segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Nascimentos

                                                                 Nascimentos
 

O tema dos duplos já me vem de alguma forma consumindo as palavras, tomando algum tempo e levando algumas ideias ao ar. Propriamente aqui, nesse momento, parece que eles ficaram ainda mais nítidos. Sensação parecida com aquela que temos quando descobrimos um novo acorde e uma determinada canção passa a ser audível aos dantes ouvidos moucos. Assim, dois são os arcos de minha vida. Dois são os países. Dois os sentimentos. Duas as passagens e dois os locais onde vai dar. De cá ou de lá. Dois também são os verbos. Duas gerações. Pai e filho. Abelha e mel. Ontem, hoje.

É estranho como quando não sabemos das histórias, as coisas são maiores e menores ao mesmo tempo. Explico-me: se sei da história dos arcos de Coimbra, penso algo sobre eles a partir desse conhecimento. De outro lado, se nada sei dos arcos da Lapa, perco, na medida de desconhecedor da história, mas ganho na proporção de inventividade que acabo por inserir quando nossos olhares se encontraram.

Ainda nesta coisa de duplos, nascer e morrer. Neste caso, parece que temos mais de um nascimento. De novo preciso me explicar – será que este texto estaria confuso? Bom, é evidente que temos em nossa certidão de nascimento uma data e um horário, e dai um imenso cabedal de formalidades que nos põem formalmente no mundo. No entanto, por alguns momentos imagino que há vários nascimentos durante nossa caminhada em direção ao inevitável da morte. Podemos até jogar com ela, frase posta só para citar Ingmar Bergman e o texto possivelmente confuso ficar erudito. Porém, da vida só se sabe a morte. Essa é nossa tragédia e nossa comédia também. Então, parece que quando em 1972 foi lançado o álbum “Acabou Chorare” dos novíssimos baianos, houve ali um renascimento conjunto. Um transe, diria. Pois, a despeito das informações históricas inerentes a esse acontecimento, as quais me furtarei, para manter aquela capacidade inventiva, a musicalidade que ecoa brasilidade em toda sua potência é tão inicial como os nascimentos, e parecendo adquirir naturalmente uma aura atemporal, chega depois de 40 anos e de novo faz partos.

Do outro lado do Atlântico há uma Universidade, a de Coimbra, onde vamos atrás do tal saber – aliás, saber é um termo interessante, posto que é verbo e é não também. E de tanto buscar esse saber, atravessamos os arcos, pra cá e pra lá. De dia e de noite. Tristes e risonhos. Com frio ou calor, com amor.
Os arcos lá contando sua história própria e fazendo a nossa ficar gravada neles e nós, por debaixo deles, sem nada saber, indo de um lado pro outro. Então, voltar é sempre preciso mesmo. O oceano é atravessado de volta, os arcos ficam na foto da memória simbolizada na palavra saudade. Mas estivemos lá. E agora a história do arco de lá é nossa também. Mas, como o duplo é nossa ideia motriz. Há outro que agora figura nessa história. Na Lapa, houve um arco, uma lua cheia, um tanto de sonhos. O canto novo-velho de Moraes Moreira. Os acordes também novos-velhos de seu filho Davi Moraes, misturados como é o Brasil, inseparáveis como os duplos, confundidos como os arcos da Lapa e os arcos de Coimbra. Tão juntos, como pai e filho.

Uma noite que logo se fez dia anunciou esta mistura que ainda acalenta de brasilidade nossa existência, fatigada talvez. Os arcos deixaram de ser uma paisagem que compõe a arte da cidade para servir de palco para um sentimento velho-novo. Da saudade dos arcos de lá fiz novidade nos arcos de cá. Da história dos olhos de Moraes ressoava os acordes de Davi. Da imensidão da noite, raiava um anuncio. Quiçá de uma revolução para abastecer de sangue latino os corações que andam por ai tão sisudos, tão carentes de “passarinhos”. O choro acaba quando fica tudo lindo. O tempo não é mais o mesmo dentro dos olhos que sentem essas canções. Os arcos agora têm em suas paredes nossa história, e estes acordes também são testemunhas oculares e auditivas de que o Brasil é tanto que pode ser até dois, essa frase foi mesmo para voltar ao tema dos duplos.

