sábado, 23 de junho de 2012

Tocar e mulher


Tocar e mulher

Me tenha como mulher,
sua mulher,
me toque feito mulher,
detenha-me quando nao mais puder,
sem pudor esteja a meus pés,
recline-se sob meu viés.
Não se pretenda menor que reis,
não me entenda, não és,
escreva nada, esvaeço logo,
depois dos olhos, antes do amor,
ante eles todos sou torpor.
Precedo a ti e a tudo,
me torno sua condição,
me pedes, não concedo não.
Crias, ordeno-te!
sob pena de viver em reclusão,
de minha vida e de minha imensidão.
Me toma como mulher,
feito bicho sem explicação,
qual pétala que flutua em admiração,
trata minha pele como tela de pintar,
rabisque nela sua vida e toda minha perdição.
Do menor gesto faça canção,
de grande ato, precisa não,
que mulher é como arte
precisa ser sutil, leve, vem, e não avisa não.
É como aquela fresta que tornamos paixão,
feito verso que se torna samba,
como rima que é canção.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – inverno.

Me tomas


Me tomas

Não me canso de me encantar por ti,
pelo seu sabor e sua ausência,
fábula minha, sem paciência,
dor sentida pela carne que ri.

Salta aos mundos pela estrada de ti,
em caminhos se perde na floridão sem fim
das linhas esquecidas que me levam aqui,
pela frase sem fim que escreveste em mim.

Da tarde com sol te tomas em espelho,
furta sua face em esmero,
com mão acalentada te pinta por inteiro.

E como noite de sonhos,
pelo seu mar me afoga,
em olhos distantes e imensos,
cor de lua, que eternizou todos os momentos...

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – inverno.


domingo, 17 de junho de 2012

Entre a cordilheira, o Brasil e o velho continente, ou, um roubo para a vida


Entre a cordilheira, o Brasil e o velho continente, ou, um roubo para a vida

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Entre a Rio + 20 e a véspera da votação na recém classificada na eurocopa Grécia, recorro a um gole de vinho coincidentemente chileno. Coincidente, vez que hoje meus olhos tiveram um enlace com o filme “A dançarina e o ladrão”, originalmente chamado “El baile de la Victoria”, de Fernando Trueba, inspirado na novela de Antonio Skármeta.

Preciso falar de uma coisaa antes de exercer minha liberdade de olhar sobre o filme. E é em relação aos críticos. Parece-me estranho, mas na maioria das vezes, tenho a impressão que assisto a filmes diferentes daqueles sobre os quais os críticos escrevem, contudo, não irei criticar os críticos, senão criaríamos uma outra espécie, que talvez já exista: aqueles que criticam os críticos, mas isso seria tão enfadonho quanto as críticas que dizem que um filme que tem muitos clichês é ruim por isso. Talvez devessem ler o poeta que nos alerta: “todas as cartas de amor são ridículas”. Vamos aos sentimentos sobre o filme. Ridículos e não ridículos, “misturadamente”.

Muitas sensações são facilmente despertadas com a leitura desse filme. Desatento, como é o coração, aparece um cavalo a romper com uma sociedade ordenada com semáforos, faixas de pedestre, buzinas e silvos de policiais sem graça. Assim como é sem graça a vida sem música e sem qualquer tipo de dança, de subversão e de amor, de roubo. A tônica de um cavalo entre as pessoas é significativa - maior que uma crítica que alega ser um clichê. Na verdade, o paradoxo do cavalo em pleno voo entre os transeuntes faz com que reflitamos até que ponto a nossa racionalidade matemática tem prioridade ante a “desmedida” de um cavalo em meio à gente. Quando as pessoas entendem isso como algo extraordinário, fico a refletir se não mereceria maior assombro, ações que colocam um verso em menor escala que um artigo de lei qualquer. Preferimos a dureza das leis à sutileza do poema. Esse contraste deve explicar por que o galope primoroso de um cavalo causa aos seres racionais tamanho espanto. Não somos leves.

Mas fui direto ao cavalo. Deixem-me voltar um pouquinho para dizer um pouco do filme. Há ali algumas figuras que compõem a trama principal. Um ladrão que é lenda. Uma menina que é bailarina e não é nada. Um bandido que não é lenda e nem é propriamente bandido. O Chile pós-ditadura e um sentimento argentino, de um tango argentino. E assim como diz um antigo tango, “saído do subúrbio para o mundo”, tentarei cantar nestas palavras, do subúrbio do meu coração, para confins que só sei dizer em jeito de imaginação.

