segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Não estava ali


Não estava ali

Sempre eram tardes de luz povoadas de raios e sol. Um fel escorria do peito do homem que não queria morrer. Apenas uma vontade de estar ali e não perder nem um dos traços da mulher que acenava com a mão e que tinha sempre os cabelos presos em jeito de menina. O dom de olhar p’ra trás assolava seus olhares futuros. Tal qual som de harpas antigas, eram os flertes com que conseguia respirar, nem ousava falar alto. Isso para não acordar as ninfas que escreviam a história com acordes alucinantes.

Do outro lado da rua também havia uma outra espécie de vida. Até parecia que os raios daquele sol eram os mesmo para todos, assim como as gotas da chuva e o mato que esvoaça com o vento. Mas na outra margem, a mulher tinha os cabelos soltos e havia até um sorriso, sem nenhum vestígio de melancolia ou vontade de passado. Quanta vida há escondida por trás daqueles que não sorriem. O marido da mulher que tem os cabelos soltos sempre acaba de chegar. É prudente não observar seus cabelos quando ele chega. O homem sequer olha para os cabelos dela, tampouco meus olhos de cor desbotada.

As crianças que assoviam canções mentirosas eram a realidade mais bonita deste regaço. Seus pinotes em direção a qualquer coisa não podiam ser entendidos nem pelo homem que chega afoito do trabalho, nem pela mulher que só olha para o futuro e mantém sempre o cabelos soltos. Ficam sempre presos pelo sol que não chega a dormir. Enquanto ele está alto no céu a vida nem corre. O vizinho joga o lixo fora e com ele todas as coisas que não ousou criar. A vida dele devia ser bem organizada.

Há também um homem que tem sempre as janelas abertas e olha para o presente. Parece que suas mãos não se cansam de agradecer seu dom de trabalhar incessantemente - com ou sem sol. Parece que ele não vê nenhum estranhamento entre as mulheres da rua. Uma com os cabelos soltos, a outra com os cabelos sempre presos. Ele não as observa por detrás das máquinas com as quais dialoga todos os dias. Dia e noite. Desce as escadas olhando com um sorriso cor de certeza. Quase mentiroso. Ele não escuta os pinotes das crianças. Ele vive no presente.

Em um momento o casal de idosos parece entrever todos os acontecimentos da rua. Eles nunca se surpreendem e sempre têm frases do tipo – “A vida é assim mesmo. – Quando crescerem, em outro tempo, irão mudar de atitude.” E isso lhes confere um grande crédito em relação aos olhares – tanto da mulher sempre com os cabelos soltos, como daquela que tem os cabelos sempre presos. O marido da mulher com o cabelo solto não sabe da existência dos velhos. As crianças fazem troça da calmaria deles. Mas eles olham para um direção que ainda não consegui descobrir. Os olhos deles pareciam não ter fim.

Depois de sentir todos esses olhos, fiquei preso no muro que divisa minha casa e a rua. Meu olhar saia de dentro de minha imaginação. Olhar para trás era uma forma de buscar inspiração para a próxima paisagem que eu criaria dentro de minhas fantasias. Todas aquelas ações eu precisei inventar, pois nunca morei naquela rua e nunca conheci aquelas pessoas. Só precisava ver algo, do passado, do futuro e do presente, talvez. Mas minha casa nem sequer tem muro. 

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito – 18/02/2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Poesia versus poema



Poesia versus poema

Estou diante de ti,
sou eu uma criação sua,
voz que carrega sua trama,
leito que suporta sua lama.

Deito sobre ti
meu seio de sonhos e frustrações,
dizeres malditos sobre suas transformações,
me dou ao seu timbre sem direção,

mais uma vez sou sua,
sem medos,
muda, mundo,
entregue, sem ambição,

Me quero apenas em ti,
sorver seu cheiro e te perder em mim,
labirinto intocado de deus fantasioso,
és cria do impossível, filho desditoso.

Adeus poema,
tens em ti rimas,
métricas e dorso,
sou herói bandido, destruo seu porto.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete – quando os sinos dobram

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sagrado


Sagrado

Me tiraste de mim
como quem rouba o sol,
da flor tenra que espera calor,
do corpo gélido que sucumbe de dor,

deixaste a sombra de um grande arvoredo,
em mata densa me perdeste sem descanso,
de-clamar seu tom, que em mim fizeste manso,
mas foste pela noite em madrugada de pranto.

