O
que é o real?
O
filme “Anônimo” (Anonymous) de Roland Emmerich restaura uma discussão longeva entre
pesquisadores de todo o mundo: trata-se da real identidade e autoria das obras
de William Shakespeare. Essa discussão encontra uma saída no filme, e é essa a
nossa senda: existiu William Shakespeare?
Na
trama que se desenvolve na Inglaterra elizabetana, é impossível não ser
seduzido por uma fotografia belíssima do inverno inglês, assim como também não
é possível se manter inerte às tramas que suscitam guerras, destroem e constroem
homens. Os interesses movem homens à busca do poder. A
rainha Elizabeth parece sentir além da neve que circundava seu reino e seu
fascínio pelo teatro a levou a esse anônimo que talvez tenha concebido William
Shakespeare.
Mas
então seria esse filme uma história que muda a história? Seria então
Shakespeare uma farsa? De alguma maneira entendemos que o filme responde a essa
pergunta de maneira positiva e negativa ao mesmo tempo. Aliás, parece-nos que
retratar a vida do maior construtor de obras para encenação nos palcos
realmente não poderia ter outra conotação, senão aquela do paradoxo, da dúvida,
da grandeza e da realidade, do humano, diria.
Quando
nos detemos ante a figura de Edward de Vere, Conde de Oxford, e suposto autor das obras
assinadas por Shakespeare, várias são as direções para as quais o filme nos
conduz. Figura politicamente malfadada. Infeliz nas escolhas econômicas. Em
verdade, um bom estereótipo de um poeta. Aliás, em alguns diálogos do filme,
muito bem construídos, a imagem do poeta, artífice de palavras e do mundo cênico
é muito bem colocado. Amante e doente da vida. Assim é a poesia. Assim foi a
obra de Shakespeare - seja ele ou não. Amar demais, sentir o vento cortar mais
que o frio apenas. Morrer em cada gozo. Viver a revolução, levá-la pro palco.
Criar a vida dentro de si em palavras, contar estória, inventar. Esse é o ponto
que queria chegar para dizer o que intriga de fato no filme.
Há uma teoria a discutir se de fato há uma
realidade ou se apenas chegamos a ela a partir dos símbolos construídos em
nossa consciência. Assim, não teríamos nunca acesso ao real de fato.
Chegaríamos apenas àquilo que nele “colocamos” simbolicamente, criando então
aquilo que se chama realidade. Nessa toada, questionamos: aquilo que existe na
mente, como suposta ilusão ou imaginação, embora não esteja expresso na
realidade tangível, não existe também de fato?
Essa
é nossa reflexão acerca da existência ou não de Shakespeare. O filme optou por
mostrar um personagem com características bastantes para um artista deste
porte. Contudo, para além dessa leitura, muito bem colocada, diga-se, propomos
uma reflexão: pois se houve Shakespeare como Shakespeare, como querem uns e se
não houve como querem outros – a nós não importa em nada. Temos a impressão de
que esse real que se nos tem sido imposto, de fato, não há. Existimos na medida
de nossa criação e imaginação. Portanto, se o lendário escritor, dramaturgo e
poeta, esteve na pele do duque ou se esteve na pele de um ator bêbado, se fora
letrado ou não, isso é desdém agora.
O que importa é
a construção, imaginação acerca de Shakespeare que pudemos fazer. Nesse
sentido, se ela aconteceu, então, o filme, dentro da teoria que aceita como realidade
também aquela imaginada, responde que Shakespeare foi aquilo que a imaginação
criou, e como com os heterônomos de Fernando Pessoa, agora poderíamos indagar
também: existiu Bernardo Soares, Fernando Caeiro ou Fernando Pessoa? Sei não,
sei só que existiu poesia, sei que existiu Desassossego
e que existiu Hamlet. Assim, to be or not to be, poderia ser exist or do not exist? That is the question!
B.
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