Logo que recebe anistia e pode ganhar a liberdade, Nicolás Vergara Grey (Ricardo Darín), por óbvio, como um claro clichê, sai à procura da mulher que amou e de sua família, e, claro, os encontra a viver bem melhor do que antes de quedar-se entre as grades. Nesse momento, encontra-se com outro que havia saído da prisão sob a mesma graça, Ángel Santiago (Abel Ayala). Este último, tem na lenda dos assaltos, Vergara Gray, seu próprio ídolo, e pretende com ele realizar um assalto que irá mudar sua vida  para sempre, nada mais clichê do que um ladrão pensar assim. Da mesma forma que é clichê ver Santiago a encontrar-se com Victoria Ponce (Miranda Bodenhofer), que viria a ser sua amada e a tornar o sentido da existência diferente para os dois recém libertados. Uma mulher a dizer o destino de dois homens, outro clichê. O fato de Ponce ser uma bailarina talentosíssima e estar à mingua nas ruas é o outro clichê. Poderia falar de outros, como o do criador de cavalos que é reconhecido pelo animal, contudo, penso que está de boa monta essa exploração dos clichês na obra, isso só para reconhecer o tanto que eles são leves nessa trama.

Gostaria de falar sobre Vergara Gray: se acaso ele é uma mostra de um ladrão mal sucedido, de outro lado, sob os olhos de Darín, transforma-se em todo o charme que o povo argentino carrega em seu olhar, com toda a sua certeza, seu vacilar e seu tango. Parece que a segurança do ladrão-mito contrasta com o humano em busca de um sentido que lhe havia sido furtado a partir dos roubos que cometera. A palavra sentido é o mote que me direciona nesse filme.

De sua parte, Santiago representa uma total ausência de peias em relação à nossa irritante sociedade politicamente nojenta e correta. “Enfia” um cavalo pelas ruas de Santiago e faz com os cidadãos polidos e pálidos sujem-se com a verdade de um animal em plena atuação, em face da fantasmagoria que fica bem representada quando a dançarina Ponce é rejeitada pela comissão avaliadora do teatro municipal. Ali as expressões acerca da fisionomia da garota são realçadas pelos jurados, num claro apelo há um mundo aparentemente real, no qual o porteiro ereto se assusta ao ser obrigado a segurar as rédeas de um cavalo. O real é assim, não avisa, nem coloca uniforme, por isso que amor é um só, o verdadeiro, assim como a poesia.

É claro que o amor é o irmão siamês do sentido aqui. Isso é mais um clichê. Da mesma maneira que é clichê ver uma primorosa dançarina estar relegada sem identidade e ser encontrada por um ignóbil aprendiz de bandido, posto que fora transformado em um, posto que fora obrigado a sê-lo, sem ser. Na verdade, os rostos de Ponce e Santiago são uma mescla de perdimento e doçura, outro clichê que embala a coisa toda do amor. É a tragédia de um jovem que tem seu sentido furtado, é a tragédia de uma jovem que tem sua fala também furtada.

O regime de Pinochet, encenado em alguns momentos, também é um dos componentes que fazem interessante a questão do filme. Pois, além do clichê do amor, do perdimento e de todos que falei, há um outro que é irresistível: o clichê de que o amor somente o é se for inventado. Então, ladrões se unem para invadir um teatro e colocar no palco a bailarina emudecida pelo regime. Invadem a instituição e subvertem a ordem, e agora o que reina é o delírio da dança e da poesia, apadrinhado pelas mãos dos ladrões e assistidas com louvor por quaisquer olhos que se queiram reais, nus como os cavalos. Roubar o regime, saquear seu dinheiro, foi também uma forma clichê de trazer a voz para a dançarina. Falaram ali os oprimidos, falaram a partir de uma face estranha que as instituições costumam costurar na vida das pessoas.

A dançarina cumpriu seu papel clichê. Musa de dois destinos. Como é belo um clichê em que lábios infinitos fazem apaixonar. Como é belo o clichê em que os passos de uma dança fazem revigorar a alma que resta na sarjeta de uma vida em que não há poesia, não há música e que não se curva ao reclame impreciso de uma esquina sempre a bailar de mãos dadas com a ideia de um novo amor. Como é belo o clichê de amar sem documentos. Como é belo o clichê de roubar o amor, de perceber-se furtado pelo ato de amor de outra pessoa. Pelo fato de ter seu futuro desenhado a partir do olhar apaixonado do outro, grande roubo, diria.

Vergara Gray procurou o sentido depois que saiu da prisão. Junto com Santiago – cada um com sua finalidade – tentou, a partir do roubo aos cofres de Pinochet, encontrar um sentido para sua vida fora da prisão. Isso não o faria reconquistar a família. Ele não servia mais. Claro que para manter o clichê também haveria a necessidade dessa tragédia familiar para um cara que sai da prisão. De outro lado, Santiago, também, através do roubo, queria imprimir um sentido à sua existência. Ter dinheiro para comprar o cavalo que o levara até a prisão erroneamente e partilhar de uma vida boa com sua dançarina. Os dois se valeram de uma mesma estrutura para modificar sua existência. Contudo, me parece, o grande lance disso tudo nem estaria na ideia do roubo em si. Ora, mesmo havendo promessas, planos e previsões por parte dos dois para saber o que fariam dali em diante, um evento já os havia enternecido: o olhar, a boca e a dança de Victoria Ponce tinham já enfeitiçado e criado neles uma nova subjetividade, na qual todas as miradas apontavam para a construção de um sentido a partir e desencadeado por aquela dança, e assim, por serem movidos por um bailar, que é também uma forma de poetar, o sentido agora era um sentido de amor. Santiago morreu por ele e por ela. Gray, não se sabe, ou sabe-se apenas que fora ver o tango.