Duas então foram as histórias que contei, talvez mais. De Coimbra e da  Lapa. Do fado e do samba. De Moraes e de Davi. Do Brasil antes e depois destas canções.. São quarenta anos de lá até hoje, tanta coisa não mudou. Sei só que uma coisinha restou desse tanto de histórias sob a lua cheia. O nascimento variado é a única maneira de apenas não se ir morrendo. Jogar com a morte é renascer também. Escutar este som é escrever de novo uma data de nascimento. Renascer espiritualmente, só pra ter que voltar nos arcos da Lapa, pois como nasci de novo, acho que nunca fui lá.

Bernardo G.B. Nogueira
Rio de Janeiro – verão – 2012 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

o que nasce e não sei não

o que nasce e não sei não

...
se inventou com falas de dentro de mim,
da água do sertão,
e de toda sua profundeza,
                                   sem fim.

pois lá na sua superfície,
que a mim se apresentara forte como o sol,
inundou minha presença quando se abriste,
e foi queda em precipício,
                                         houve cheiro de lírio.

e sob o véu de seus olhos,
houve um tempo novo,
feito broto de rosa,
                               que é flor e não é,

do mesmo jeito que é sem fim todo o sertão,
foste pra mim profundidade e torrente de rio,
também passado e presente,
                                            enfim,

de tanto a água correr e nascer sertão aqui,
apaixonei de ti, por seu mistério,
agora é primavera que não cessa,
morte d’uma e outra anunciação
                                                    agora é Diadorim.

Bernardo G.B. Nogueira
BH – verão - sertão

La clandestinidad

La clandestinidad
De quantas almas se faz um tempo,
o  da alma,
das pessoas que ela toca,
das que se esquece,
dos amores e dos sonhos,
das chuvas e das metáforas de si,
vertidas em e entre outras,
vestidas e investidas,
podem flutuar,
mas morrem também.
Entretanto é fábula,
disto que se cria,
ora mais perto, vez ou outra distante,
disfarces pra história se encaixar,
mas corre a lenda que é farsa,
artista no palco,
com luz e sem, opaco,
mas tem hora que a roupa não serve mais,
o figurino então se inscreve,
a alma então reclama ao tempo:
não me deixe ao relento!
Há que amar,
o céu, a lua triste, o mar,
pra sempre, quiçá,
posto que agora é o presente que se desfaz,
d’alma incoerente, choro bandido,
sabe-se lá onde vai dar,
não há esconderijo mais,
las calles me irão aguardar,
minha infantaria vai agora passar,
com flores em punho,
canhões munidos de paixão,
e se o dia é agreste e a noite escuridão,
de meus olhos clandestinos,
vai brotar um coração,
                                   atemporal.

Bernardo G.B. Nogueira
BH – verão - 2012

adeus

adeus

importa ali era captá-la feito arte,
pra isso me demorei tantas vidas,
bravo e forte.
cansado já de não ver o mar me despedi,
de mim mesmo,
não de ti.
Eras já minha dona.
Entregue e a esperar,
na soleira e na chuva,
atrás da porta.
E sem querer,
fiz choro dos pingos que caiam,
bandido, trocei dos outros que iam,
e de novo joguei fora a tela,
mudei a luz e tornei a me calar,
a arte de ti escapava-me ao ar,
e como escafandrista que não sou,
esperei até ontem, sem me afobar...

