quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

tom



tom

para um outro tempo
levaste a poesia e o sol,
com chuvas infintas molhaste o solo de meu leito,
regaço seco qual sertão sem sonho,
da noite em que calaste,
as notas esvoaçaram pra outras paragens,
nenhum tom saboreou minh’alma,
bailarinas dançaram em sonata de despedida,
tarde e noite se misturaram em fantasia,
e o crepúsculo despertou o sonho,
naquela manhã de sinfonia íngrime,
ausentou a flauta doce,
além dos montes um frio devagar assoviou,
era canto do dia em que seu olhar, como pétala, voou...

B.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

do tempo e das coisas



do tempo e das coisas

Lua cheia pra alumiar,
cheia do rio pra nadar,
sol à tardinha
vinho tinto depois do amor,
manhã fria pra abraçar,
texto lido pra chorar,
canção de rock pra enfeitiçar,
filme com bandido pra imitar,
estrada vazia indo até lá,
vela acesa meio ao luar,
toda a serenata do silêncio,
vento sorrateiro, arrepiar
dia inteiro,
noite a fio,
tarde afora,
todas as madrugas,
prontas a esperar...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – verão - 2013

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

reza



reza

enquanto escuto Cartola a cantarolar mágoas de amor e vida,
sonho como seria bom você por aqui,
a rodear minha solidão e torná-la quase um jardim,
a fazer troça do meu romantismo e sorrir sem fim,
depois descansar seu corpo ávido,
saborear comigo a presença da última luz,
fatigada do mundo, ausentar-se em minha poesia,
deixar de lado toda a fala e rumor,
fechar os olhos e conspirar novas invenções,
descuidar do tempo, saltar do avião,
enquanto envelhecem as horas lá fora,
pra dentro de ti saltar infantil,
mas não vens, és sonho vão,
e como no verso de um samba vil,
finjo esquecer que lhe quero minha,
canto ao mundo pra que não mais exista,
senão em mim...


Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – verão – 2013.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Profanação



Profanação
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/caravaggio/bacchus.jpg

“Viver é muito arriscado”. Esta frase, que compõe mais uma das miragens das Veredas do Sertão de Guimarães Rosa, foi a maneira mais precisa que encontrei para me expressar sobre o filme que quer retratar a vida e alguma coisa da obra de Caravaggio (Michelangelo Merisi). Película do diretor Angelo Longoni, a obra mostra muitas questões que merecem um momento de reflexão. Vamos a ele.

Em muito me impressiona dois artistas, coincidentemente, pintores. Um, Modigliani, outro, Caravaggio. As coincidências sob minha perspectiva não se encerram em uma mesma nacionalidade. Na verdade, o que a mim me impele ver relação entre os dois artistas, supõe a transcendência e a intensidade com que ambos viveram. Sem completar quatro décadas de existência, tanto Amedeo, quanto Michelangelo, insultaram a burocracia que os envolvia, cada um o seu tempo. No entanto, o insulto não aparecia apenas com a relação entre sagrado e profano de Caravaggio, nem, tampouco, apenas na nudez de Dedo (apelido da infância de Modigliani). A vida imensa de ambos, a necessidade de estar sempre à beira de uma criação, fez com que estas duas figuras aparecessem como reveladores do novo, como artistas de fato. Que dizem do novo sem dizer, apenas vivenciam em si mesmos. E a vida de Caravaggio, cercada por atritos de toda ordem é que nos irá ocupar um pouco. Junto disso, uma alusão à forma de compor sua obra, sua vida e sua tragédia. Modigliani, apesar de estar, em nossa concepção, a par e passo com o pintor do “Tenebrismo”, é este último nos ocupa agora a retina e o coração.

E assim, como são inevitáveis as coisas do coração, também é inevitável não viver Caravaggio. No filme podemos perceber como a vida atravessa o artista desde a carne até o mais profundo dos devaneios. Essa profusão de sentidos aflorados perturba a existência de Caravaggio, e então, a arte é a única maneira que o homem encontra de suportar a realidade. Assim, bem à maneira do que nos ensina Nietzsche, percebemos a arte de Caravaggio a coroar a possibilidade mesma de existir do homem. Contudo, a sua grande exposição, junto de obras como Flagelação de Cristo ou A morte da virgem, dentre vários clássicos, foi sua própria existência.

A despeito da errância que o demovia enquanto homem de confusões. Parece-nos que há um ponto crucial na percepção da vida do artista. Isso fica claro se tivermos em conta a hermenêutica que Giorgio Agamben confere ao termo profanação. Em seu livro homônimo, o autor italiano nos ensina que profanar algo é retirá-lo do altar em que não é passivo de ser destruído, criticado. Ou seja, profanar seria colocar algo a nu, criticá-lo, mudá-lo ou apenas, apreciá-lo sob uma perspectiva não sacralizada, não ideologizada. Isso permite ao mesmo tempo, uma reinvenção, e possibilita ao humano a realização de uma sua característica própria:  a incompletude e sua estranheza face ao real. O que lhe confere, se quisermos, uma necessidade de criar. Quase como o ar, a invenção é alimento que realiza a humanidade no humano.