A Rio + 20 e a Grécia podem dar seu testemunho dessa ideia: dançarinos de uma nova melodia ou ladrões de si mesmos? Aquele evento, se não continuar querendo roubar para viver, poderá manter a vida no planeta, este país, se mantiver a chama de seus antepassados e se quiser livre, permitirá a vitória de uma nova subjetividade em face do regime, não o de Pinochet...

Bernardo G.B. Nogueira
Outono – Conselheiro Lafaiete

sábado, 16 de junho de 2012

Um café?


Um café?

Hoje bebo um café que acabo de fazer. Mas talvez fosse ainda melhor beber do café que eu mesmo houvera de plantar. Desde a escolha do grão até a espera para o dia certo da colheita. Fazer aragem da terra e cultivar cada momento daquele pé de café que me vai dar o que beber dentro em pouco. É como tomar as rédeas e não entregar pra ninguém. Se o café for amargo, falhei no plantio, se for leve, cumpri bem a labuta. Depois dessa forma de me acorrentar a mim, nunca mais poderia pedir socorro. Parece que é uma forma de suicídio lento ou de renascimento constante essa a de preparar o próprio café.

De alguma forma pensei que poderia estar com esses grãos e essa terra em minhas mãos. Depois tomar o café. Antes colher e sentir o cheiro. Mas vem sempre uma garoa ou outra. Sempre há um algo ou um porém. Porém, por causa disso, um café ruim fica bom e o café bom pode também ficar ruim. De certa forma essa deve ser a graça de estar com essas rédeas nas mãos. Ora, mesmo sob a máxima atenção e carinho não se pode prever o que vem. Aquela chuva que pode ser a salvação da lavoura e ao mesmo tempo pode ser a arma que aflige de morte a plantação. Todas essas formas variáveis de acontecimento roubam nossas rédeas. Toda a exatidão de cada cova desce feito nada com a lama da chuva que não perdoa nem o plantador mais cuidadoso. Assim como o sereno não respeita quando chega e quer queimar. Aí é o fim, o início ou a invenção.

Inclusive, é interessante como mais uma vez e sempre os paradoxos estão a nos rodear. Ao mesmo tempo em que o sereno molha, queima. Ao mesmo tempo em que a água da correnteza bravia molha, cria uma secura que impede a vida. Vida que nasceu da água que irriga a planta e que depois volta para matá-la, sem dó, imprecisa e precisa ao mesmo tempo. O paradoxo sempre cria. Porque nasce a vida do encontro entre seres distintos. Mesmo que um dia a filosofia antiga nos ensinara que já existiram como um só. Ainda assim, só nasce do desencontro, o encontro. Da secura, a lágrima. Do papel em branco, o poema. Do fim da estrada, a invenção. E acho que agora que terminei a xícara entendi o motivo pelo qual esse café, que é como tantos outros, igual e diferente, me trouxe até aqui. Quase sempre um café vem acompanhado de uma prosa. A prosa por sua vez é normalmente estabelecida entre duas ou mais pessoas. Mas não significa que não podemos prosear sozinhos ou beber café sozinho. Pode sim.

Quando pensei na possibilidade de manter o controle fui ingênuo como quem não acredita no amor. Essa sensação aparece por conta de uma solidão e um medo do passo que temos que dar em direção ao outro. Não há uma existência sem ele. E, ademais, o cheiro do café só tem sentido por causa de um olhar que vem à mente quando somos interpelados pelo seu aroma. Ou quando o paladar ativa uma memória guardada entre as vicissitudes de cada dia. Nesse sentido é que aquelas rédeas que queremos ter à mão na verdade não nos estão oferecidas. O plantio pode até ser cuidadosamente acompanhado por amor e carinho. Mas o evento café não está nem de longe passivo e entregue a estas tentativas de antecipações. Somos sempre surpreendidos pelo outro que vem. Pelo que é maior que nós, exatamente do tamanho daquilo que não podemos prever. Ao contrário da dose que pode ser medida, a embriaguez com que somos acometidos não cabe na xícara, tampouco pode ser prevista aquando do plantio.