Bernardo G.B. Nogueira
BH - verão

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Criar e viver

Criar e viver

“Hoje você é quem manda, falou tá falado,
 não tem discussão...”
Chico Buarque


De novo a questão que enreda nossa mirada sobre uma produção cinematográfica é regida pela forma necessária e diríamos, inevitável, com que os argentinos tratam a fase negra do regime ditatorial em seu país. Dizer que é necessário é ao mesmo tempo dizer que é inevitável – e insistimos, pois são termos que ainda quedam longe em nossas terras quando tratamos deste assunto.
O filme é intitulado “Infância Clandestina”. O título por si só traz já interessantes discussões que povoam sempre nosso imaginário: a existência das crianças e a existência clandestina. Temas que nos nossos dias, tão racionais e tão públicos, soam ainda mais iminentes. O diretor Benjamin Ávila conduz o espectador a uma visita ao modus de realização do regime na Argentina, sob uma perspectiva que mistura desde a velha discussão ideológica e dos limites que ele coloca, e da libertação e da necessidade de sua existência, bem como, traz a tona um olhar sobre a afetação da atuação da ditadura no sentido de expor mesmo uma criança à sua mão de ferro. Outra chave do filme, e penso ser essa uma das mais interessantes, é a questão da identidade, vista pelo prisma colonialesco-impositório e castrador, e pela face interessante com que Juan ou Ernesto iriam vivenciá-la. O outro mote que gostaria de dizer é a relação criança e amor, temas que de alguma forma acabam sempre a andar juntos. Amor e poesia que o tio de Juan encarregou-se muito bem de manter acesos durante o tempo em que durou, pois fora morto também.
Quando os pais de Juan, envolvidos na guerrilha armada contra o regime resolvem voltar à Argentina, necessariamente valem-se dos disfarces já conhecidos com que as pessoas deveriam se armar para viver em seu país sem concordar com a imposição do regime. Desde casas clandestinas, passando por inúmeros disfarces, a reuniões sigilosas, até o que considero a parte mais sutil do filme – a identidade de seu filho, oficialmente registrado como Juan e existencialmente rebatizado Ernesto, bem a propósito diga-se.
Assim, a trama desenvolve-se com o cotidiano de uma família de esquerda que pretende não se entregar ao delírio ideológico imposto em momentos como esse. Ernesto tem, portanto, uma infância atípica em face dos modelos que se quer considerar “normal”. Inevitavelmente envolvido nas reuniões secretas realizadas por seus pais, a criança, a despeito das inúmeras regras criadas para uma “criação” correta, adquire noções interessantes que constroem seu imaginário de forma, diríamos, ao menos um tanto menos obtusa e alienada que a maioria dos pais impõe aos seus filhos – a imposição de uma família, um modelo, também é um claro “aparelho ideológico”. Nesse sentido, a clandestinidade da infância de Juan pode ser percebida como uma maneira interessante de revolução. Ora, ao chegar a uma escola que pregava coisas como: os espanhóis trouxeram a língua, a civilização sic, para os povos latinos, o jovem já sentia-se mal. E é evidente que isso não poderia ser considerado ruim. Clandestino então, aparece aqui como um algo que é necessário para que a visão seja realizada por um outro  viés, se da clandestinidade ou não, isso é o menos importante, necessário perceber que a visão de Juan o permitiria entender a metáfora utilizada por Slavoj Zizek para explicar a construção da dominação ideológica: estamos nós como espectadores em uma sala de cinema, enquanto por detrás dos panos não sabemos o que ocorre. Parecido com o que Chico Buarque canta: “o que será?” Isso, pois a própria informação etimológica da palavra nos ajuda nesta compreensão, origina-se da base do verbo cellare, que nos indica “esconder ou disfarçar”. Assim, no entendimento que temos deste ponto, Juan ou Ernesto, possuiu desde sempre uma infância clandestina e que por isso mesmo o torna apto a perceber aquilo que a ele é já próximo, o que é escondido, velado, aliás, desvelar seria um bom verbo para enxergarmos a existência de Juan. Desvelou sua infância enquanto clarividência de um horror que estava a vivenciar. E não digo isso ingenuamente como uma criança que é adestrada, não, ele desvela o horror com consciência dele. Essa é a tarefa que vemos na existência das crianças e dos poetas, que têm uma espécie de noção antecipada da existência. Noção antecipada é ao que chamamos toda forma de percepção que não aquela maculada por uma imposição conceitual. Assim, poetas e crianças fogem a essa amarra.
Em uma determinada cena, quando a turma de Juan, em um acampamento, está a ser submetida exatamente à função castrante da escola de que nos fala Althusser, o menino, em um gesto lindo que mistura, poesia, amor, afeto e revolução, convida sua “amada” para sair pela floresta. A lucidez, clandestina à maioria dos seus colegas, é absolutamente presente na infância de Juan. Portanto, quando o menino é obrigado a mudar de identidade para existir dentro do regime, em verdade, nasce ali sua maior autenticidade, pois, se a despeito da perseguição de seus pais, ele não poderia existir como Juan e apenas como Ernesto, de outro lado, exerceu uma característica ausente em tempos tristes de imposições conceituais. Ernesto foi compositor de sua obra, e à maneira nietzschiana, escreveu sua vida como a obra de arte que quis. Subverteu o sistema da escola quando se recusou a hastear a bandeira da Argentina, impôs-se à ordenação da escola, e enquanto os outros encenavam de maneira boçal a invasão das Américas, ele se enamorava no meio da floresta. Amor e revolução são realmente bons namorados.Para essa idéia um fragmento de um poema nosso:
Demais é rabiscar livros com heresias sentimentais,
derrubar estados e construir arco-íris,
transpor  imagens, só ver miragens,
carregar no peito nada além do que sentiu,
trazer uma mala cheia de estórias,
inventá-las sempre que puder,
deixar escorrer pela pele toda a efusão,
do encontro tornar vida e morte,
na estação mirar o próximo porto,
descansar com os ouvidos ao som inaudito,
ferver no gelo do corpo devastado,
inverter a direção do mapa, só pra ver onde não vai dar,
de mãos dadas seguir com o algoz,
zombar dos deuses, adorar o humano,
com flauta doce, receber o inimigo,
desconfiar da razão, entregar-se cândido ao abismo da emoção, 
que o que vem seja anunciação, e o que vai, saudade,
a ausência, criação,
olhares novos, perfeição,
ao invés do verbo, poesia e canção,
pois sentimento, se é sentimento mesmo, tem que ter heresia, senão é convenção...

