terça-feira, 31 de julho de 2012

verdade...


verdade...

nua no olhar,
nua no cantar,
nua no mar,
nua no falar,
nua no beijar,
nua no luar,
nua ao vagar,
nua ao voltar,
nua no altar,
nua ao se deitar,
nua ao se levantar,
nua ao chorar,
nua ao declamar,
nua ao reclamar,
nua ao instigar,
nua ao me deixar,
nua ao flutuar,
nua ao afundar,
nua ao trafegar,
nua ao inventar,
nua ao me apaixonar,
nua ao me amar,
nua de matar!

...nua e crua.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – inverno.

conversação


conversação

Então, pra quê tanta produção?
Tanta classe?
Tamanha entonação?
Nessa vida em disfarce,
sob olhar sem coração?
Pra quê o holofote?
A câmera e a televisão?
O som no carro, maldição.
Pra quê o tudo?
Este e o outro lado?
Pra quê um rio sem sensação?
Falsificação?
Pra quê tanto? Pra quê tanta?
Homem, mulher? Marido, esposa?
Viúvo ou separada?
Pra quê?
Se resta o pó, o chão.
Pra quê o brilho?
De onde vem essa devoção?
Pra quê os tiros e o canhão?
A pressa que não cessa?
A flor sem cheiro?
E o amor, que nem é por inteiro?
Pra quê o isto ou o aquilo?
Dentro de outro ou fora do mesmo?
Pra quê o cansaço sem direção?
Pra quê essas palavras?
Pra quê o pranto?
Pra quê a prosa e a cantação?
Pra quê o roubo e o ladrão?
Pra quê adivinhar ou fazer previsão?
Pra quê o humano se já nem se sabe dele mais não?

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – inverno.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

pequena poesia do tempo


pequena poesia do tempo

Sou poeta e meu tempo pulsa,
não anda,
não cansa,
e nem tictaqueia.
Não cria teias, nem matraqueia.
Escorre sereno e desencadeia,
em notas intensas afora pela veia.
Desbrava minha carne,
combate em lua cheia.
Vai embora num instante,
retorna quando anseia
seus olhos que me invadem,
tomam meu tempo,
devolvem como areia.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete - inverno

domingo, 29 de julho de 2012

Dever de vida


Dever de vida

Eu deveria fazer um poema de ti,
para seus olhos que brilham,
para sua boca que sorri,
pra cantar sua magia em que vivi.

Deveria ser um poema gigante,
porque é seu o infinito,
porque tem em seu corpo todo o instinto,
porque em ti sou errante.

Deveria escrever para te imortalizar,
beber seu gosto e festejar,
tocar seu corpo em gozo pleno,
derramar em seus olhos meu choro ingênuo.

Deveria sonhar pra te criar,
deslizar leve e forte sobre sua face,
voar sobre ti em carícias, nosso enlace,
deitar entre seu suor, um combate.

E depois de cumprido meu martírio,
desfaleço sob o seu encanto,
sem saber do escrito ou do devaneio,
na confusão de ti que é poema vivo. 

Que é vida minha,
que é todo meu anseio!

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – inverno.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

(...


(...

Quantas vezes já se descuidou da rima?
Por quantos minutos se esqueceu da mira?
Em quais momentos se despediu da crença?
Qual foi o dia em que permitiu a dança?
Qual estrela foi sua criança?
Em qual esquina se perdeu?
Por quantas ruas não viu as placas?
Em qual guitarra mudou a nota?
Por quantos céus esqueceu a terra?
De quantas formas encenou o falso?
Qual a cor que criou uma nova?
De qual harmonia destoou?
Qual pintura já borrou?
Qual namoro inventou?
Quantos castelos derrubou?
Quantas verdades enfrentou?
Em qual segundo se apaixonou?
Qual olhar enfeitiçou?
Qual a frequência que inventou?
Quantos precipícios se lançou?
Sob qual carícia se entregou?
Sob qual arrepio se prostrou?
Por quanto mar se lançou?
Quantas garrafas entornou?
Quanto gozo arrancou?
Qual delírio salvou?
Qual vida?
Que morte?
Qual estrada?
Qual amor?