Um café é um momento de possíveis nascimentos. Esse momento a mim foi revelado nesta tarde de outono. Fui lavrador, plantei, irriguei e colhi. Cheguei até a escolher os grãos e os moer e torrar. O café estava em mim desde o nascimento até a morte. Sempre em primeira pessoa realizei esse ritual de criação. De fundação de um novo momento, de um novo gosto. Cada gole foi uma história contada. Cada partícula daquele cheiro formava em mim uma sensação desconhecida e que não fora prevista quando comecei o plantio e quando terminei o café. Meus poros foram reinaugurados. Meus olhos se surpreenderam. Essa surpresa é da mesma ordem do encontro. E aí que o café se ajunta ao novo encontro. Somos tomados pela novidade do outro. Somos embevecidos de seu olhar, tomados por seu aroma, furtados de nós enquanto nos perdemos em sua imensidão. Que é infinita, imprecisa e imprevisível, e que é, portanto, linda e apaixonante. Pois o outro pode ser um sol radiante que faz a plantação viver, pode ser a chuva forte que leva embora todo o plantio, pode ser o sereno que queima a lavoura, pode ser uma a boca insossa que não se sensibiliza pelo sentimento do café. Estamos sempre à mercê desse outro que nos forma, nos realiza, ama e odeia. Não posso escolher o gosto que o café me trará, pois não posso escolher os olhos aos quais me irei apaixonar. Sei que dessa tarde ficou o gosto de um café infinito. Os raios do sol que entram pela janela e aquecem meu corpo e o sentimento de constante possibilidade pelo outro que virá, sem pedir licença, sem bater à porta e sem avisar. Pois quando é amor é assim mesmo, quando percebemos, estamos enamorados, igual ao café, quando percebemos, a xícara já se esvaziou.

Bernardo G.B. Nogueira
Outono – Conselheiro Lafaiete.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Convite


Convite

Vamos viver nosso tempo, cândidos,
mansos e amanhecidos,
pelo fim da noite tardia,
sair ao regaço de nós, lânguidos,
feito dois esquecidos entre amanhãs,
deixados de lado todos os bravos,
tristes e alegres feito par,
de mãos dadas em pleno voo,
entre nossos olhares uma paisagem inventada,
imaginemos que somos só
dois e todos pelo mar adentro, ou afora,
com apenas um compromisso,
o de nunca e sempre,
soltar o peito feito cinza e fumaça,
enternecidos de todos os acordes,
sem distinguir nenhuma oração,
deitados sobre o tempo,
e que nos carregue como preferir,
eu, você e nossas invenções,
mas leves e com mais silêncio que ações,
e assim, quem sabe um dia, o amor venha nos visitar,
e se não vier,
que soltemos de novo do penhasco que não existe,
só para sentir de novo o vento que tinha cheiro de flor,
cheiro que trouxe a manhã e que criou em nossos olhos barulho de canção,
do amor que fecundou essa viagem e que foi e vem como cada estação.

Bernardo G.B. Nogueira
Outono - Itabirito

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Espera


Espera

Eu vou te esperar,
sempre vou estar aqui,
ali ou acolá,
mas a sua espera vou ficar.

Eu vou te esperar,
mesmo que a chuva não caia,
que o sol não saia,
independente de ser uma cilada.

Eu vou te esperar,
inclusive quando chorares,
a cada sorriso e nos dias sem tardes,
ainda que sua mão sem mim se distraia.

Eu vou te esperar,
depois da noite e pela madrugada,
a cada manhã, acordada,
mesmo que a solidão esteja minha enamorada.

Eu vou te esperar,
antes e ainda que se despeça sem uma última mirada,
com toda a fornalha do alvorecer, estarei sua finada,
de maneira que seja livre sua estada.

Eu vou te esperar,
por mais que outros olhos te levem,
leve permanecerei como sentinela, de guarda,
como um gato apaixonado pela sua empregada.

Eu vou te esperar,
mesmo sabendo que irá se demorar,
ainda que tenha sorte em sua escapada,
mesmo que seja outra a sua morada.

Eu vou te esperar,
mesmo que em ti, outro corpo tenha se esgueirado,
de um jeito que seja mais que o esperado, mais que pecado,
porque esperar mesmo é maior que o tempo contado.

Eu vou te esperar,
por toda tarde desaquecida pelo vão de ti,
e ainda que saiba que não voltarás,
irei esperar.

Pois foste sempre aquele que me fez esquecer,
aquele que a vida fez aparecer,
aquele que me mostrou que o tempo não existe,
e que há apenas o amor, arte da espera, arte do viver.