De alguma forma a amarra criada pelo regime, ressoou em Ernesto de maneira inversa. Enquanto não possuía uma identidade oficial, ele inventava a sua própria. Assim como seu homônimo o fizera tantas vezes, com a mesma sanha libertária. Nesse sentido, a ausência de identidade talvez seja uma mostra da necessidade da ausência de uma aceitação impune das variegadas ideologias que nos são impostas diuturnamente.
O tio de Ernesto é outra figura interessantíssima da trama, pois figura como aquele que cria subversão dentro da subversão. Desobedece ao pai de Ernesto, seu líder, e realiza ações que evidenciam a necessária incompletude que é do humano caracter inalienável. Permite ao menino Ernesto ter a avó no dia do seu aniversário, a contragosto do líder. Ensina o menino a saborear um amor em forma de mulher. Desvairado abraça um soldado com uma granada na mão. Dose extrema de ideologia e amor à sua causa, ao sentido de sua existência. Aliás, essa idéia, de haver um sentido no existir é outra possibilidade que o filme nos enseja. Seu tio então é encarregado por evidenciar o amor em Ernesto ao encorajá-lo diante de sua inexperiência e timidez. A beleza dos encontros de Ernesto com sua amada, aliando sentimento puro em meio à guerra, e os diálogos afetuosos com seu tio, encarrega-se de tornar algo mais leve a questão. “Água nova brotando e gente se amando sem parar...”
Assim, apesar da carga forte, pois se trata de um filme baseado em fatos reais e no qual o diretor dedica à sua mãe desaparecida. Parece-nos que a visão infantil foi deveras acertada, pois ao invés de um filme em que a intenção resta clara, dada a racionalidade dos adultos, nesse caso, a infância do diretor, perdida em meio ao regime, revestiu-se de nitidez na existência que o permitiria compor essa obra de arte.  Nesse caso, é fácil perceber o sem fim de boas idéias que essa película nos encerra. A criança não é a criança que o adulto pensa que ela é. Sua beleza esta na capacidade inventiva, parecida com a que é narrada na música João e Maria de Chico Buarque. Não se pode impor à criança, ela inventa - se Ernesto ou Juan, não interessa. Isso, pois foi Ernesto que, mesmo com as possíveis mazelas que imaginamos existir em uma criança que é submetida a este histórico, quem percebeu sua infância clandestina e resolveu, quando adulto, denunciar tudo que havia ocorrido, mesmo que de maneira clandestina em uma sala escura de cinema.
Bernardo G.B. Nogueira
BH - verão

