quinta-feira, 9 de junho de 2011

O existencialismo de “O velho e o moço”

Não é objetivo, nestas poucas palavras, transpor os conceitos filosóficos acerca do existencialismo – o que já se mostraria tarefa impossível! -, este ensaio, pretende, quando muito, fazer pequenas aproximações – filosóficas talvez(?) –, ao pensamento exposto na canção composta por Rodrigo Amarante nominada “O Velho e o Moço”.

A letra desta canção suscitou uma relação – que não foi buscada por uma interpretação em acordo com a vontade do compositor –, com o pensamento existencialista do tipo sartreano - “o homem não é mais do que o que ele faz” -, dado o caráter com que o autor marca a responsabilidade do indivíduo pela sua trajetória, em que, ao questionar-se sobre a possibilidade de um retorno ao passado já vivido, surge a questão intransigente do viver: quem eu seria(?), ou em melhores palavras, quem eu me tornaria se pudesse regressar ao passado?

Assim, se de alguma forma nos possibilitássemos o retorno ao passado, será que esse retorno seria possível a qual indivíduo precisamente:

I – Este sujeito presente, que questiona sobre a possibilidade de voltar a seu passado? II – Aquele que existiu no momento passado? III - Aquele que queríamos que fôssemos, mesmo que idealmente? IV – Aquele que pensamos que seríamos aquando daquele momento passado? V – Mas, se necessariamente e na verdade, não existimos, mas sim, co-existimos: como retornar ao nosso passado sem que os nossos convivas também regressassem? Seria mesmo assim, um retorno autêntico, aquele que não leva junto os outros? VI – E ainda, se consideramos a nossa existência temporal irrepetível: como admitir a idéia de um encontro com o mesmo passado? VII – Se estamos a fazer uma viagem de retorno ao passado, esta viagem não traria peculiaridades antes não vividas e assim, mudando mais uma vez aquele passado que pretendíamos alcançar...? Ora, como diria Carlos Cossio: “todo retorno em direção à etapa precedente aumenta o conhecimento por compreensão, levando-o mais adiante...”, ou ainda: “everything old is new again”.

As questões são imensas, e necessariamente o conhecimento de si passa pelo re-conhecimento do/no outro, portanto, as vivências que nos constituem estão a constituir os outros com quem partilhamos o mundo, nestes termos, seria no mínimo arrogante, requerer para si a possibilidade de um retorno para o “conserto” de questões intimamente consideradas erradas, ora, qual a garantia de que seu tropeço não ergueu outrem?

Podemos pensar a questão sob outro prisma: é do saber popular que “tudo tem um lado bom”, ou não é assim que ouvimos nos aconselharem? Se sim, qual o grau de precisão que um indivíduo possui, em sua subjetividade, para mensurar acerca dos erros e acertos de suas escolhas existenciais?

Jean Paul Sartre diz-nos de uma formação do homem a partir de sua existência, o que Heidegger chamaria de “ser-em”, ou seja, apenas a partir da existência com o outro é que nos permitiríamos ao existir mesmo. Nesse sentido, se na verdade não somos um infinitivo, mas sim, um gerúndio em nossa existência: qual a possibilidade de marcarmos os erros e acertos, ora, para que possamos adjetivar uma vida como correta, evidentemente que pelos erros passamos, mesmo que com a ilusão de não cometê-los.

O errar, portanto, torna-se um “existencial” necessário e peculiar ao ser humano, que por sua finitude no existir, necessita desse limite para reconhecer seus triunfos...ou como diria Paulo Freire, o errar é «um momento normal do processo gnosiológico»...

Lembremos rapidamente um diálogo do filme épico “Troia”, em que o guerreiro Aquiles fala acerca dos deuses em relação aos homens: “Os deuses nos invejam, porque somos mortais. A qualquer instante pode ser o nosso último momento”. Essa fala explicita com precisão o que estamos a tratar, ora, a falibilidade e finitude humanas são características que nos permitem existir enquanto tal... Assim, a idéia da possibilidade de um retorno nos colocaria como deuses, infalíveis e passíveis de controle sobre o futuro... que, quando muito, a nosso ver, deve ser entendido como projeto, assim como o homem o é, projeto seu que a cada escolha determina seu existir...

Assim acordados, esta canção parece enfatizar exatamente a necessária relação do homem com seu presente, que é um projetar-se para o futuro com influência de seu passado. De fato, o ser humano, a despeito das teoria lunáticas de “auto ajuda”, é um ser mais complexo do que aquele que deve apenas se ater ao seu presente; parece-nos que a grandiloquência do existir humano comporta todos os tempos verbais. Ora, para que não precisemos retornar ao impossível do passado, dediquemo-nos à construção do nosso projeto autêntico de existência, que perpetuar-se-á pelo futuro a que estamos lançados...pois, “o homem [...] está condenado a cada instante a inventar o homem”

Portanto, se almejarmos uma volta ao passado, esquecemos mesmo do presente e nem nos damos conta do futuro – retirando nossa possibilidade do novo, do único, do espanto, do amor inesperado, ou seja, nossa possibilidade de ser humano -, daí escutarmos esta questão multi-tempotal: “mas eu quem será?” e “quem então agora eu seria?”

Talvez o Chico Buarque, o Sivuca e as crianças resolvam mais este nosso problema com o tempo e com o nosso modus vivendi: “Agora eu «era» «herói»...”

Bernardo G.B. Nogueira - Itabirito - 23/02/2010

http://www.youtube.com/watch?v=RJfr7GUW52w

"O velho e o moço"

Composição : Rodrigo Amarante

Deixo tudo assim
Não me importo em ver a idade em mim,
Ouço o que convém
Eu gosto é do gasto.

Sei do incômodo e ela tem razão
Quando vem dizer, que eu preciso sim
De todo o cuidado

E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?

Ahh, tanto faz
Que o que não foi não é
Eu sei que ainda vou voltar...
Mas eu quem será?

Deixo tudo assim,
Não me acanho em ver
Vaidade em mim
Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.

Sei do escândalo
E eles têm razão
Quando vêm dizer
Que eu não sei medir
Nem tempo e nem medo

E se eu for
O primeiro a prever
E poder desistir
Do que for dar errado?

Ahhh
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!

Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição

Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir...

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