Bernardo G.B. Nogueira
Outono – Itabirito.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Tarde-manhã



Tarde-manhã

Tenho sempre que escrever coisas. Não sei bem o porquê disso. Das coisas e da escrita. Só sei mesmo é que são coisas e são palavras. Talvez seja mais uma tolice pensar no  que são ou poderiam ser palavras e coisas. Se se identificam, aparece outro mistério que não hei de descobrir nessa minha existência entre as letras e as coisas. Ah, e eu só não escrevi entre as palavras e as coisas para que as pessoas não pesassem que eu estava de alguma forma a querer me referir ao Michel Foucault. Não, definitivamente não seria correto pensarem isso de mim. Esse é outro enigma que se me aparece nessa tarde-manhã de outono. Que coisa mais bela são essas tardes que não se desgrudam das manhãs. Quiséramos nós que sempre fosse tarde-manhã e sempre também fosse esse outono que não sai de mim. Quando falo não sai de mim também não quero fazer alusão indireta à musica que fala de saudade.

Bom, sei bem que escrevo coisas em formas de palavras. Que é uma tarde-manhã da estação que mais gosto e que ficar sozinho é muito mais fácil que acompanhado, ao menos não precisamos dar palavras a ninguém e podemos escrever palavras sobre coisas. Mesmo sem saber o que são e o que hão de ser. Quanta coisa boa deixamos de aprender quando aprendemos. Essa coisa de saber o que são as coisas é coisa muito chata e que os adultos nunca deveriam fazer com as crianças. Quando elas não sabem, inventam, e os inúteis dos homens adultos ficam buscando palavras para dizer das coisas, e quando encontram as palavras ficam querendo saber o que seriam as coisas senão sinônimas das palavras que criaram para elas. Realmente é mais chato que eu poderia pensar essa coisa de entender.

Parece que quando queremos encontrar uma realidade que se torne passiva às nossas compreensões fica tudo mais difícil e também menos interessante. Se acaso as pessoas tentassem entender por que essas palavras e por que essas coisas, duvido muito que entenderiam qual o real motivo pelo qual escrevo. Inventariam uma teoria maravilhosa que conseguiria encontrar abstrações tamanhas que os faria a eles, ingenuamente, entender o que estava a figurar por trás da tal escrita, das palavras e das coisas. Advirto, não me estou a referir ao Foucault - e não que ele não seja uma pessoa a quem fosse interessante referir. Mas quero somente me referir a palavras e a coisas. Sem que o entendimento delas seja buscado e muito menos que essa possibilidade seja almejada. Quero só o infinito dos meus olhos que nem se atrevem a abrir as cortinas. Se abrisse a cortina todo esse mistério poderia se acabar e aí seria eu mais um adulto que sabe que não existe tarde-manhã e que se habitua ao relógio. Isso estaria diretamente ligado à minha impossibilidade de amar. Porque amar sem mistério é como irrigar jardins de pedras.

Daí que é esplêndido escrever sem estar comprometido com essas pessoas que sabem de tudo e cobram referências para o que escrevemos. Inclusive, as referências deveriam ser abolidas da escrita. E olha que me referi ao Michel Foucault. Mas o fiz para dizer que não estava me referindo. Como são bons os paradoxos. Aliás, esse é outro problema que enfrentamos. Não podemos ser paradoxais, sob pena de um diagnóstico bem referenciado de bipolaridade. Que coisa boa seria se as pessoas fossem menos unipolares como os pesquisadores que destrincham as ideias de um autor e sentem-se bem por isso. Sinceramente, dever-se-ia chamar a atenção dessas pessoas: Olhem! Respeitem os mortos! Criem! Mas talvez isso seja explicado para dizer que a história daqueles que se foram e pensaram deve alimentar nosso pensamento. Então, mais uma vez eu insistiria na subversão do furto. Furtaríamos a história deles e faríamos a nossa própria. Sem citações e sem referências. Talvez o mundo se tornasse mais novo se não houvesse tantas referências, sempre tão precisas, tão contextualizadas e tão bem colocadas. Essa bem colocância poderia ser trocada por uma inventância. O sentimento de saudade poderia passar a significar outra coisa se nos permitíssemos a isso. Desculpem, não quero usar meu texto para dar conselhos e inventar outra forma de falar das coisas. Se eu fizesse isso estaria me portando como os que citam, os que referenciam e se esquecem de esquecer e de inventar.

Sei que não abrirei a cortina. Não estou a me preocupar de nenhuma maneira com o entendimento do lance das palavras e das coisas. Menos ainda se é tolice ou não escrever apenas para dizer que não me importo. Importa a mim esquivar os olhos da luz e não procurar. Pois quem procura acha. E, eu, eu não estou a fim de encontrar. Que me saiba bem os desencontros e também os encontros. Com choros e sem eles também. Com todos os ingredientes que não fui eu que coloquei. Que sejamos achados e menos encontrados. Que em um dia em que não abrires a cortina, não fiques com receio por não teres sabido o que aconteceu. Isso por um motivo simples. Na verdade, não acontece nada. Só acontece se o seu coração for um cérebro e não um coração, porque quando o coração é coração, não acontece, não existe verdade e menos ainda mentira. A coisa que sai do coração não tem palavra não. E ela não se dá a isso também não. Por isso senhor adulto, gentileza não querer me explicar, eu não estou a fim de você e de seus saberes. Deixe-me aqui com meus sonhos e todas as minhas mentiras. Com todas as palavras que não sei o que são, com todas as coisas que não sei o que serão nesse dia que é tarde-manhã e no qual resolvi escrever para mim e não para o seu entendimento. Resolvi escrever porque dentro de mim tem um monte de mundos sem explicação, porque dentro de mim tem um coração. Mesmo que não exista o outro lado da cortina, o outro lado da retina ou uma tarde-manhã.

