito. Foi uma mulher que se separou mais de uma
vez. Teve abortos. E principalmente amou. Parece que a maior conquista que miro
no horizonte feminino de Florbela é sua permissão ao amor. Essa mulher, vivendo
em um Portugal
antigo, como canta em um de seus versos, preconceituoso, machista e
intolerante, conseguiu morrer de amor. Isso foi a maior descoberta, o maior
ensinamento, a maior inspiração. Florbela pdoeria ser dita como uma heroína
trágica que em seu caminho para o fim, percorre a estrada do amor. Com toda a
força, beleza, fragilidade e rudez.
Rodrigo Perini – Em
que momento de sua vida Emmanuel Lévinas teve influência? Como se deu
essa relação?
Bernardo G. B. Nogueira – Bom, o Lévinas me foi apresentado
no mestrado em
Coimbra. Estudei alguma coisa de seu pensamento com o
professor Linhares e a professora Fernanda Bernardo. Na verdade eu estudo
autores que me fazem sentir algo, essa coisa do logos é apenas uma
parte de minha estrada intelectual, prefiro pensar com o coração. Daí que pensa
junto com Lévinas me foi permitido relacionar minhas intenções políticas, pois,
entendi seu pensamento como uma possibilidade de perceber uma relação amorosa
com o outro, e como minhas coisas se misturam, parece que há ali um algo de
linguagem poética, da construção de si pela alteridade absoluta do rosto do
outro que me ganhou na hora. Assim, pelo fato de ser um autor que rompe com uma
racionalidade moderna e castrante, e abre ao outro a possibilidade de existir,
não vejo nada mais interessante que isso para ler a situação filosófica,
jurídica, política do mundo. A alteridade de Lévinas permite a pluralidade que
restou esquecida por um pensamento hegemônico, mas que agora, emerge com força
e o arco-íris deixa de racional e monocromático, se pinta de várias cores,
vários outros e várias sensações. A razão imperial esta em decadência. Lévinas
é um autor que nos permite essa lucidez!
Rodrigo Perini – Quais
são outros autores que te inspiram, te acompanham e/ou te constroem?
Bernardo G. B. Nogueira – Os gregos foram, sem dúvida,
componentes necessários à minha formação, aliás, eles são a base do meu
primeiro livro: Ecos do Trágico, que escrevi em parceria com o Ramon Mapa.
Cervantes, Borges, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e o Guimarães Rosa são autores
necessários a mim. O Wilde também me marcou muito. Quando li “O retrato” pela
primeira vez foi mais um dia que nasci. Isso também aconteceu com o “Dom
Quixote”, com o “Livro do Desassossego” e com poesias do Pablo Neruda. A música
do Chico Buarque também me acompanha sempre. Hoje estou envolto com questões
latinoamericanas. Então, leio as coisas do Galeano, do Enrique Dussel, e aqui
no Brasil tem um professor em
Belo Horizonte, o José Luiz Quadros de Magalhães, ele diz
coisas novas, ele merece ser ouvido. Junto disso, agora, estou lendo de novo o
Nietzsche. Não poderia deixar de mencionar o Brecht, organizei uma obra
conjunta de Direito e Literatura, sairá publicada em junho, lá escrevi sobre
uma personagem deste pensador que me traz muita lucidez. Mas como sempre
necessito me formar, leio o Kafka pra perceber a realidade melhor. Outro autor
que eu citaria é o psicanalista e filósofo Slavoj Zizek.
Rodrigo Perini – Crítica,
poesia ou direitos humanos, qual trabalho é mais satisfatório? Qual é mais
intrigante?
Bernardo G. B. Nogueira – Nossa!!! Essa pergunta me deixa
paralisado. Bom, não imagino essas coisas separadas, isso é um primeiro ponto
que queria deixar claro. Veja, se perceber bem, quando leciono e escrevo sobre
direitos humanos, preciso me valer de toda ordem de critica para alcançar algo,
inclusive a compreensão das pessoas e dos alunos me geral. Estou a usar o livro Profanações do
Agamben para falar de Direitos Humanos. Esse livro me ajuda a mostrar que para
falar em direitos humanos, precisamos profanar essa idéia colonizada e
fascista que temos de direitos humanos. Sempre cito A revolução dos
bichos, só pra usar aquela frase: “todos iguais e tão desiguais, uns mais
iguais que os outros”, que o Gessinger cantou também. Nessa onda, mostro que
sempre houve uma apropriação do discurso de direitos humanos para uma imposição
ideológica, opressora e excludente. Assim, não dá pra falar de direitos humanos
sem uma idéia que não seja crítica. Não dá pra criticar sem pensar no outro, no
humano. E isso tudo pra mim é poesia pura. Critico a existência fazendo poesia
dela. Crio meus poemas pra existir, e para que essa existência tenha alguma
autenticidade, necessito não me entregar e resistir ao aparato ideológico que
nos assola e retira qualquer inspiração. Portanto, mais satisfatório e caminhar
tendo estas vertentes sempre no horizonte. Intrigante pra mim é viver sem
poesia. E viver, como diria lá no Grande sertão, “é muito arriscado”.