Epitáfio)

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete - inverno.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Paixão...um, dois...


Paixão...um, dois...

Beba toda a garrafa
antes que amanheça
a noite se desfaça
e a uva torne farsa.

Logo, breve como o tom,
instante como o amor,
poeta qual uma flor,
constante, com ardor.

De serenata com primavera,
em tez sentida e sincera,
pois cálida é sua quimera.

Cai em prantos sem espera,
do fim do corpo que me encerra,
ao fim do gole, me desespera...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete - inverno

terça-feira, 24 de julho de 2012

Por entre vias


Por entre vias

Escrever seria a salvação,
intenso retorno aos princípios,
extensos domínios feito precipícios,
eternos os destinos daquela noite, uma canção.

Às voltas com o acaso,
qual amantes em praças,
descompasso, riso, graças,
em um mar interno com quem me caso.

E de todas as selvas que me despeço
retorno suspeito de saudade,
vão sem dono, espaço e criação.

Nada há o que temer,
nem é preciso dar a mão,
meus olhos se me guiam ao seu coração.

Bernardo G.B. Nogueira
Inverno – Conselheiro Lafaiete.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Viagem


Viagem

Na solidez do meu fim,
fica guardada toda a imaginação,
a cada repique dos sinos,
uma multidão se refaz sobre as estepes.

Malditas feito cegos no jardim
a colher as flores do esquecimento,
guardadas em caixas de nuvens,
feito céu que não se abriu,

qual casulo que não pariu.

Imaginadas em cirandas sem início,
fim ou meio,
cantigas para vistas sem receio,
espadas cravadas sob um claro devaneio.

Amanhecido de mim,
findou enquanto vivi,
em todas as labaredas criadas,
versos impuros e almas encurraladas.

Doce sabor do mistério,
de criatura que não foi criada,
do invisível na noite calada,
das frias montanhas,

da nossa doce escalada.

Bernardo G.B. Nogueira
Inverno – Conselheiro Lafaiete

Canção para embalar a leitura:
http://www.youtube.com/watch?v=TL_FEFMlzVY

sábado, 21 de julho de 2012

One day, one life


One day, one life

Eu queria contar pra alguém o que aconteceu comigo na noite de ontem. Pela primeira vez eu falei com uma pessoa que eu considerava um ídolo. Essa palavra deve servir para dizer que uma pessoa sente que a outra é transcendental em relação a ela e ao redor. Não, muito filosófico. Muito mesmo! Bom, mas é bacana ver como nem sempre a gente é necessariamente apanhado por essa coisa do desejo criado e do desejo irrealizado e criado e irrealizado e nós por essa ciranda afora, sem nós e sem os outros ao mesmo tempo. Todos e cada um a seu tempo, tentando achar essa cosia de simetria. Mas só queria dizer que depois disso descobri que tenho muito mais ídolos do que imaginava. E ao mesmo tempo, muito menos ídolos. Isso porque o HG na verdade não é um ídolo que tenho. Não mesmo. Eu respeito demais a arte dele para dizer isso. Essa coisa de ídolo é magia pura. Ao menos pra meu coração de menino. Na real cara, o que senti ante ele é bem menor do que tudo que suas canções e palavras já me haviam dado. O cara estava lá diante de mim e com o meu livro e o dele nas mãos. Era lá um artista e seu ofício. Eu estava diante de parte de minha história. Por isso que falei essa coisa de magia. Porque transformamos o cara em algo bem além do que ele é, sobretudo do que o que ele acha de si mesmo. Isso é que chamei de transcendental, o cara é superado pela sua arte e nós superamos a sua existência real com aquilo que levamos de nós para a vida dele, mesmo sem ele saber e claro, sem mesmo ele querer. É claro que agora posso dizer que o cara tem meu último livro nas mãos e que talvez eu tenha um cara famoso lendo minhas palavras. Que engraçado isso. Eu escuto o cara, leio os lances dele, me crio e recrio e depois ele poderá me ler, vai acabar encontrando com um pouco dele lá. Ah, mas a ideia aqui é escrever sobre ídolos. Impossível né! O 1berto, aliás, como ele assinou meu exemplar, sempre foi pra mim bem mais do que um all star, um cabelo grande,  um contrabaixo e um palco barulhento de rock. Tem um lance que eu acho que explica melhor a coisa do ídolo. E essa cosia, é a coisa da transcendência. Estou usando essa palavra filosófica porque não tenho um vocabulário menos chato. Deve ser resultado de minha chatice peculiar. É isso aí, talvez ontem eu tenha me tornado de novo e como sempre uma criança que ouvia os Engenheiros no som do carro do meu pai e que achava que saber o que aquele cara estava dizendo me daria a chave para sair daquela infância e me tornar adulto. Hoje, depois de tantos anos, tantas canções, poucas vogais e tudo o mais, vejo que na verdade o que rola é mesmo essa onda filosófica da criança que transcende. O 1berto não é meu ídolo não. Talvez ele seja um cara com cabelo grande que eu achava que nem existia mesmo vendo ele lá no palco, mesmo apertando a mão dele e encerrando nossos olhares de adultos em uma foto de fã, coisa de fã para ídolo.