Bernardo G.B. Nogueira
Outono – tarde-manhã

segunda-feira, 4 de junho de 2012

deuses e homens


deuses e homens
FILME - A Pele Que Habito 

A película a que nos iremos transvestir é mais uma obra de arte de Almodóvar e nos surpreende pela profundidade dos temas tratados e a contemporaneidade das discussões.
O enredo nos envia a reflexões acerca do modus como nos relacionamos com o outro na contemporaneidade. O quentume das cores de Almodóvar contrasta com a frieza dos experimentos científicos. A destreza do cirurgião é paradoxal em face do Tigre. A liberdade da ciência é paradoxal em relação à contingência própria do humano. Aliás, em melhores palavras, poderíamos mesmo dizer imprevisibilidade. Assim, o enredo nos toma com problemas existenciais que vão desde uma traição com consequências extremas, até questões que envolvem a bioética, a evolução do pensamento científico, problemas psicológicos e apropriações de classe. Seria uma crônica bem colocada de vicissitudes que tomam o humano na contemporaneidade.

Os personagens interagem em uma trama, que mistura suspense, drama e um tanto de terror cômico. Nesse sentido, é que a dose de humanidade em Almodóvar fica mais evidente. Ora, ele deixa jorrar pelas ações do médico pesquisador, a sanha científica que impera nos dias atuais. Assim como, retrata em sua própria filha a esquizofrenia generalizada que nos assola. A comicidade fica por conta de “Zeca”, irmão do médico sem escrúpulos e filho da governanta, que é também o retrato da inautenticidade de algumas vidas com que nos deparamos diariamente.

Não poderia dizer que é um filme que trata meramente de questões cotidianas, mas poderia sê-lo. Quando nos questionamos acerca de nossas relações diárias, vemos como Almodóvar retrata bem isso por aqui e ali. Ora, também no filme “Fale com Ela” vimos o espanhol a dizer-nos de uma necessária atenção às questões éticas no ethos da medicina. Tenho a impressão que “A pele que habito” é antes de mais nada, um filme que traz um reclame ético e de formação da identidade. Uma necessária mostra da atenção que devemos ao outro e que, exatamente pela liquidez do momento presente, necessitamos revisitar. Nesse mesmo rumo, podemos ler outro reclame quando percebemos um dos problemas que o capitalismo também propicia, ora, quando Robert sequestra Vicent, enxergamos as apropriações que as classes dominantes realizam em face das classes menos favorecidas – um médico sequestra a vida de um funcionário de uma loja de roupas, nada mais evidenciador de uma desigualdade que é latente no modus de vida em que reina o capital.

Não há, na trama, nenhuma relação que não envolva esse reclame ético; não irei passá-las em revista, contudo, Robert está envolvido em experimentos que deixam a comunidade médica preocupada: seus comparsas são enganados, ele não se importa com o outro que se torna outra, com a mãe que não sabe o paradeiro do filho, com uma identidade que é furtada a partir de suas intenções de vingança e frustração patológicas. A sua governanta, que também é sua mãe, não se importa com a morte do filho que só lhe traz contratempos. A esposa de Robert não se preocupa com nada quando se depara com sua realidade estética. O amor e a loucura convivem também com o personagem de Robert. Pois, poder-se-ia mesmo argumentar que toda a dedicação de Robert por salvar sua esposa seria a maior prova de amor, ou, como veremos, a maior prova de loucura. Bom, descobrimos aqui mais uma face do filme. Trata, também, de relações amorosas, mesmo que relações as mais diversificadas e diferentes. A relação de amor do cirurgião com sua obra. A relação de amor de um homem com uma mulher que ele quis eterna. O amor versus a sanidade, o amor em oposição à nossa finitude, humana.

Deuses e homens. Esse traço fica presente no filme quanto Robert não deixa morrer sua esposa. Quando não deixa morrer sua filha psicologicamente comprometida. Pois, em ao se utilizar do jovem que supostamente a havia violentado, comete algumas transgressões humanas, que desde sempre foram relegadas aos deuses – não podemos imaginar maior questão ética do que esta. Penso que este é o nó górdio do filme e que deixa claro  também as apropriações que uma estrutura causa ao sujeito que em ao se deixar levar, torna-se antes de tudo, assujeitado,  impedido em face de sua existência autêntica, que aqui chamei de identidade. Robert ao tentar ser deus nunca será humano. Ao mesmo tempo, daqueles que se apropria, também leva a identidade, assim como a morte leva o espírito deixando um corpo que dorme.