Viver é intrigante não?
Rodrigo Perini – O
que te faz continuar?
Bernardo G. B. Nogueira – Essa pergunta deveria ser o mesmo
que escrevem em nosso epitáfio. O que me faz continuar é a possibilidade de
inventar. Seja isso o que for. Porque não posso prever o que vou criar amanhã,
mas durmo pensando que no outro dia haverá uma ideia, isso é o que me faz
levantar da cama. Esse amor que me rodeia, a mim e as minhas palavras e atos.
Sempre carrego amor nas coisas que faço, sem hipocrisia. Amo desde meu trabalho
até o cigarro que de vez em quando fumo. Amo a tragédia de não saber qual será
meu próximo verso, minha próxima aula, o próximo olhar que ficará pra sempre em mim. A próxima história que
irei contar, é por ela que continuo. Pelo cadinho de amor que posso doar, com
minhas idéias, meus gestos, meus versos e meu silêncio.
Rodrigo Perini – Você
precisa se fechar num mundo 'particular' pra que consiga desenvolver ou é algo
quase 'fisiológico', natural?
Bernardo G. B. Nogueira – Não e sim. Não porque criamos a
todo momento, concordo com o Mia Couto quando diz que escreve todo hora. É
assim mesmo. Penso que a idéia é estar com os poros abertos. Sensível. Solícito
à vida, assim a gente escreve. E sim porque depois de alguns anos eu acabei
percebendo que em vários momentos eu tinha lá minha forma e visão bem peculiar
da existência, nesse sentido, preciso de alguns momentos com minha angustias
pra escrever alguma coisa. Do mesmo jeito, há uma pulsão, que você chamou
“fisiológica”, que também me acomete. Isso acontece sempre como uma forma de
reação ao mundo mesmo. Então, voltamos ao que eu disse. Não há uma clausura, e
há uma clausura. Não há porque o mundo escreve a gente, e há uma clausura
porque nós escrevemos no mundo e o mundo. Então essa dialética estabelecida
entre nossas entranhas e nossas “extranhas” é que faz nascer a criação. A
relação, no entanto, em meu caso, é mais dionisíaca que qualquer outra coisa.
Se não houver o inevitável, não consigo criar nada!
Rodrigo Perini – Acredita
que a mídia manipula listas de preferências ou dos "mais lidos" em
troca de benefícios econômicos?
Bernardo G. B. Nogueira – Bom, por conta de minha inclinação
de esquerda e minha preferência pela carne que pela roupa que a reveste, nunca
me liguei nestas coisas. Mas é tão evidente como imbecil não perceber isso.
Estas listas, assim como as estatísticas, criam o fetiche do consumo. Nossa,
eu, com todo respeito, acho até meio chato falar isso. Não por uma pecha de
“intelectualóide” que porventura saiba das coisas mais escondidas. Mas é que me
parece isso tudo tão evidente que acredito que as pessoas sabem disso, mas
estão tão cansadas pela tentativa de acompanhar um tempo, um estilo e uma moda
que não existem no mundo real, e por isso são inalcançáveis, que aceitam, e
vivem em um conto em que são os personagens mais insignificantes e figurantes,
mas quando alcançam uma “pontinha” na cena, já se dão por satisfeitas.
Isso de mais lido é tão real quanto dizer que um ser humano é naturalmente
melhor, que as escolhas sexuais distinguem as pessoas, que a cor implica em
algo, que a religião salva, que a tecnologia é nosso horizonte único, que o
capitalismo não morre, que a democracia é real, que o conclave não é decisão
política e que o amor é impossível.