Bernardo G.B. Nogueira

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Do fim, do amor


Do fim, do amor
(A Pablo Neruda)

Com febre do pranto,
de sua boca
insana, com que me bebeste.

Com febre reclamo,
ausência,
engano, meu dano.

Com febre partilho
o profano amor,
desmedido e sem cor.

Com febre inflamo,
em seu corpo sem dor,
pela sua pele, ardor,
da noite clara, torpor.

De febre deliro,
sob tua boca em movimento,
seu olhar, meu incenso,
seu desvio, tormento.

Com febre me jogo
em seu abismo,
infinito e completo,
desmedido e possesso.

Com febre me mato!
Sem saber!
Do amor!
De amor!

Bernardo G.B. Nogueira
Inverno – Conselheiro Lafaiete

quarta-feira, 18 de julho de 2012

da invenção...


da invenção...

“Ai” como eu queria que me surpreendesse,
como seria bom um dia transformado em noite,
descer dos montes flutuando,
sem ver qualquer rastro de atrito do mundo,
subvertê-lo e transformá-lo em meu, e seu,
sem ninguém mais a opinar,
da verdade ou da razão daquele encanto,
do canto composto apenas para nos saudar,
e deixado de lado para nos esquecer,
pra de novo recordar daquilo que irá aparecer,
novo igual a primavera e feliz feito outono,
sem essas coisas já traçadas e possíves de serem vistas,
um espetáculo novo,
arte moderna a tornar ruínas o velho decoro,
como seria feliz meu sorriso,
sem vestígio algum de algo que já foi,
pura criação,
de efeito mágico e sem antepassados
forma ou direção,
como eu queria que me surpreendesse,
nascido feito criança e vivido feito montanha,
pra escalar meus versos e me ensinar o anverso,
como eu queria...

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete - inverno

terça-feira, 17 de julho de 2012

O tempo e os olhos


O tempo e os olhos

Acho que hoje vou falar do tempo. Mas não pretendo me demorar naquelas coisas chatas e de lugar comum com que algumas pessoas se fartam: “O tempo está a correr.” “Não conseguimos acompanhar o tempo.” “Parece que o tempo está a «andar» mais depressa.” “Nossa, meu dia deveria ter 48 horas”. São infinitos os reclames. Assim como é infinito o tempo. Assim como podem ser infinitas as possibilidades com que percebemos esse tempo. A forma como o apreendemos. O jeito como fazemos com que ele deixe de ser tempo e se torne nós mesmos. Meu parceiro, Marcos Assumpção, entendeu bem essa coisa do tempo. Compôs ele um álbum que se chama “O tempo em nós”. Convido o leitor a conhecer tanto o artista quanto o álbum. Conhecer o tempo? Aí já é outra tarefa. Mais árdua. Mais impossível. Não menos interessante, talvez por essa sua face inapreensível.