Mirem: o fato da filha de Robert ter sido supostamente violentada não o outorga a possibilidade de realizar justiça com as próprias mãos, no entanto, é o que ele faz o tempo inteiro no filme, e daí questionamos: o saber científico afastado da ética em relação ao outro não elevaria o humano a um patamar maior que ele e por isso mesmo causador de problemas que nem ele poderia resolver? De outro lado, frear a evolução científica seria possível? Seria mesmo válido fazê-lo? Quais os limites da pesquisa? Maquiavel justificava os meios se acaso os fins fossem alcançados, estaríamos, desde agora, condenados a isto perante os experimentos científicos?

Da mesma forma que Robert se apropria, divinamente, de sua vítima, ele a recria, constitui para ela uma nova forma de vida, um novo rosto, um novo nome e um outro sexo. O homem substitui o deus e em seu trono realiza tudo aquilo que não era permitido quando ainda era humano. Estaríamos, portanto, criando uma nova forma de humano? Ou, no extremo, isso que entendemos por homem não seria mais parâmetro para fazermos esses questionamentos?

Assim, a morte fica preterida em relação ao rosto que se repete em outra pessoa. A vicissitude de uma traição é resolvida com a morte, indiferente. A vingança é realizada pelo furto de outra vida. Os temas, vida, autenticidade e liberdade são o mote último que nos irão conduzir. Robert, ao se apoderar de Vicent, o torna Vera. Vera, ao se tornar mulher, não é mais Vicent, o é apenas à medida de Robert. A ideia de morte, como já fora superada pelas possibilidades científicas, nem é contraste com a ideia de vida. Portanto, banalizar o evento morte nos leva a banalizar também a vida, e assim o outro, e ao fim a nós mesmos.

Quando Robert se apodera da existência de Vicent, percebemos uma face sórdida de nossa sociedade atual a se revelar. Estamos extremamente egoístas, egocêntricos e carentes. Robert, longe de ser vilão, é só mais uma engrenagem da irrealidade a que estamos lançados, pois, por mais que a existência de Vera pareça irreal, não menos disforme é a de Robert, que inventa/quer inventar, como num joguete de marionetes, o que virá. Utilizar-se dos avanços científicos para vingar a filha ou para manter viva uma esposa amada é só mais uma forma encontrada para tentar manipular o tempo - nosso eterno vilão - que nunca será conseguida, pois, as consequências de nossa imprevisibilidade são sempre maiores.

Nesse sentido, apoderar-se do outro e torná-lo à nossa medida é o que ocorre em todas as relações que não se querem éticas por excelência, pois, antes da racionalidade o homem se compõe de eticidade, precisamos do outro para existir, e, quando criamos esse outro, deixamos de existir, pois o espelho não cria, apenas reflete. E uma existência presa à nossa imagem, é menor, por evidência. Robert não apenas furtou a vida de Vicent. Ele revelou uma face do humano que desde a muito nos acompanha. Sempre queremos superar os deuses apoderando-nos daquilo que são seus valores, sempre ávidos por ocupar seu lugar – isto é nossa tragédia e nossa comédia.

Robert nunca mais terá sua mulher. Nunca mais terá sua filha. Nunca mais terá sua existência. Uma vez que a única possibilidade que temos para estar no mundo de maneira autêntica é estamos solícitos àquilo que nos é ínsito e impossível desvencilhar: o tempo. Ele nos mostra os limites e as possibilidades: isso em cada novo olhar, cada nova fatalidade, cada novo sorriso. Sempre nasce em nosso íntimo um novo ser humano, que não está à mercê do invento alheio, sob a grave constatação de que o inesperado não mais irá nos acompanhar, aliás, isso nunca deixará de existir, pois, mesmo tendo a melhor pele, Vicent não quer ser Vera, porque Vicent é quem constrói sua existência: livre, errada e em acordo com sua magia, que nunca poderá ser criada e nunca poderá ser substituída.

De tudo, o humano ainda dá provas de sua santidade quando não aceita o outro a vilipendiar sua face a partir de suas vontades. As revoltas de hoje são, em verdade, o novo que se cria a cada manhã, que não aceita uma noite imposta e que quer viver a cada instante o gozo de sua inconstância, da sua errância, de sua criação. O outro é o que eu serei enquanto permiti-lo outro. De outra forma, some o outro e eu mesmo deixo de existir. A ética dramática, narrada por Almodóvar, é para mostrar o quão perverso pode ser um humano, que ao invés do outro, vê no próximo um espelho e que quer refletir nele suas próprias vontades. A poesia da vida está no olhar do outro, sempre a partir daquilo que vem, sempre a partir daquilo que nos convida a ser, sempre a partir daquilo que não sabemos. Senão, a pele não nos mostra a nós mesmo apenas nos faria habitar.