Assim, sobre a relação de Caravaggio com a ideia de profanação, percebemos que foi um dos artistas que mais realizaram esse ideário. Pois, se de um lado, o pintor se valia das escrituras sagradas para alimentar sua tela, de outro, bebia das ruas e na sua sujeira, o líquido que inspirava suas criações. Essa relação sagrado-profano é evidente quando percebemos figuras reais a compor os rostos de figuras bíblicas. Nesse caso, identificamos a profanação de Caravaggio, que ousa ler com outros olhos a realidade bíblica e insere realidade onde há fé, e ao mesmo tempo, retira a leviandade das ruas quando coloca seus rostos em obras que traduzem momentos sagrados.

Na sua vida, a profanação reluz quando Caravaggio, para além de suas telas, luta contra inimigos de todas as ordens. Quando não sucumbe às regras impostas pela igreja à época. Quando faz jorrar de dentro de si toda a sua paixão. Essas ações, que turbam a ordem, entendemos como uma mostra evidente da impossibilidade de um artista dessa ordem existir sem que essa trajetória esteja pautada por momentos de arrebatamento como os que vimos explicitados por todo o o filme. Diriam temperamento. Digo inevitável conduta diversa, pois, o que ali esta a alimentar a existência de Caravaggio é a paixão pela vida, que buscada de maneira tão valente, acaba várias vezes por mostrar a fragilidade do humano - e o que é mais artístico e humanamente real que o paradoxo?

Caravaggio oscilou entre um cavaleiro com sua armadura e um pedinte qualquer, louco e faminto. A tragédia dessa dubiedade é marca deste personagem. Capaz de se apaixonar por um traço perfeito em forma de mulher, ao mesmo tempo em que é capaz de cravar a espada no peito de um malfeitor. Herói e bandido. Para deus por intermédio do diabo. O duplo que diz da existência de Caravaggio é o mesmo duplo que esta em suas pinturas, as quais têm um fundo obscuro a contrastar com a luz intensa. Luz divina, escuridão do inferno. Deuses e homens a ser relacionar. Esta ai a abertura profana que Caravaggio abre ante os olhares pouco iluminados naquele tempo. Os traços de Caravaggio, tanto na vida, regada a excessos, quando na arte, ornada por construções precisas, faz desse pintor um verdadeiro artífice. Inventor de sua própria arte de existir. Em alguns momentos comédia, noutros tantos, tragédia, mas em todos eles a sua própria magia, sua própria cor.

A longevidade é característica quase que risível se levarmos em conta a intensidade com que a vida de Caravaggio transcorria. Serviu aos papas, foi condenado e absolvido por eles mesmos. Traiu e foi traído. Cuspiu e foi cuspido. Amou sempre e sem distinção. Foi odiado.Empunhou espadas e foi ferido. Matou. E aqui, não poderia afirmar que foi morto. Pois que a tragédia de Caravaggio só a ele caberia escrever. Assim, viveu como um herege dentro da igreja e como um sacristão nos bordeis e nas ruas. Fez da cena bíblica sua morada. Lá dentro criou sua cor, sua luz e a ausência dela. Convidou os personagens que quis. Manteve a porta sempre aberta. A porta de um corpo e de uma alma que foram atravessados pela vida que pulsava dentro de si. Vida que enxergava divindade no homem. Vida que trouxe pessoas comuns para dentro dos quadros. Vida que pintou toda a beleza e toda a devassidão dos homens. Perceber toda essa imensidão e mistério que envolvem o humano não seria o bastante. Perigoso mesmo é senti-la. Pois uma vez que isso ocorre, realmente o viver torna-se muito arriscado. Convém morrer, ou pintar a morte.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – verão – 2013.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

cada tempo e seu som



cada tempo e seu som

é que fiquei parado por lá,
naquele dia em que passou um cheiro,
senti uma voz e ouvi um toque em meu corpo,
e daquela noite que não se acabou,
sei não se é nostalgia,
se é acaso ou é amor,
nem é do saber essa questão,
não vale a regra e nem tem diapasão,
daquela rua que não se esquece,
do cheiro da lua que não arrefece,
e até dum mar que nem existe,
ficam todas as palavras paradas feito os barcos no cais,
flutuam entre mar vivo e parado,
e é assim depois de seu canto,
tomou meu braço e foi encanto,
tal, que agora, de novo,
sinto o dia caminhar, sem movimentos,
é assim, como partitura e jazz,
adorei suas notas,
e  delas fiz performance,
és agora, pra mim, aurora...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – verão - 2013