Comecei a dizer que iria falar sobre o tempo. Tento agora não me perder no tempo e me entregar àquela pressa que mencionei. Senão aí eu vou falar que precisaria de mais tempo para escrever esse texto. Escrita que não pode ficar presa ao tempo. O que é já impossível. Sempre estamos no tempo. Presos ou livres. Esta é a questão. Tornar-se escravo e falar dele como seu patrão, ou inventá-lo, ao invés de aceitar inerte sua ditadura. Esse pensamento pode ser visto sob a perspectiva de uma existência dentro do capitalismo do consumo em que vivemos. Essa histeria, meus amigos psicólogos e psicanalistas me perdoem o uso do termo, está associada à forma como nos portamos diante deste vilão, ou deste namorado, ou namorada, que é o tempo. Tentarei explicar a distinção entre tempo vilão e tempo-namorado ou namorada.

A ideia do tempo vilão está associada à ideia de querer viver como mocinho. Isso, muito comum ao modelo de vida capitalista norte-americano e que fica evidente em muitas das produções cinematográficas deste país. Essa vida também está de alguma forma presente na personagem Bovary do romance de Flaubert. Vida em que o problema é o outro. O marido que não realiza a esposa, neste último caso. O vilão que não permite ao mocinho uma vida tranquila e virtuosa. O interessante é que se não houvesse o um, o outro, nem sequer existiria. Mas sobre esse assunto não falarei aqui. Opostos e paradoxos são quase uma forma de constituição do humano.

No caso do mocinho, criamos uma forma estranha de nos relacionarmos com nossa própria existência, pois acabamos por entregá-la “de bandeja”, isso porque quando o tempo é o vilão, nós nem somos o mocinho, pois este é o oposto do vilão, e o oposto do tempo seria o não-tempo, o que não existe. Mas que precisa ser inventado. No entanto, essa não é a conclusão que chego nesse tipo de tempo. Aqui o sujeito assim se coloca não pela sua forma de existir, ao contrário, existe pela sua não-existência. Explico-me:

O tempo quando é vilão, age ele mesmo nessa direção. Furta das pessoas uma forma de se colocar no mundo e instaura sua existência à revelia. Em um processo, no poder judiciário, o réu que não comparece para se defender, é considerado revel, ou seja, é julgado sem que esteja ali a se defender. O ser humano que tem o tempo como vilão é julgado em sua vida da mesma maneira. Simplesmente por não tomar as rédeas ele fica ali dando vida ao tempo e a utilizar-se de uma figura de linguagem, a prosopopeia ou pessoalização - que significa a atribuição de ações, sentimentos animados a seres inanimados – e a ver o tempo a agir como se humano fosse. Daí que o tempo corre, voa, anda depressa, devagar - digo aos amigos filósofos que sei bem da diferença entre o tempo medido e o tempo sentido, e todas as consequências que isso tem, meu assunto agora não é explicar essa distinção.

Então, de prosopopeia em prosopopeia, fica o ser humano como uma marionete de si mesmo. Marionete do tempo em nosso caso. E o pior, as pessoas convivem com essa figura de linguagem como se fosse algo que de fato existisse. Não existe. Isso fica de certa forma engraçado. Pois, a questão da linguagem é complexa, estamos e existimos nela. E nossa relação com a linguagem é mesmo constituidora de nós mesmos. Parece que essa minha ideia tem mesmo procedência. Ora, é só lembrar que um filme que fala de zumbis foi gravado em um shopping center. E como nessa forma zumbi de existir não há percepção de tempo, essa figura de linguagem é o que resta. Resta agora, às pessoas que se relacionam com o tempo como vilão, sentirem-se aprisionadas pelo tempo. O que não é diferente do que ficar preso no shopping. O que é o mesmo que estar preso à forma capital consumista de existir. Essa forma impede a criação. Portanto, o vilão que nos aprisiona nunca deixará de ser vilão. Nesse sentido, nunca deixaremos de ser marionetes, zumbis ou coisa do gênero, Continuaremos nessa caverna. Aliás a metáfora da caverna também poderia ser usada aqui. Mas isso poderia cansar o leitor e o tempo poderia reclamar também.