Rodrigo Perini – O
que acha disso como autor e como professor de direitos humanos, já que a
literatura foi comercializada, vendendo informações tão próximas de um
“enlatado”?
Bernardo G. B. Nogueira – Responder isso pra você é
alimentar isso tudo. Não podemos querer destruir um muro ideológico construindo
outro. Então, não posso apenas lançar bombas, pois os caras do outro lado fazem
isso já. Uma pluralidade dialogal seria uma saída para essa carnificina
ideológica que vivemos hoje. Superar esse momento não pode ser usando as mesmas
armas que sempre foram usadas. Penso que em face dos direitos humanos, a
hegemonia é sempre danosa, desde a religiosa, econômica, política, jurídica, na
literatura, na linguagem, na poesia e na existência como um todo. Imagino que
como diria Derrida, o por vir deve ser sempre o horizonte no qual se deve
travar esse diálogo. Então, apenas criticar essa implantação de um modelo não
vai fazê-lo ruir, como disse, isso o alimenta, pois a “sociedade do espetáculo”
precisa de reclames a todo momento. Então, talvez o alarde por si só não
funcione. O que miro em meu horizonte é uma “linguagem que vem”, um “homem que
vem”, um “estado que vem”, uma “literatura que vem”, uma “existência que vem”.
Vivendo assim, o outro não resta enclausurado em minha ideologia, nem eu na
dele, e nessa interação dentro desse novo desconhecido, criamos juntos, sem
bombas. Devemos criar uma nova subjetividade, isso sim é revolução, “o resto é
mar...”
Rodrigo Perini – E
sobre a educação nas escolas e faculdades que não priorizam a leitura?
Bernardo G. B. Nogueira – Isso realmente é um ponto chave.
Apesar de ser afeito aos governos que estão à frente do país, vejo que a
questão da educação não está na pauta e nunca esteve. Penso que o Cristovam
Buarque seja uma das poucas pessoas sérias quando falamos neste assunto. É
precária a educação de um modo geral, e isso mantém algumas hegemonias. No
entanto, o acesso ao estudo melhorou significativamente. Isso é um bom dado, os
programas do governo para bolsas são interessantes e tudo que se refere à
pluralização e inserção, eu acho interessante. Isso ao arrepio de uma classe
burguesa que de maneira inexplicável por eles próprios ainda diz: “existem
alunos de curso técnico e alunos de curso superior”. Eu já ouvi isso de colegas
que lecionam no curso de direito, e como sabemos que discriminar é crime em
nosso país, penso que deveriam estar presos e respondendo por essas falas
infames, colonizadas e sem fundamento qualquer. Desafortunadamente as escolas
se volveram em núcleos endurecidos de ensino. Não ensinam nada. Querem tornar o
aluno em um próximo elemento que irá compor e sustentar um mercado. Formam-se
profissionais embrutecidos, que embrutecem suas vias, sem poesia e sem arte.
Isso sim é danoso. E tem ainda a questão do tipo de ensino uniforme, antiquado
e acrítico. Ouso dizer que a escola embrutece, formata e joga fora no mercado
de trabalho. Isso então não pode ser chamado de local de formação, mas sim,
deformação. As faculdades seguem a mesma cartilha do mercado. Ao menos naquelas
que conheço. Então, como também penso que a filosofia tem que ser engajada.
Faço minha parte com meus alunos, tento libertá-los dessa aniquilação que
sofrem desde o início de sua “escolaridade”. Há saídas, temos que nos valer
delas. Usar as mídias e falar a língua da moçada são formas de levá-los até o
que entendemos ser bom. Uma formação plural, plural, plural!!!
Rodrigo Perini – Sobre
sua participação no livro “Antologia de Poetas Brasileiros
Contemporâneos” da Coleção Literatura Clandestina, organizado por Elenilson
Nascimento, pela Editora Pimenta Malagueta? Como foi essa participação? O que
achou deste novo trabalho?
Bernardo G. B. Nogueira – O Elenilson foi uma cara que
conheci via internet. Esse novo habitat nosso. Então, li algumas coisas sobre
ele, achei um cara interessante, com ideias e atitudes de resistência a essa
massa disforme e conforme que vemos a cada dia crescer. Depois disso ele
publicou alguns poemas meus no blog PMC e agora estou aqui.
Bernardo com o seu coautor Marcos Assumpção, no lançamento do livro “Dois
Olhares Sobre Florbela Espanca”.
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