domingo, 24 de julho de 2011

É possível não ser escritor?

Desistiu de ser escritor

Desistiu de ser escritor. Agora já não mais interessava toda aquela parafernália de obras póstumas de autores consagrados. Nem foram consagrados por ele mesmo.

Aquela bagunça de pensamentos que envolve o sem fim de ideias que ao escritor não cansam de tirar o sono, nunca mais! Não queria mais decifrar os olhares, se apaixonar pelos perfumes, enxergar o não visto, não. Ser sutil, nunca mais.

Decidido, caiu em um mar de certezas. Certeza de que sua escrita não mais seria criticada. Certeza de que sua vida não mais seria destrinchada. Certeza de que aqueles elogios vagos de seus leitores não mais iriam comovê-lo. Decidiu-se por sua vida, pelo menos assim pensou.

Nessa batida do coração, foi ao encontro da nova vida que agora lhe esperava. Que alívio(!), não precisaria mais se perder ao observar os casais apaixonados e dizer sobre o amor, ou a falta dele. A natureza, que por vezes lhe fazia suspirar em poemas inspirados, agora serviria apenas para agradar o olfato dentro da cidade poluída. E a angústia, «ah»(!), esta seria a melhor parte, nem seria percebida, ora, a partir de então, ela não mais seria sua cúmplice na tentativa de desvendar o que fazia seu coração e corpo palpitarem, dançarem músicas antes não escutadas...adeus à estrela bailarina nietzschiana!

Parecia que naquele dia estaria a re-viver. Sentimento estranho a alguém que estava acostumado aos clarões da noite. O dia passava inerte enquanto esperava o novo laivo de torpor para tornar-se escritor e todo aquele processo lhe tomar os sentidos: Sentir, quase transpirar... medo, angústia, e depois, a folha em branco a rir de sua face tresloucada pelo susto que as novas ideias lhe trariam.

Sentiu um enorme conforto com essa decisão. O humor não mais seria um ponto de partida para nenhum escrito. Seria apenas humor, ou mau humor. O gosto, tantas vezes elogiado ao referir-se a cousas interessantes em seus escritos, não mais seria notado, poderia apenas não pratica-lo. E aquilo que chamavam sensibilidade de poeta, poderia agora até mesmo fazer chacota, poderia ser uma pedra! Aquele olhar “clínico” que só escritor tem, «hahaha», deixaria agora para os doutores...decidiu não ser mais escritor. E as belas palavras que compunham seu vasto repertório lírico de poemas, agora poderiam ser usadas para preencher uma sopa de letrinhas que compraria na banca que só vendia o jornal que só falava de coisas triviais. Não precisaria mais criticar aquele jornal trivial, agora não era mais escritor.

Que privilégio(!), pensou. Agora eu posso passar pelas ruas sem que as virtualidades de cada sujeito se transformem em uma história épica em minha larga imaginação. Poderia me concentrar em viver. Viver sem que cada momento pudesse ser fotografado pela lente do escritor e depois revelado em um texto qualquer.

Depois de haver se decidido por não mais ser escritor sentiu a liberdade que antes as palavras lhe roubavam. Sentiu a paz que os brados dos pensamentos não lhe davam.

Sentiu também, saudade do tempo que perdeu a escrever. Sentiu vontade de escrever que não deveria ter escrito nada. Percebeu que não podia deixar de sentir. Percebeu que quando voltasse ali não seria mais ele. Não seria escritor. Sentiu vontade de estar ali novamente. Sentiu vontade de novo. Sentiu vontade de escrever sobre quem ele havia se tornado quando deixou de ser escritor.

Sentiu vontade de escrever...

Bernardo G.B. Nogueira

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