A outra forma de se relacionar com o tempo é o que chamei de tempo-namorado ou namorada. Ao invés de temer o vilão ou “prosopopeiá-lo”. Talvez devêssemos namorar o tempo. Tê-lo como namorada. Digo namorada não porque é do homem. Mas porque é mais bonito do que dizer namorado. Então, miremos: Enquanto diuturnamente as pessoas se desesperam com as prosopopeias que elas próprias criam. De alguma forma, seria mais criativa uma forma namorada de ver o tempo. Ver o tempo como uma namorada é necessariamente estar enamorado dele. Como diria o poetinha, tem que ser de um tempo só, não de vários. Assim, namorar o tempo e se namorar por ele é cumprir a ideia de que a cada olhar que ele nos direciona, a cada carícia e cada beijo, acabamos por nos envolver e nos deixarmos criar por ele, ou por ela. Aqui estou a dizer que o tempo-namorada é o que nos liberta da prisão das necessidades da vida capitalista. Ou seja, aqui não consumimos o tempo. Não o medimos e nem queremos aumentá-lo ou diminuí-lo, cabe aqui inventá-lo. Inventar o tempo é estar apaixonado por ele. É então, namorar com ele. Isso é mais interessante e mais criativo ao menos, do que viver como um ser humano que não se percebe, e que histericamente tenta acertar os ponteiros externos, uma clara mostra de seu desarranjo interno.

Quis escrever sobre o tempo. Acho que acabei escrevendo sobre uma forma de viver. Viver no tempo ou viver o tempo. Quando namoramos não devemos tentar nos apropriarmos do outro. O tempo e o outro estão em nós. Assim como o contrário também é certo. É uma criação dialética em que nos formamos, amamos, ou não. Então, é interessante pensar o tempo, sempre. Pois, ao pensá-lo, pensamos a nós mesmos. E, de outro lado, essas duas formas são duas maneiras de viver. Uma, na histeria de frear o irrefreável e captar o que escorre pelas mãos. Outra, sob os olhares enamorados de um amante. Que cuida de reinventar seu amante para que invente a si. Sem amarras e sem prosopopeias. Ao fim destas ideias, parece que o olhar é mesmo o responsável por isso tudo. Aliás, não é o olhar em si, mas a maneira como nos relacionamos com ele. Uns passam correndo e não são esquecidos. Outros param diante de nós e mesmo assim não são percebidos. Olhar e tempo. Não deveria ter me metido nesse texto. Não podemos prever nem prender o tempo, assim como, não podemos prever nem prender os olhares que nos namoram.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – inverno.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Dançar, olhar, amar...amar, dançar, olhar...

Dançar, olhar, amar...amar, dançar, olhar...

Me tomam, não me devolvem,
em tantas visitas me envolvem,
soltam sobre mim, me interrompem,
abraçam meus passos,
embaraçam.
Criam meus versos, não disfarçam,
tiram minhas vestes,
invadem.
Sorrateiros em minhas fretas,
desabam dentro do meu abismo.
Infinitos como o sonho que não vem,
insistiram em deixar um torpor,
esquecidos como crianças,
quentes feito vingança
sutis qual lágrima de esperança.
Acordes a embalar minha crença,
céu intenso,
flor nascida.
Seu olhar,
vida inscrita,
nossa dança. 

Bernardo G.B. Nogueira
inverno - Conselheiro Lafaiete

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Como amar...


Como amar...