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Oração

oração

sempre Buenos Aires restará,
pra amores esquecidos,
pra dias de sol,
tardes com chuva,
olhares novos,
também tango,
de poesia e paz,
de almas coloridas,
um idioma corrido,
que diz de mim e todas as minhas sinfonias,
sentir amor com esse timbre é como mirar o rio de la Plata,
parece que corre parado,
do mesmo jeito que estas palavras de Buenos Aires correm em meu peito,
paradas pra fora e revolução por dentro,
e foi assim que descobri o amor,
olhando as palavras e vendo-as perder na marola dos seus olhos cor de poesia...

Bernardo G.B. Nogueira
BH - verão

Sambinha

sambinha

se sou seu sambista então me diga assim,
sem dó nem piedade,
dá-me seu silêncio,
farei dele tempestade,
me entregue seu corpo, são,
sem castidade,
se sou seu sambista,
não se cale,
me diga em tom uníssono,
vá e não faça alarde da sua ausência,
cantarei a fel, a fogo, à insaciedade,
de um samba que doi no peito e sai na garganta,
louco a te buscar pela cidade,
se sou seu sambista,
faz em mim enredo de saudade,
não leve meus acordes,
distorcido vou cantar à sua santidade,
que em meu samba é noite sem lua, 
mas que quando voltas
faz em mim letra, música e verdade,
se sou seu sambista...

Bernardo G.B. Nogueira
BH 

Nascimento

nascimento

me querias mito,
grito solto e infinito,
dado a ti, inscrito,
sob teus seios, menino,
de partida, qual um rio,
que regateia seu corpo
a inundar de gozo,
em águas sem remanso,
pra mudar seu rumo,
arrancar-te o mar,
tornar a espera fantasia,
só pra ver sua maresia,
e quando o verão se for,
transformo o mundo em primavera,
só pra te ver flor...

Bernardo G.B. Nogueira
BH

qualcosa bandito

qualcosa bandito
 
tudo bem que sintas receios,
tudo bem que lhe amedronte a corrupção e a avidez de amar,
mas todo o bandido do poeta jaz em esculpi-la,
feito arte inventada,
do nada que brotou seus olhos,
da tez cândida donde avoa seu infinito,
todas essas expressões da poesia,
linda, voraz, que devora e ri,
como os tempos que fico longe de ti,
a criar, amar e morrer de tanto ser seu poeta...
 
