quinta-feira, 20 de junho de 2013

Dia de quê?

Dia de quê?
 
Poderia dizer que a polícia, sobretudo do Estado de São Paulo, apenas afirma aquilo que Derrida nos ensina sobre o problema do direito. Mostrar que não há diferença entre a violência institucionalizada do Estado, e aquela que não é. Seria também fácil mostrar que as grandes mídias alteram o real e criam uma realidade fantasiosa que distorce o problema e aliena as pessoas. Hoje seria talvez o caso de escrever um texto de protesto dizendo que a polícia, que ademais, é outro problema que deve ser discutido com suas hierarquias incontestáveis, esta a agredir repórteres, mostrando claramente a ideologia fascista de um estado que não aceita “quem não o aceita”.
O dia é de mostrar que diferente dessa fraude mostrada nos estádios, nosso País sustenta índices enormes de barbárie diária, com pessoas em macas de hospitais pelos corredores, mulheres e homens vivendo pelas ruas sem teto e sem comida. Acaso apetecesse, poderia dizer mesmo que nossa constituição foi afrontada por uma liminar do TJMG que obstrui nossa condição legítima de protesto, de expressão, locomoção e de descontentamento. Parece um reavivamento dos atos ditatoriais lerem aquela decisão. Um momento que se assemelha ao momento em que se instaura em estado de exceção. Logo, seria dia de dizer que nosso país passa por um grave momento de afronta aos direitos humanos. E ainda, no time da grande mídia de massa, caberia talvez dizer que existem articulistas que chamam os jovens de alienados e sem causa, só porque a causa dos jovens não é  a dele.
Realmente, talvez devesse dizer algo do governante do Estado que disse do absurdo desses atos de barbárie e que ainda por cima são atos políticos. Mas este cidadão desconhece a origem da palavra político, e ai não sabe que tudo que é do humano é político. Aristóteles explicaria melhor, não o farei. Poderia também dizer que horas no trânsito são barbárie, que o transporte coletivo não oferece condições dignas, que uma política neoliberal expulsa a humanidade de quem com ela não se alinha. Barbárie são as pessoas que dormem pelas ruas e que passam a figurar como parte da realidade da cidade. Barbárie é também o imaginário sem criatividade e sem liberdade, haja vista o aprisionamento ideológico que o mercado consumista obriga. Aliás, dever-se-ia dizer do mercado que funcionaliza o humano e nem o deixa sentir mais como tal. Dai que agressões tornem-se comuns. Barbárie é não existir e, no entanto, ter que acordar três horas antes do trabalho, dormir pouco antes do horário de acordar, e ainda sustentar desmandos financeiros e politiqueiros de toda ordem. 
Não seria mesmo hora de calar. A história grita para ser escrita. Mas essa escrita esta obstruída pela mídia, pelo estado e pela ideologia opressora que começa a dar sinais de fraqueza. Hoje seria talvez o dia de dizer que o Brasil entra na rota de manifestações que estão em curso pelo mundo. O dizer de agora é história do amanhã, dai que os atos cometidos pelo nosso povo são os que nos irão constituir enquanto história amanhã, por isso trata-se de fazer a escolha acerca de quem irá contar a história, ou o que é pior, se nós iremos contá-la ou continuaremos a deixar que exista uma única história oficial para colocar nos livros. Hoje seria dia de dizer que a editoria é plural, do tamanho das cores que colorem os gritos nas ruas, é lá que o mundo “munda”. Seria lá o local em que essa união de amor dever-se-ia consumar. 
Hoje deveria ser dia de dizer que o cansaço institucional deu força para que a pulsão revolucionária pudesse existir. É sabido que as passeatas e manifestações revolucionárias são também um curso libidinal. Há uma força libidinal que atravessa as passeatas. Dionísio esta em embate com Apolo no momento em que se encontram estas duas forças: o povo e a policia, que representa o estado, que não representa ninguém que esta ali, uma vez que é contrário àquelas pessoas, mesmo que oficialmente conte outra história. Há então uma causa sim: a de contar estórias! Assim, esse encontro amoroso e recheado da libido que sustenta a manifestação, é o ponto que permite nascer um outro mundo, uma outra cidade, outra história, outra alteridade!
Talvez fosse momento de dizer que as canções do momento ditatorial começam novamente a fazer sentido, isso é uma constatação assustadora, mas real. A rua hoje é a alcova na qual se realizam os encontros amorosos que poderão fazer nascer outro tipo de existência. Menos sem cor e mais livre, mais humana e menos da cor que o estado diz que tem que ser. Tentativa de amar pra que a cidade seja um local em que os homens e mulheres se encontrem para ser felizes e não apenas para cumprir as regras excessivas: de trânsito, de comportamento, de adequação, de alienação, de inexistência de amor e de pluralidade.
O momento então deveria ser esse, de dizer, de falar, de protesto e de descontentamento. Momento de destruição de uma plataforma, para a construção de várias outras. Outras subjetividades, outras cores, diferentes daquelas que saem da violência que oprime as existências. Desde a violência ideológica até a violência corporal, sem saber dizer qual é pior: aquela flagela o espírito, corrompendo e castrando, manipulando e censurando, esta flagela o corpo - a violência em si é contrária ao humano. Não há justificativas para ela. Seria hora de dizer isso: que não há humanidade com agressões e sem liberdade de ir, de vir, voltar, amar e silenciar, de não aceitar.
Parece que existem muitas coisas a dizer: não liguem a tv, não se empanturrem da próxima tecnologia inventada, não deixem de lutar pela liberdade, não acreditem em estórias oficiais, não deixem de sonhar, não deixem de andar na contramão, não deixem de afastar o “cá-lice”, não aceitem o açoite, não fiquem parados, “mostrem sua cara”, “não comemorem como idiotas” as copas. Isso tudo sim é necessário, concordo, aliás, como concordo que o “fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante fascinada”. No entanto, o que me resta, nestes dias em que a frase de 68 na França me toma -“quanto mais faço amor, mais tenho vontade de fazer revolução, quanto mais faço revolução, mais tenho vontade de fazer amor” -  absorvido por todo esse protesto quis ser revolucionário, quis destruir o estado, quis fazer barricada, lançar protesto e parar o congresso, e talvez sejam bons dizeres, e talvez seja a hora de dizer, contudo, não consegui, e saíram destas mãos, maltrapilhas, apenas estes versos que dentro mim também são revolução:
 
“...mas eu quero mesmo é amar,
assim, sem mesmo saber o que é,
revolucionariamente deixar pétalas caírem de minhas armas fortes,
manter teso o instinto em direção a ele,
incondicionalmente,
até mesmo quando chover,
molhado e quente, nunca adormecer
pra que o sonho seja acordado,
deixar pra trás aquelas todas explicações e chorar sempre que houver lágrima,
pintar muros e fazer poesia,
(...)
é isso, de ontem em diante vou querer mesmo é essa coisa de amar,
e assim, no dia que essa límpida noite de outono tocar sua janela,
estarei ali, esperando, como um cavaleiro andante a vencer todas os moinhos
só pra alcançá-la e contar a verdade:
quero só amar!”

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