quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Aniversário de Vinícius de Moraes - 98 anos

A Vinícius que não é "de tempo"

Me parece normal que Vinícius não complete 98 anos de idade. Estas datas longevas estão muito mais ligadas a existências que se preocupam com aquilo que as horas transformadas em dias trazem. O existir poético de Vinícius não poderia ser marcado com essa violência que é o calendário. Dentre os ponteiros do segundo, esbarram os versos que captam com amor e suavidade cada vão momento. Captam o momento, não o tempo que ele gastou.

Poder-se-ia dizer que é uma pena, poder-se-ia lamentar que um poeta como Vinícius não tenha brindado o mundo com mais tempo. Mas, o tempo, este é que não podia com o poetinha. Pois a cada curva em que aquele o seguia, este o rebatia com um soneto novo, e um samba de benção para a eternidade. A prova de que um e outro não se davam era o deboche com que Vinícius se relacionava com o tempo. Debochava dele sim, e passava horas a fio a "gastar" o tempo com encontros infinitos regados a uísque, música e poesia. Uniu poesia e música e mostrou que o popular pode conviver com o erudito, mas só fora dos padrões do tal tempo.

Porque é até engraçado pensar o tempo a partir de Vinícius. Enquanto nos dias que correm estabelecemos como que uma disputa com o tempo a tentar pará-lo; Vinícius estabelecia relações amorosas com sua vida, e o amor, ah!, o amor! Este resta lançado de uma vez por todas para fora do tempo, para fora dos calendários e convenções. Aliás, é digno que se diga, este poeta cantou o amor das maneiras mais sinceras, e se um dia foi correto e fiel, foi apenas com quem de fato merece, o amor.

Na verdade, quando olhamos para as fotos e ouvimos as palavras de Vinícius, sentimos um recorte na realidade de dias e horas que nosso cotidiano nos obriga, e a partir daí, somos desde "uma menina com uma flor" até a máxima ode ao amor, fidelidade ao amor. Vinícius nos ensinou a viver de maneira a saber "ganhar dinheiro com poesia". Disse que é "melhor ser alegre que ser triste" e ainda nos ensinou a fazer a samba, com amor, cadência e tristeza.

Queria apenas uns dizeres sinceros e de muito agradecimento a Vinícius. Depois que conheci sua poesia, decidi que não haveria tempo melhor do que a atemporalidade de uma vida na poesia. Se, como nos fala Drummond "Vinícius foi o único poeta que viveu como poeta". O mínimo que devemos reconhecer é que não dá para contar os anos de Vinícius com a mortalidade que o tempo nos impõe. Que saibamos esquecer o calendário e deixar-nos entorpecer com um verso ao invés de nos prendermos ao minuto.

A propósito de formalidades, é bom saber que Vinícius se deixava chamar poetinha, chamava aos outros pelo diminutivo. É assim mesmo quando as coisas vêm de pessoas com essa vida fora do tempo. Não haveria, realmente, tempo melhor do que aquele que é criado pela poesia, a poesia que é só amor, a poesia que não quer honrarias, a poesia que se deixa ser versinho e que se escreve em "guardanapozinhos". Mas isso só sabemos depois do poetinha, "vagabundo...

que a vida não gosta de esperar..."

E me parece que já é hora de partir, este texto já gasta tempo demais, e "a vida é p'ra valer"!!!
Precisamos viver, pois como diria Pessoa, "navegar é preciso, viver não...", daí que agora entendemos que Vinícius não poderia mesmo estar preso a esse tempo, tempo tão preciso. Sua vida, verdadeira vida de poesia, não trazia a certeza necessária à navegação, rumava para mares desconhecidos que só o coração pode entender..."de repente, não mais que de repente..."

Bernardo G.B. Nogueira
19/10/2011 - 2011.

Soneto da rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Vinícius de Moraes

Café, pingos e amor...

Lá fora havia uns pingos e um tilintar,
aqui de dentro, eu observei, com olhar perdido,
um rio de amores,
cada mirada das pessoas me tomava.

Acho que era a chuva ou o cheiro do café.
Acho que era saudade saída daquela mistura.
Acho que eram pingos ou murmúrios de amor, olhares ou cheiros.
Acho que me apaixonei.

Bernardo G.B. Nogueira
(em homenagem e inspiração à uma vida em poesia)






2 comentários:

  1. Meu Bem,
    Fazer poesia olhando para o mar, em Copacabana ou Ipanema, não diminui o mérito de Vinícius de Moraes, mas...
    Me encanta pensar que alguém, vivendo em Itabirito (com todo respeito), tem poesia transbordando até em guardanapozinho.

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  2. Estou esperando o próximo texto, Professor!

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