Bernardo G.B. Nogueira
BH - verão

domingo, 16 de dezembro de 2012

eu sou é ela...

eu sou é ela...

se te quero, vais embora,
se te chamo, bates a porta,
ao clamar, faz-te surda,
se suplicar, dá-me a nuca,
se cantar, desvia os olhos,
se me solto, condena-me,
acaso recue, chama-me fraco,
se silêncio, és multidão,
se carnaval, livro e natureza,
bloco na rua, te revestes em solidão,
levo-te choro, pedes sorriso,
levo-te ao mar, queres a noite,
se flutuo em versos, agride com realidade crua,
se desnudo, decola sem fantasia,
acaso fuja, dá-se por desentendida,
ofereço vinho, queres sanidade,
quieto me torno, insiste em loucuras lascivas,
se a noite lhe apanho com as mãos, escorregas com sono,
se o coração arranco do peito, chama-me insano,
“ah! Bruta flor do querer
ah! Bruta flor, bruta flor”


 
Bernardo G.B. Nogueira
BH - 2012

espera...

espera...

e de novo esperei,
como a areia o mar,
a viola o tom,
a marola a canção,
a cama o amor,
o verso o avesso,
a estrada a saudade,
o beijo o corpo,
o olhar a alma,
a sede o toque,
a noite a vida,
o sertão a chuva,
a uva o vinho,
sua boca suspiro,
como "morena dos olhos d'água"...

Bernardo G.B. Nogueira
primavera - BH

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Daqui e de lá


Daqui e de lá

Sob o olhar atento de um peito aventureiro. Restou caído um dizer de solidão. Somadas todas as presenças ausentes de que não se conseguiu desvencilhar. Estaria ali uma pintura que fora soma de todos os passados, ou seria, na verdade, um mero rabisco de uma memória impossível, mas mesmo que sabidamente impossível, insistente em se apresentar? Eram indagações, que se de um lado cheiravam filosofia, de outro, assombravam o estreito presente que se estava a construir. Paisagens de uma imagem construída. Imaginação.
Tocar no solo talvez ajudasse a entender a medida do etéreo e do real. Solo envolvido por outras imaginações - de outras pessoas. Outros tempos e outras canções. Não haveria enfim um acorde puro. A pura imaginação é devaneio. Espírito sem carne não deixa andar. Flutuar é uma tarefa que requer apuro. Puro ar e pura intuição. A este tempo já não caberia mais reflexão. Se de alguma forma se quis ver, só a vista posta não garantiria a precisão. O corpo que reclama não deixa livre o coração. Se a vista o mar alcança, é porque longe se vai o desejo.

O invento não se faz com certeza conseguida. Da mistura que é a verdade. Porque entre viandantes é que se permitiu a criação. De dentro do um, que encontra o olhar do outro, brota o novo que é dos dois, mas que não é de ninguém não. É só marca de história. Memórias que se juntam pra coser outra canção. Ver isso é entender que o entendimento só se dá “entre’’. E agora vou escrever um parágrafo inteiro sobre as coisas que penso fazer entender.
Entre o tempo que vive e o tempo que se conta. Entre a valsa que dançamos e aquela que sentimos. Entre os olhos que miramos e aqueles que mentimos. Entre a farsa que se vive e a verdade que se fala. Entre a menina que existe e o rapaz que se sonha. Entre a avó que é sublime e a jovem impostora. Entre a mulher que se exibe e aquela que é magia. Entre a letra que se grafa e aqueloutra que apenas sonha. Entre um passado que se mede e um presente que poesia. Entre a certeza que é verdade e a criação que é vida. Entre a carta que é escrita e o choro que sente saudade. Entre lá fora que faz frio e aqui dentro que tudo queima. Entre o infinito da planície e a incerteza da montanha. Entre a consciência da tragédia e a fraude da razão. Entre a métrica do poema e a insensatez da realidade.

E por serem tantos os caminhos e de tantas cores é que a ventura da estrada faz-se plena. Oscilar como átomos. A incerteza da física nos indica quão fértil é este passeio. É só ver como passeia a bailarina. Sempre indo e vindo. Entre saltos que parecem plumas a pairar. Corpo em movimento. Movimento de todas as partículas quando baila. Desde um oriente inventado até um ocidente cansado. A bailarina é um bom arquétipo de que a imaginação que se tem é a verdade que se pode ter. Nada mais e nada menos. Só invenção. Aparição inaudita. Só a bailarina que tem. Estrela e atriz. Bailarina.

