segunda-feira, 13 de junho de 2011

Em homenagem ao aniversário de Pessoa...


Falar de Pessoa

Falar de Pessoa...

Falar de Pessoa é já se obrigar a não falar dele mesmo. É admitir falar de outro sabendo que o outro é ele, e assim, igual. Saber que em um se encontram mil, mas saber que esse mil, é já, um só. Um só que se admite entre aqueles vários, que se cria em diversos, e encontra nos outros o traço fundamental de si, ser um, a constituir todos, portanto, sempre a ser mais, e maior.

O fingimento da existência é natural a quem se dá às criações, e mais ainda(!), a quem de sua vida faz ela mesma sua maior obra de arte. Seja em prosa, seja em verso, fica maior a cada “penada” que é dada, a cada rascunhar de si, refletido na ausência de um corpo que é só criação, invenção, portanto. Alienar sua existência na escrita, mas ao mesmo tempo criá-la...sempre!

E a imaginar, de tanto imaginar (!), um só não dá mais para sustentar tanto dizer que sai dali. É preciso o outro para que a imaginação não fique paralisada naquele primeiro pensamento que surgiu daquele primeiro um. É no outro que a imaginação faz florir sua semente, é por ali que ela se vai completar, mesmo que não se acabe, mesmo que sem cessar...

Daí, depois que imagino, já não há mais como controlar...agora já são pessoas e pessoas a me povoar, e preciso delas me libertar, preciso com elas partilhar, pois se não o fizer, fico com uma sensação angustiosa que se assemelha a um artista a interpretar sempre para o mesmo público, sempre com a mesma máscara.

Os sentimentos são tantos, que quando estou a criar nessa minha imaginação fingidora e fantasiosa, as pessoas acabam por se encontrar nesses meus devaneios, e me rio delas quando interpelam como conseguira a elas traduzir tão fielmente..? Ora pessoas!. Não há sentimentos quando estou a escrever ou a poetar, “simplesmente sinto
com a imaginação” e por não me prender a uma pessoa ou a um sentimento, é que acabo por transcender a mim e encontrar você. Por isso preciso de tantas pessoas a me auxiliar...

Mas eu preciso confessar uma cousa...

Tem sempre um momento nesses instantes de imaginação que algo me é ocultado. Pois, enquanto estou poeta e começo a fingir em meio a minhas criações, por vezes, acabo nelas a me perder. Poderia ser um instante de medo, por estar a perder as rédeas de minhas sensações - e a confundir vida e criação – e há não mais saber onde andaria o verdadeiro chão. Mas, não há medo, ora, a existência, aliás, como diria outro poeta também, está à altura do que posso enquanto pensar... ”numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo...” Daí, me deixo ir, ora em companhia de uma pessoa, ora de outra... “Sentir? Sinta quem lê...”

Ah! Já ia me esquecer! Essas pessoas nem existem. E agora me pego a lembrar de que há a necessidade da falta de algo para que ele possa então existir. Verdade! Essas pessoas não existem! Mas é claro! Se existissem, nem poderiam ter sido criadas, pois, quando o pensar se realiza, deixa mesmo de existir. E o poeta, quando realiza seus sentimentos, perde o sentido de seu perquirir. Por isso, pessoas são necessárias, não ao existir, mas enquanto possibilidades de inventar sentimentos ainda não descritos; para neles viver, para deles se nutrir e sobre eles escrever... mesmo que não existam, mesmo que sejam mentira ou fingimento, mesmo que sejam imaginações.

”Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. O poeta é um fingidor.”

Bernardo G.B. Nogueira

Outono frio e real – Itabirito – 2011.


ISTO

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa










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