Como o timbre nos toma. Ouvir novamente aqueles acordes me levou de novo a seu mundo. Eu não tinha mundo. Não compreendia o mundo antes daquele timbre. Parecia mais uma sinfonia cada dito seu. Eu que antes não havia me iniciado nesta arte, vivia feito um camponês na metrópole, assombrado e sem graça. Vivia feito um artista cindido de sua embriaguez. Qual folha que cai de uma árvore que nunca existiu. Junto de ti apareceu uma mundivisão. Enquanto meus olhos eram sem visão, seu timbre trouxe a eles aparição. Porque também era uma invenção intensa cada dito seu. Dizer que era sem fala, em silêncio já era o bastante. Todas as coisas também eram ditas quando a noite adormecia seu falar. Mesmo em sonhos eu podia sentir o quanto seu timbre era imenso. É claro que por essas noites eu ficara perdido como nau em meio a tempestade no mar. Procurava em vão um silvo. Me colocava em silêncio total para tentar ver algo de sua magia. Meus olhos não eram o bastante para ouvir seu sorriso. Todo aquele sentimento se sustentava pela ausência de possibilidades de captar a ti. Tinha só aquele timbre do dia em que me viste pela primeira vez. Dia que foi também o último. As horas ficaram tão pequeninas diante daquele encontro. As alterações dentro de mim não permitiam ver a hora. A hora não havia mais. Havia vida, um timbre e o fim. O fim do dia que antecedeu a ti. O fim do amanhã que não houvera de existir, sem ti. O mar imenso que foi seu timbre me tomou pelas mãos. Não mais comi. Nem respirei. Sono não há mais. Apenas há um dia, seu colo e seu olhar. Dentro deste dia, que foi um mundo, havia o mar. Mar de notas que formavam seu timbre, se tornavam história e me constituíam. As canções nos embalam à vida. As composições escrevem nossa história. A mim, bastou pouco. Bastou apenas ouvir seu tom. Deixar tudo pra trás e ouvir a ti. Sê-lo. Seu. Cindido de tudo e de todos. Só assim pude ouvi-la em sua epifania. Bela, doce e amiúde. Intensa ao mesmo tempo. Total e incompleta em mim. Escrita e composta feito arte. Diante daquele momento havia tudo. Não havia nada. Entre o tudo que havia e o nada que não havia. Nasceu rompante. Irrompeu de dentro dessa imensidão que habita entre o tudo e o nada o momento exato de seu nascimento. Seu timbre foi assim minha aurora. Nunca antes ouvida e ao mesmo tempo sempre cantada. Precisou apenas de um silêncio de prostração para que seu canto ressoasse. Ouvir é amar.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – inverno.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

um...


um...

Pensei que havia um ar em comum
Como flores que nascem da mesma primavera
Feito copo que mata a garrafa
Qual um gole que toma a lucidez
Enquanto cigarro que queima sob uma vista incerta
Depois que a água deixa o leito e deserta
Como a face depois do choro pela fresta
Da janela aberta em chuva insana
Igual palavras de poema que se completa
Em rimas cadentes depois da pele tocada
De jeito que o corpo se entrega
Sem aviso nem conversa
Pelo estranho acaso que se completa
Em notas que se criam em trilhas incompletas
Infante como conquista inédita
Perdido como cheiro que faz festa
De alguma paralela que ao longe espreita
Escondidas fazem seresta
Para surdos de amor em noite mestra
Que nos cria como farrapo que resta
Pelo tempo liberta
Pela falta dele que desespera
Pensei que havia uma vida em comum
Havia vida, mas havia só um...

Bernardo G.B. Nogueira
Ponte Nova - inverníssimo

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Andança


Andança

Cheiro de mato. De todo aquele dia que foi quase noite restou o cheiro do mato. Havia uma figueira centenária, uma estrada com buracos e poeira. Pedaços da história do que virá. Como havia também pedaços da madeira que um dia já foi árvore, foi casa e é nada agora. A poeira encobria o caminho que era construído, a paisagem se confundia comigo. Meus olhos eram a natureza e a natureza era eu mesmo. Todos os pássaros que voavam sorriam para mim e informavam o rumo a ser encontrado.