Da imaginação e da realidade o que se tem é a réstia entre o dito e o vem a ser. É sempre nesta tensão que podemos estar. Salvo se de alguma forma nos assemelhemos à bailarina. Pois ela pode tudo. Até não ser bailarina. Restariam choros a solicitar que retorne. Que dance. Que voe. Que flutue e faça flutuar. Que destrua a gravidade e também a falsidade. Que borre a maquiagem de quem assiste. A dela não. Porque nela não há tensão. Isso só pra dizer que pra saber do peito aventureiro, do presente, do passado, da filosofia ou da invenção, talvez se deva esquecer de todo conceito, da coisas certas, da rima pronta e da exatidão, da história que se conta e do relógio que mata. Errar feito a bailarina que faz da vida arte. Que encerra em um passo e um flerte toda a ode de amor, de ódio e de humano.

Todos passaram, ‘o passarinho’ não. Isso só porque ele avoa como a bailarina, porque enquanto quedamos aqui cheios de explicação, com dois mundos, um de verdade e outro que é invenção. Nada de atrito para a bailarina que em seu voo é sublime, esquece que é palco e se apresenta na vida, esquece que é vida e inventa no palco. E quedamos lançados nesta dúvida que parece rio turvo depois da inundação. Menos a bailarina, que passa sem ao menos ver ‘seu vigia catando a poesia que entorna no chão’.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – verão e bailarina.

sábado, 8 de dezembro de 2012

promessas...

promessas...

aí vais me dizer
que prometo,
prometo,
prometo.
Nada faço, e prometo.
De novo, só te escrevo.
Só te beijo, e nada.
Uma vez mais, destrói suas pegadas,
mas volta sorrateiro e desnuda sua morada.
Mas ainda ouço-te dizer,
que prometo,
prometo e mais nada não.
Uso de belos versos,
contos boas estórias,
canto choro e samba canção,
deixo flores na mesa,
gole na garrafa e cigarro pelo chão,
e sem barulho escorro pela soleira,
e diz que me perco pelas ruas,
que de noite nem sinal,
mas que de madrugada tem lual, serenata e tal.
E diz também que sou assim, assado,
toada de amor,
e que até deixo cheiro de flor,
mas tem hora, parece faca na carne, sem dó.
E vais falar pra todos que não vou voltar,
que tem vida nova,
que tem novo amor.
É, vais falar,
mas quando e sempre que falar,
é da presença ausente que se vai lembrar,
e ai, só pra maltratar,
porque matreiro é o coração,
o trilho do trem vai errar,
e mesmo que já vá longe sua nova vocação,
a promessa minha vai bater em sua cara,
e se não deixar entrar, invado seu coração,
com promessas,
promessas e invenção!

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

carta de mulher com medo de amar...



carta de mulher com medo de amar...

ri de mim não,
sabe não o que tem aqui,
um turbilhão.
Demais da conta que parece erupção.
Nenhuma fresta
 resta sem canção.
Vai embora sem calma e volta sem anunciação,
o seu olhar que me ria, foi só minha invenção,
e se ficar a rir desse jeito que faz,
vai acabar fazendo coisas nesse campo que jaz.
Porque tem o Chico cantando e flor no sonho,
porque assim parece que tem amor,
pra depois dormir e viver com verdade esse ardor,
saído de dentro das letras que vão nascendo e procuram te compor,
tipo a hora em que a música encontra e letra,
do jeito que a fome encontra a boca,
da mesma forma que o gole concebe a louca,
igual quando o corpo sedento se entrega em cor,
 vivo de vontade, sem pudor,
e por causa dessa coisa que acaba por inventar,
chamo a chama pra encontrar,
na verdade, clamo!
És vício e és maldade,
fel e bondade,
e por dentro destes olhos que me riem em tom único a inundar,
fazes hora de rir,
já tens o arreio, agora é só cavalgar...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete...