segunda-feira, 3 de junho de 2013

O que é o real?



O que é o real?

O filme “Anônimo” (Anonymous) de Roland Emmerich restaura uma discussão longeva entre pesquisadores de todo o mundo: trata-se da real identidade e autoria das obras de William Shakespeare. Essa discussão encontra uma saída no filme, e é essa a nossa senda: existiu William Shakespeare?

Na trama que se desenvolve na Inglaterra elizabetana, é impossível não ser seduzido por uma fotografia belíssima do inverno inglês, assim como também não é possível se manter inerte às tramas que suscitam guerras, destroem e constroem homens.  Os interesses movem homens à busca do poder. A rainha Elizabeth parece sentir além da neve que circundava seu reino e seu fascínio pelo teatro a levou a esse anônimo que talvez tenha concebido William Shakespeare. 

Mas então seria esse filme uma história que muda a história? Seria então Shakespeare uma farsa? De alguma maneira entendemos que o filme responde a essa pergunta de maneira positiva e negativa ao mesmo tempo. Aliás, parece-nos que retratar a vida do maior construtor de obras para encenação nos palcos realmente não poderia ter outra conotação, senão aquela do paradoxo, da dúvida, da grandeza e da realidade, do humano, diria.

Quando nos detemos ante a figura de Edward de Vere,  Conde de Oxford, e suposto autor das obras assinadas por Shakespeare, várias são as direções para as quais o filme nos conduz. Figura politicamente malfadada. Infeliz nas escolhas econômicas. Em verdade, um bom estereótipo de um poeta. Aliás, em alguns diálogos do filme, muito bem construídos, a imagem do poeta, artífice de palavras e do mundo cênico é muito bem colocado. Amante e doente da vida. Assim é a poesia. Assim foi a obra de Shakespeare - seja ele ou não. Amar demais, sentir o vento cortar mais que o frio apenas. Morrer em cada gozo. Viver a revolução, levá-la pro palco. Criar a vida dentro de si em palavras, contar estória, inventar. Esse é o ponto que queria chegar para dizer o que intriga de fato no filme.

 Há uma teoria a discutir se de fato há uma realidade ou se apenas chegamos a ela a partir dos símbolos construídos em nossa consciência. Assim, não teríamos nunca acesso ao real de fato. Chegaríamos apenas àquilo que nele “colocamos” simbolicamente, criando então aquilo que se chama realidade. Nessa toada, questionamos: aquilo que existe na mente, como suposta ilusão ou imaginação, embora não esteja expresso na realidade tangível, não existe também de fato? 

Essa é nossa reflexão acerca da existência ou não de Shakespeare. O filme optou por mostrar um personagem com características bastantes para um artista deste porte. Contudo, para além dessa leitura, muito bem colocada, diga-se, propomos uma reflexão: pois se houve Shakespeare como Shakespeare, como querem uns e se não houve como querem outros – a nós não importa em nada. Temos a impressão de que esse real que se nos tem sido imposto, de fato, não há. Existimos na medida de nossa criação e imaginação. Portanto, se o lendário escritor, dramaturgo e poeta, esteve na pele do duque ou se esteve na pele de um ator bêbado, se fora letrado ou não, isso é desdém agora.

O que importa é a construção, imaginação acerca de Shakespeare que pudemos fazer. Nesse sentido, se ela aconteceu, então, o filme, dentro da teoria que aceita como realidade também aquela imaginada, responde que Shakespeare foi aquilo que a imaginação criou, e como com os heterônomos de Fernando Pessoa, agora poderíamos indagar também: existiu Bernardo Soares, Fernando Caeiro ou Fernando Pessoa? Sei não, sei só que existiu poesia, sei que existiu Desassossego e que existiu Hamlet. Assim, to be or not to be, poderia ser exist or do not exist? That is the question!

B.

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