Bernardo G.B. Nogueira
Outono - Itabirito

Flor


Flor

Flor, porque você é mesmo uma flor. Como eu quero ver todo dia essa flor. Chamar flor, e mesmo que não seja atendido com outra voz, que seja flor em silêncio. Porque até sem falar ainda é flor, porque flor não precisa falar, só ser flor mesmo já está bom, porque o cheiro da flor já diz tanta coisa que se ela ainda falasse iria conquistar o mundo. E essa coisa de conquistar mundo também não passa pela cabeça de uma flor. O mundo é ela mesma e não teria razão para querer conquistar a si mesma. E também porque o mundo já está cheio de pessoas que querem conquistá-lo. Porque flor que se preze não fica com acaso por causa de um mundinho qualquer, no máximo, deixa um rastro de cheiro e logo volta à sua formosura e desdém em relação ao mundo. Porque o mundo é que precisa conquistar a flor, não é? Sem o mundo ela ainda é a mais bela flor, mas sem ela o mundo nem tem mais cor. Porque ainda que mundo houvesse sem flor, ninguém ousaria pensar que não era um mundo menor pela falta da flor. Porque também ela simplesmente brota no campo ou no jardim e depois fica a deixar os outros apaixonados por e através dela. Porque o amor sai de suas pétalas e toma o nosso olhar, e “ai” de quem não se curva diante da flor, sai espinhado. Porque ela é brava também, como tem que ser tudo que é imprescindível. Nem dá para se importar quando a gente erra o caminho a pensar na flor. Aliás, acabo de descobrir outra face da flor, ela serve para desviar caminhos. E como seria essa vida sem os caminhos desviados?, iríamos todos para o mesmo rumo e sem sequer ver uma flor ou mesmo tê-la em mente. Nosso pensamento além de tudo depende da flor, porque sem ela seria como não precisar levantar-se da cama ou abrir os olhos. Seria chato abrir os olhos e não ver a flor, e é impossível viver sem que tenha uma flor. E essa flor, também é muito misteriosa, porque tem a cada primavera uma pétala que não se viu na outra, e aí ficamos apaixonados sempre e a cada primavera pelas novas pétalas e pelo cheiro novo que aparece sempre e mais forte de manhã. Além de tudo, as manhãs também só têm todo esse charme porque as flores abrem um sorriso para elas. Porque sem flor também não há manhã que aguente acordar todo dia. E os dias só tem alguma chance de sobreviver, se porventura tiverem dentro de seus minutos, longos momentos em dedicação à flor, porque senão ele vai ficar tão vazio que logo cansará e ficará a implorar para que venha logo a noite. Porque a noite já se rendeu à flor, ela deixa tudo mais escuro para que o cheiro da flor possa ser sentido de maneira mais clara. A noite é escura para que os odores da flor possam passear por entre ela sem serem percebidos. É porque a flor é também uma forma de existir quase enigmática. Ela não fica por aí se mostrando para qualquer. Tem que ter olhos e olfato sensível, senão não vê, senão não flutua e não sente. Daí que para um dia perceber o que uma flor quer dizer, realmente é preciso mais que um olhar apurado e um ouvido aguçado. Tem mesmo é que largar de lado a razão. É precisamente por causa disso que a flor aparece. Porque ela é também irracional e prefere um louco a roubá-la do que um são que quer comprá-la. Porque ela não se vende. E é por isso que em algumas vezes ganha-se flor sem ganhar. De vez em quando a ornamentação com flor fica parecendo uma coisa cheia de nada e sobrando tudo. Isso é também pela face subversiva da flor. Ela aparece quando o relógio não interessa e quando o horário já foi perdido. Quando a grade da casa é grande ou quando o muro é alto. Porque para chegar perto tem que ter insanidade de poeta e toda a falta de medo e razão que só quem é apaixonado por uma flor poderia ter. E toda essa aventura da vida só tem sentido se no fim do arco-íris tiver uma flor à sua espera, porque se você não colorir o caminho, ele não será arco-íris, e muito menos terá uma flor ao final à sua espera. Porque flor não espera e arco-íris não existe. Só existe sonho e só existe criação. Quem souber pintar invente e quem souber plantar que viva. Porque flor...

Bernardo G.B. Nogueira
Outono – Itabirito.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Doação


Doação

Ao acordar amava-te mais,
mais e sempre, estranho e mais,
desnudo e crente,
pele, carne e mais.

Depois do sonho tornaste manhã,
em meus poros de criança, maçã,

Pura e mistério, proibida,
minha e estranha, cativa.

Doaste em sonho, um parir,
viveste o encanto, partir,

Em tom silente, foste em mim,
mais bela que o dia em que nasceste
nas notas turvas do porvir,
sua pose infinita, crua, ao longe,

de perto, me fez sorrir.

GB Nogueira – Ponte Nova, outono.