Por cada vez que toquei aquele chão senti que uma nova vida brotava. Assim como em todas as partes daquele local a vida sussurrava aos nossos olhos. Dizia de uma canção que guiava nossos corpos para cima daquelas montanhas recheadas de sonhos. Recheio bom igual ao cheiro que partia do fogão movido a lenha. Fogão que também tinha uma história que se escrevia a cada estampido das lenhas queimadas. A lenha movia o fogo que esquentava a prosa e que trazia o café pronto.

Um menino cruzou nosso caminho com olhar que também tinha cor de mato. Ele riu, atravessou a estrada e se perdeu no mato que tinha a cor dos seus olhos. Acompanhava ele uma serenata de cigarras e sons de uma água que escorria pelo caminho que não sei se começava ou se acabava ali. Cruzamos o rio e deixamos o menino. Levamos seu riso e seu olhar. O mato ficou pra trás.

Ao subir a serra ficamos mais perto do sol e o quentume dele era igualzinho ao quentume que sentimos quando a avó abraça a gente. Abraço que também íamos dando na montanha ao subi-la. É uma maneira interessante de pensar os caminhos em volta das montanhas sentindo que a estamos abraçando. A relação fica mais gostosa, a viagem resta esquecida e depois é só amor com a montanha. Engraçado, por certo, ficar apaixonado por uma montanha, mas pior deve ser não amar nada nem ninguém. Fiquei apaixonado com aquela serra mesmo. Confesso.

Falando em amor, há também outra implicação nisso tudo. Eu não amei só a serra. Confesso. Assim que topei com o menino, eu acabei por me distrair e um regato que corria do outro lado da cerca me deixou apaixonado. Alimentava tudo ao seu redor e levava em seu corpo um pedaço novo de si mesmo. Não há como não se apaixonar por aquilo que cria em nosso coração um sentimento de leveza. Interrompi a caminhada e me entreguei àquele espelho d’água. Ficamos ali durante alguns minutos. O rio lindamente indiferente. Eu perdidamente apaixonado. Voltar ao caminho depois daquela relação de amor ficou mais real. Não trai a serra com o rio. Mesmo porque não me entendia cindido dele, nem dela.

Depois que a serra ficou pra trás o cheiro do café ficou mais intenso, e a chaminé que levava a fumaça branca embora, dizia que era hora de chegar. Chegar porque aqui ninguém avisa a hora. Porque não tem telefone. Menos ainda smartphone. Apeamos ao fim da tarde. O café estava à mesa. Tinham umas rosquinhas que o leite da vaca que estava ao meio da estrada havia fornecido. O riso do menino estava agora explicado. Ele sempre se servia ali naquela mesa. O rio ainda brandia lá fora dando continuidade ao seu curso infinito. Meus olhos se perderam adentro das palavras baixas que ebuliam de dentro da história da serra, do rio e da janela por onde todos os sonhos entravam em meus olhos. Janela que recebeu os raios do sol, as gotas do orvalho, a fumaça do fogão, e que recebia agora todo o cheiro que me criou, cheiro de vida, cheiro de mato.
Bernardo G.B. Nogueira
Inverno – Conselheiro Pena

Canção para ler o texto:
http://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg

quinta-feira, 5 de julho de 2012

ando

ando

de costas para a vida,
vê-la não me convém,
detém meu peito a partida,
dela quero o mel,
não quero a medida
do inferno  e das coisas benditas
indiscutidas,
verdadeiras feito o sol da madrugada,
qual amor em tempo de fachadas,
qual frio em dia ensolarado.

Quero o céu e a esquina, que cria
em cada olhar e em toda trilha,
como fruto de fantasias,
real, esculpida na face do não,
contra a classe e a multidão,
esquivo do tempo e da maldição,
de olhar pra trás...

olhar pra trás!
ollhar pra trás!

Bernardo G.B. Nogueira
BH - inverno