Levaste sem perdão todo o acalento,
esqueceste por perto todo o tormento,
de não abrires a porta feito céu cinzento

em primavera me vestiste,
para sorveres meu cheiro pleno,

depois me devolveste,
tão selvagem quanto virgem.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

a ti

a ti

Decerto seria bom falar baixinho,
no mesmo tom de seus olhos pequenos,
da mesma métrica que tem sua boca,
em sintonia com a altura de seus sonhos.

Querer devagar como que faz um bordado,
sem fim e com todos os nós atados,
na mesma cadência daquele sol que custa dormir,
com a força que a brisa pousa na flor.

Em tudo estar atento,
desde a cor de seu cheiro,
até o brilho de seus passos.

Ter neste instante um luar infinito,
e com olhos esquecidos perder da vida,
para em sua música me encantar, desmedida.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

Conceber

conceber

Nasce em tom de chuva,
se são deslizes não sei,

tem apenas um gosto de primavera,
e um cheiro de um dia de espera.

Tem o arfar de-vagar do seu corpo,
e um líquido bom que bebi em teu enleio,
que desliza inerte dentro de mim,
e que sai pela mata e defunto ri-se sem fim,

é sempre assim quando chove,
há uma invasão do meu interior,
da sua pele escorre o mais puro cheiro,
e da sua face o olhar mais rico, mais faceiro.

Ah,
como são chuvas essas sensações,
como são enternas essas invasões,

de que modo se vive sem um choro?
sem canções,
sem chuvas,
criações.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

sábado, 11 de fevereiro de 2012

La mer

La mer

Oh mar,
Ah mar,

como canto a ti sem saber quem és,
suspiro,
sem mesmo saber se és homem ou mulher,

de tantas traduções, te entrego a mais perfeita,
com peito aberto e sem gênero afeto,

puro mar,
pura mar,

puro amor,
incolor,
para amar,

maior que deus,
maior que mar,

puro de sentido, e de sonhar,
o-mar, lindo de viver,
a-mar, impossível sem você.

Bernardo G.B. Nogueira

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Para que não se esqueça de mim...

Para que não se esqueça de mim,

pinto em seus olhos, cor de jasmim,
debruço em seu seio, tarde sem fim,
feitiço de magia, fantasia de mim,
som de canção a despertar do sonho,
refaço o tempo, para nele encontrar-me a ti,
modelo a morte, para uma vida por si,
me encontro com a noite, para um dia que vivi,
escrevo sua história, em imaginário de deus,
invado seu delírio e o sonho para mim,
recrio sua origem, para que renasça em mim,
me confundo consigo, para uma unidade e um fim.

Bernardo G.B. Nogueira
Conselheiro Lafaiete

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Por um pouco de simples ser...

Por um pouco de simples ser...

e porquê não se deve perder,
ganhar,
da vida um só querer,
olhar,

Instante de amanhecer,
o mar,
pra chuva entardecer,
voltar,

De um dia tornar nascer,
tentar,
em noite de esclarecer,
sonhar,

De um tanto de te querer,
clamar,
p’ra uma vida ser só viver,
amar...

Bernardo G.B. Nogueira
Ponte Nova

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

E todas as estações passaram,

E todas as estações passaram,

noite e dia,
morte e vida,
verdade e alucinação,

lucidez divina e maldição,
canção de lira e surdez ao chão,

estrada perdida,
sem encontros ou perdão,

tristeza plena e felicidade ao meio,
luz e escuridão,

paz de dentro contra um furacão,
de fora o vento, e no peito aflição,

uma voz serena e olhar de criação,
abraço terno e fraqueza sem medidas, sem palavras,

de um acorde branco, se fez estampido,
nos ouvidos sensíveis harpas em sifonia,

céu intenso, com inferno próximo,
perdição do corpo e calidez no sonho,

interior profundo, riso defunto,
levanta-se na noite, e se parte em cacos desnudos.

Inverno, verão,
Outono e canção.

Só a primavera que imaginamos não passou,
floresceu.

Bernardo G.B. Nogueira
Itabirito